Pão. Loja № 61 |
Praticamente
durante toda a sua história, a URSS convivia com o déficit de certos bens de
consumo – produtos manufatureiros e alimentos. Déficit particularmente forte
surgiu nos derradeiros anos da União Soviética, quando a economia planificada mostrou-se
totalmente caduca e fora de qualquer utilidade.
Um
déficit de mercado é excesso de demanda sobre a oferta. Na década de 1980 a
população soviética possuía dinheiro, o seu poder de compra permanecia intacto,
mas o mercado não tinha oferta dos bens que podiam ser comprados. A economia
planificada, na forma como existiu na União Soviética, não poderia fornecer uma
quantidade suficiente de bens desejados à sua população, além disso, vários
bens simplesmente não eram produzidos, pois eram considerados na URSS de “sinais
de consumismo burguês”.
Que
bens eram deficitários? A situação diferia muito, dependendo do ano e da região.
O abastecimento prioritário era assegurado na cidade de Moscovo e nas restantes
cidades capitais das repúblicas da União, bem como nas cidades especiais e fechadas,
caso de Pripyat; enquanto nas repúblicas da Ásia Central e nas localidades menores
a oferta era muito pior. Aqueles que dizem que “União Soviética tinha tudo” –
viviam, principalmente nas grandes cidades, mais provavelmente se abasteciam
nas lojas especiais da elite do partido – estado, onde realmente havia tudo do
bom e do melhor.
02.
As prateleiras vazias do departamento de carne de uma mercearia, foto feita na
década de 1980. A boa carne ou não chegava às lojas ou era vendida à um preço
inflacionado, aos “amigos” – muitas vezes nas portas traseiras de lojas. Além
de carne, entre os produtos particularmente escassos estava o bom chouriço
(devido à presença de carne, ao contrário da mortadela, fabricada sabe se lá de
que), café (em vez disso se vendia a “bebida do café” na base de chicória), boas
conservas de peixe.
03.
Frutas e bons vegetais eram um déficit tremendo, nos departamentos/lojas de vegetais
& frutas se vendiam alguns maçãs agridoces nacionais, entre os legumes se
vendia a cenoura, beterraba e repolho sujas e cebola. As prateleiras de frutas
e vegetais enlatados não raramente eram entulhadas de grandes frascos de três
litros com sumo/suco de maçã ou bétula – e não havia mais nada.
04.
Na Ucrânia ou Belarus não havia o déficit de roupas feitas na URSS, mas, em
geral, na década de 1980 os cidadãos não se sentiam muito entusiasmados para
comprar as roupas ou calçado soviético por causa de sua aparência horrorosa. Ao
mesmo tempo, em algumas regiões, até a roupa e sapatos soviéticos eram bens escassos.
Reclame em cima: "Fardamentos do pioneiro" |
05.
Na questão da roupa interior, o déficit absoluto era a roupa íntima feminina; havia
muita falta de boas meias e collants (estes últimos eram a terrível raridade).
As meias rotas nunca eram deitadas fora – eram remendadas, muitas vezes com
ajuda de uma lâmpada.
"Não há meias. Não há sapatos". |
06.
Em vários lugares da URSS até os fatos de treino soviéticos, de lã de cor azul,
eram um déficit. Após os Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980 a marca “Adidas”, entrou
na moda e todas as peças de roupa que tinham três faixas, eram literalmente
varridas das lojas.
07.
Nos períodos mais agudos da escassez, o departamento dos produtos
manufactureiros em algum lugar da periferia poderia ter essa aparência – nas
prateleiras estavam alguns poucos “pesos mortos” em forma de bens soviéticos industriais,
tipo chapéus fora de moda e algum paletó solitário do tamanho 7XL.
"Produtos de confeitaria e produtos afins" |
08.
As filas enormes se formavam para comprar álcool – processo que começou em peso
após o início de assim chamada “campanha anti-álcool”, uma das primeiras iniciativas
do Gorbachev em 1985. Sensivelmente ao mesmo tempo, os proletários se habituaram
a beber água-de-colónia e outros produtos de perfumaria pessoal e industrial
(líquido de limpar alcatifas, líquido anticongelante, etc.), as bebidas alcoólicas
normais, simplesmente eram muito difíceis de comprar. O vinho tinto poderia aparecer
no comércio nas vésperas do algum feriado, bem como em ocasiões especiais – por
exemplo, em Kyiv se vendida o vinho tinto avulso, após o acidente de Chornobyl,
se considerava que ajudava retirar a radiação do organismo (o que não
corresponde a verdade).
Slogan na parede: "Fora com os burocratas!" |
09.
Como o preço dos bens em termos monetários já não poderia regular a demanda por
determinados produtos de uma forma natural (a demanda era muito superior à
oferta), o governo soviético começou a introduzir várias medidas adicionais –
começaram a aparecer cupões e “livros comerciais”. Imagem do final da década de
1980 – a vendedora faz uma marca no “livro comercial” da compradora – mesmo quando
os bens deficitários apareciam à venda, a sua quantidade era estritamente
limitada e vendida aos portadores dos “cupões”.
10.
Muitos fãs da URSS dizem agora que os cupões é uma invenção pós-soviética, dos “malditos
anos 1990”, quando os “democratas destruíram um grande país”, mas é apenas tentativa
de confundir a causa com efeito – “o grande país” fracassou, em grande parte
por razões económicas, incapaz de fornecer ao seu cidadãos, mesmo os bens mais básicos,
e os “cupões” começaram a aparecer nos últimos anos da existência da URSS.
Na
foto – os cupões
dos bens essenciais, emitidas em 1990 na cidade de Neryungri, fundada em 1975,
mais de um ano faltava até o fim da União Soviética.
11.
Além dos cupões havia outras formas menos formais para regular a venda de bens
escassos. Por exemplo, a comida para bebés poderia ser vendida na base de alguma
“lista do pediatra”, como mostra a foto:
12.
A venda de alguns bens escassos não era limitada e era realizada sem cupões,
mas tais produtos simplesmente muito raramente apareciam nas lojas. Era
necessário ter uma vendedora amiga em algumas lojas que poderia informar confidencialmente:
“amanhã será “deitado fora” isto e aquilo, não se esqueça de marcar o lugar na
fila”. Após o fornecimento de tais bens à loja, eles eram literalmente varridas
em apenas 1-2 horas.
Na
foto em cima um homem conseguiu “desenrascar” varias dezenas de maços de cigarros escassos,
embora de qualidade bastante deficiente: “Belomorkanal” sem filtro, que as pessoas
decentes nunca fumavam. Geralmente essa marca era vendida livremente, já a
marca “Cosmos” era um déficit e um produto de prestígio, porque possuía um
filtro e se assemelhava aos cigarros “ocidentais”. Um bloco (10 maços) destes cigarros
era uma moeda de troca bastante séria, que poderia ser trocado por uma peça de
um bom chouriço ou até um frasquinho do caviar.
13.
A imagem típica de época – a fila para comprar algum produto escasso, a julgar
pelas caixas, é um bolo, “lançado” à venda livre antes de algum feriado (provavelmente
o Ano Novo ou mais um aniversário do golpe bolchevique). Mesmo para comprar os bolos
maus, com as rosas amanteigadas amarelas, verdes e rosadas, se formavam as longas
filas.
14.
A profissão do vendedor(a) tinha um grande prestígio na época de déficit – principalmente
a da vendedora sénior, chefe de um departamento ou diretor(a) da loja. Quase legalmente
se poderia fazer uma fortuna – a quantidade de bens escassos que entrava na
loja, era geralmente muito menor do que o número de compradores potenciais. Os
cidadãos procuravam a amizade com vendedores, para conseguir os produtos escassos
através da sua “amizade”. De uma perspectiva legal, tudo estava perfeito –
porque a lei não regulava exatamente que cidadãos podiam comprar um determinado
bem escasso.
Uma
imagem muito boa daquela época – vejam como os compradores olham, de forma agachada
para a vendedora e, como cheia de confiança e petulância age ela, logo se vê “quem
é que manda aqui”. Facilmente imagina-se o diálogo – “por favor, pode ser que
ficou alguma coisinha no armazém?” — “Nada lá ficou, vocês são muitos e eu estou
sozinha!”
15.
As prateleiras vazias...
No início dos anos 1990, durante os anos de
reestruturação económica real e não a fictícia Peretroica socialista, o déficit
comercial persistiu por mais algum tempo, e depois desapareceu gradualmente – a
economia planificada ficou à margem da história, dando lugar aos modelos económicos
mais sustentáveis (fonte).
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