Diversos
leitores do nosso blogue acreditam que a vida na URSS era razoavelmente boa e
não percebem de onde aparecem as fotos soviéticas das prateleiras vazias e
enormíssimas filas para comprar as coisas mais básicas, assim como as imagens
dos cidadãos soviéticos mal vestidos e de fisionomias tristonhas, alguns até
acreditam que as fotos foram feitas já nas décadas de 1990-2000.
Na
realidade, a União Soviética era um país de fortes desigualdades e
estratificação social. E a separação entre ricos e pobres, era mais forte do
que na Rússia czarista antes da 1917. Cerca de 5-10% dos cidadãos soviéticos
realmente viviam muito bem. Ao contrário do resto dos seus concidadãos, este
restrito grupo vivia em apartamentos espaçosos, comprava os alimentos (até
mesmo ocidentais) nas lojas de acesso restrito, tinha casas de campo bem
apetrechados e as oportunidades de viajar ao estrangeiro. Hoje, eles (ou os
seus filhos) defendem o passado soviético com “as unhas e dentes”, realmente
não entendendo como e por que as pessoas comuns não gostam da União Soviética.
01.
A elite comunista soviética. Na verdade, a “divisão de classes”, contra o qual
supostamente lutaram os bolcheviques, não desapareceu após a revolução
comunista de 1917, o lugar da “velha nobreza” simplesmente foi ocupado pela “nova
classe dominante”. Eles também desfrutavam de todos os benefícios da
civilização, olhando, com desprezo, ao resto do seu próprio “povão operário e
camponês”.
As
histórias sobre a vida chique e abastada na União Soviética – são inteiramente
derivadas da vida da nomenclatura partidária soviética que realmente viveu sob
o comunismo – recebiam os salários altos, foram lhes atribuídos bons e
espaçosos apartamentos (muitas vezes com os serventes), situados em bons
bairros, lhes eram permitidas as viagem ao exterior, eles faziam compras nas
lojas especiais com uma vasta gama de bens importados – nestas lojas a
nomenclatura soviética fazia compras usando os assim chamados “cheques de VneshPosylTorg”,
indisponíveis aos cidadãos soviéticos comuns.
02.
As pessoas que tinham acesso à distribuição de recursos. Esta parte da
população não pertencia à nomenclatura do partido (muitas vezes eles podiam nem
sequer serem membros do PC), mas tinham o acesso ao sistema soviético de
distribuição – trabalhavam no sistema de distribuição dos apartamento “gratuitos”,
eram diretores de armazéns ou de lojas. Eles recebiam os subornos para resolver
certas questões – para que alguém pudesse receber / enviar / vender alguma
mercadoria em deficit.
À
mesma casta pertenciam as lideranças completamente podres e corrupaos das
universidades soviéticas – reitores e decanos que muitas vezes aceitavam os subornos
para admissão de candidatos. Na URSS não se praticava o sistema centralizado
dos testes e como tal, favorecer um aluno “certo”, chumbando o “indesejado”,
era muitíssimo simples.
Ao
mesmo grupo pertenciam as chefias médicas – também muitas vezes por dinheiro “resolviam
os problemas” com o tratamento extraordinário de um paciente. Em geral – na
URSS viviam bem todos aqueles que eram responsáveis pela distribuição de um
determinado recurso.
03.
Os empresários clandestinos e criminosos. Na URSS existiam setores inteiros da
chamada “economia paralela”. Alguns dos seus esquemas até hoje são considerados
crime (por exemplo, o roubo de combustível em grande quantidade), outros, de
facto, eram uma espécie de empreendedores – por exemplo, ativos na produção
clandestina de calças jeans. Empreendedorismo na URSS foi proibido por lei, e
até ao 1987, os empresários clandestinos arriscavam a sua liberdade e os bens.
Essas
pessoas realmente tinham um rendimento muito superior à média soviética –
digamos, 5.000-10.000 rublos (8.475 – 16.950 dólares ao câmbio oficial da época)
mensais, contra o salário médio de 120 rublos (203 rublos), mas com um grande
risco de ser apanhado pela OBHSS (departamento de investigação de crimes
económicos na URSS), as vezes graças à simples denúncia dos “vizinhos
vigilantes”. Após o colapso da URSS, muitos destes empresários começaram os negócios
legais, tornaram-se bem-sucedidos e outros não conseguiram se adaptar às novas
realidades da concorrência e do mercado, melancolicamente lembrando os “bons
velhos tempos” em que estavam vendendo por 200 rublos os jeans com um custo de
produção de apenas 10 rublos.
04.
Bons profissionais em más empresas. Muitas vezes, as pessoas na União Soviética
trabalhavam sob o princípio “eu finjo que trabalho – o Estado finge que me paga”,
portanto, os bons especialistas que faziam o seu trabalho com a qualidade
estavam em grande demanda. Um bom dentista, um bom canalizador/encanador, mesmo
um simples serralheiro poderiam viver na União Soviética bastante melhor do que
os seus colegas “regulares” – os primeiros eram passados “"de mão em mão”,
recebiam as encomendas, trabalhos e presentes.
No
entanto, em contraste com a nomenclatura, distribuidores do deficite e
empresários clandestinos, este, era o grupo mais pobre dos “soviéticos que
viviam bem” – o seu rendimento era de apenas 2-3 vezes superior ao salário
médio soviético.
05.
Militares, físicos, os profissionais de profissões raras. Relativamente bem na
URSS viviam os militares do alto escalão, de cientistas (físicos, químicos,
etc.) pertencentes à elite da sua ciência e todos os tipos de especialistas
raros, como os operadores de centrais nucleares e pilotos da aviação civil. No
entanto, a “boa” vida dos cidadãos acima citados era real apenas em comparação
com a pobreza soviética geral, e era muito pobre em comparação com a vida de
especialistas similares no Ocidente.
06.
Alguns cantores, escritores, poetas, apresentadores, a elite de artistas de cinema,
circo e balé, a elite da imprensa soviética (editores e principalmente os
correspondentes nos países ocidentais, que muitas vezes eram agentes ou
informadores do KGB). Estas pessoas tinham acesso às facilidades e serviços disponíveis,
numa medida igual ou ligeiramente inferior, aos altos quadros de nomenclatura
soviética. O regime soviético considerava que as pessoas que se dedicavam à
propaganda profissional do comunismo, deveriam sentir os benefícios reais do
seu esforço. O mesmo já não era inteiramente igual em relação aos simpatizantes
soviéticos no estrangeiro. Muitas vezes estes eram usados “as cegas” sem nenhum
ou quase nenhum estímulo financeiro.
Propaganda televisiva soviética em exaltação do regime comunista cubano, 1962 |
Ler
mais: Os
“coprófagos” do GRU e do KGB
Todos
os grupos listados realmente viviam na URSS muito bem, enquanto os restantes
95-90% da população tinha a existência bastante pobre, vivendo do salário
mensal de 120 rublos, e muitas vezes incapaz de comprar os itens mais básicas e
necessários.
Fotos
@GettyImages | Texto @Maxim
Mirovich e (06) @Ucrânia em África
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