O
nosso blogue já contou a tragédia dos milhares de cidadãos americanos que
vieram à URSS a procura do “paraíso socialista” e acabaram mortos ou em GULAG.
No entanto, a história que se segue é ligeiramente diferente. Embora com final sensivelmente idêntico: a procura do “céu socialista” invariavelmente leva as pessoas ao
inferno.
por:
Efrem Lukatsky
(jornalista e fotógrafo ucraniano)
Na
primavera de 1932, o cidadão norte-americano, de origem ucraniana, Steve
Martiniuk (1886), operário da Jones & Laughlin Steel Corporation, entrou no
escritório norte-americano da agência de viagens soviética, Intourist, situada
no № 542 da 5-th Avenue, em Nova Iorque e comprou o cartão mensal de viagem
para a URSS, o cartão que o levou ao céu e toda a sua família ao inferno.
Já
antes, Steve tentou, repetidamente, viajar para a União Soviética através da
Polónia e da Finlândia, mas em maio de 1932, ele próprio, sua esposa Yustina e
filha Ilena de três anos de idade deixou o bordo de um navio de passageiros na
cidade soviética de Leninegrado.
Em
violação de uma forte restrição de visitar apenas as cidades de Moscovo e
Leninegrado, a família Martiniuk foi para Ucrânia.
***
Na
Ucrânia, naquela época milhares de camponeses eram deportados para a Sibéria
desde os meados de janeiro de 1930. Em 1930, foram registados na Ucrânia 4098
revoltas camponesas, muitas delas em massa e bem organizadas. A verdadeira
guerra camponesa contra o regime comunista, uma poderia, em teoria,
reconquistar a independência da Ucrânia. Estaline lançou um golpe preventivo
contra camponeses e organizou o terror de fome em toda Ucrânia. E o mais
importante: a União Soviética se preparava para a guerra contra a Polónia,
levando dezenas de divisões militares até a fronteira.
***
Com
os seus passaportes americanos, a família Martiniuk ficou em um hotel na cidade
de Starokostiantyniv,
na atual região de Khmelnitsky. Tudo aconteceu muito rapidamente. Os agentes da
polícia secreta soviética, NKVD, chegaram de rompante e atiraram contra Steve
na entrada do hotel.
Muitos
anos depois, em outubro de 1999, já após o colapso da União Soviética, um
tribunal da Ucrânia independente determinou que “o cidadão dos EUA Steve
Martiniuk, nascido em 29 de março de 1886, teve uma morte violenta em maio de
1932, na cidade de Starokostyantyniv da região de Khmelnitsky, na Ucrânia,
durante uma viagem de turismo para a União Soviética.
A
sua esposa, Yustina, viu da janela do hotel os homens à matarem o seu marido.
Ela pegou a filha e um saco com documentos e dinheiro, e fugiu, despercebida,
pela porta dos fundos. Foi à aldeia mais próxima, bateu na casa mais próxima e
pediu ajuda.
A
casa pertencia à um casal de camponeses idosos e sem filhos, Stepan e Kateryna
Datsyuk. Yustina contou-lhes sobre o assassinato de seu marido, pediu para
cuidarem da menina até o seu retorno e correu de volta para a cidade para saber
quem matou o marido e por quê.
Na
cidade, ela foi presa imediatamente e levada à uma prisão de NKVD em Proskuriv
(a atual cidade de Khmelnytskyi),
cerca de 45 quilómetros de Starokostyantyniv. Ela foi acusada de espionagem e
severamente torturada (em 1964, durante os trabalhos de construção no local da
antiga prisão os operários encontraram os restos de milhares de pessoas
assassinadas pela polícia secreta soviética).
Após
a família Datsyuk souber que Yustina tinha sido presa, todos eles, juntamente
com a menina, partiram para a fazenda remota, onde ninguém sabia que eles não
tinham filhos, nem que Ilena era uma americana. Decorria o ano 1932.
A
pequena Ilena tornou-se a testemunha de uma grande tragédia de toda a nação que
o paranóico governo soviético mantinha no maior segredo: Holodomor 1932-1933 na
Ucrânia. Uma fome de origem humana que o ditador soviético Estaline usou como
um instrumento da sua guerra contra os camponeses relativamente abastados
depois que ele apelou à implementação de coletivização forçada. Mesmo de acordo
com a maioria das avaliações mais brandas, no ano fatal de 1933, 25.000 pessoas
morriam a cada dia, ou 1.000 por hora, ou 17 pessoas a cada minuto. De acordo
com diferentes fontes, no universo de 40 milhões de ucranianos, entre 4 à 12
morreram de fome, embora a maioria das fontes aponta os números até cerca de
oito milhões de pessoas.
Uma
cortina de ferro separava o mundo inteiro da União Soviética, e apenas os
rumores sobre coisas estranhas e horríveis estavam atingindo os Estados Unidos:
prisões em massa e execuções, grande fome na Ucrânia e eliminação de
dissidentes ou sacerdotes.
Enquanto
isso, o repórter do New York Times, o favorito do Estaline, jornalista Walter Duranty
negava, repetidamente, a grande fome na Ucrânia, nos seus artigos (considerou
muito mais tarde e em particular que cerca de 10 milhões de pessoas poderiam
ter morrido de fome). Pela “profundidade, imparcialidade, bom senso e
clareza excepcional” dos seus artigos sobre a União Soviética, Duranty
recebeu o prémio Pulitzer. O maior prémio jornalístico atribuído pela mentira.
Ilena
tinha sobrevivido apenas devido aos dólares da sua mãe - os pais adotivos
trocavam dinheiro para comida de forma clandestina na cidade. Os seus novos
pais avisaram Ilena: se alguém souber que ela é uma americana, a polícia
secreta iria executá-los todos. O medo se instalou na mente da menina para
sempre.
Yustina
conseguiu escapar da prisão NKVD durante a Segunda Guerra Mundial em 1941,
quando os nazis ocuparam Ucrânia e o Exército Soviético apressadamente bater em
retirada. Nada, além do seu instinto maternal a levou para a fazenda remota,
onde a sua filha vivia.
Uma
mulher velha, exausta e cansada, dificilmente recordava à Ilena a sua mãe vista
numa fotografia velha. Os Datsyuk esconderam ela num porão com medo do que os
alemães executariam ela se soubessem que ela é um americano. Yustina tinha
morrido dois meses mais tarde de fraqueza e doenças.
Ilena
viveu em um assentamento remoto de Marianivka (cerca de 300 de Kyiv) o resto da
sua vida. Mesmo hoje, a estrada termina a poucos quilómetros do assentamento e
não é fácil chegar lá. Por toda a sua vida, ela trabalhou em um kolkhoze local chamado,
em homenagem ao fundador da polícia secreta soviética, de “Felix Dzerzhinsky”.
Em
1989, o seu filho Oleksiy levou ela para a Embaixada dos EUA em Moscovo, onde
em questão de pouco tempo foi lhe emitido um passaporte americano.
Enquanto
trabalhava nesta história, o autor tinha muitas perguntas, e eu não conseguia
encontrar as respostas às muitas delas. Os seus colegas dos Estados Unidos
ajudaram a encontrar a casa na Pensilvânia que pertencia à família do Martiniuk
e uma certidão de casamento. Mas eles também perguntavam como um trabalhador
comum podia se dar ao luxo de viajar para tal longe. Pode ser que Steve era
algo mais do que um trabalhador comum?
Este
texto foi escrito em 2000. Mas não foi publicado por razões que merecem uma
história à parte. A história da Ilena Levchuk teve uma continuação em 2001, mas
neste momento não pode ser publicada.
Ilena Levchuk em 3 de maio de 2001, assentamento de Marianivka na Ucrânia |
Texto,
fotos e documentos @Efrem Lukatsky.
Tradução ao português e o título do artigo é
da responsabilidade do blogue @Ucrânia em África.
Blogueiro:
vários momentos permanecem mais ou menos por esclarecer nesta história, que
garantimos ser absolutamente verídica. Provavelmente a questão principal seja
essa: o que um turista americano poderia testemunhar para ser abatido à tiro em
plena cidade à luz do dia, em vez de ser “apenas” acusado de ser espião e
abatido secretamente na prisão ou levado ao GULAG? Neste momento só podemos revelar aos nossos leitores uma coisa, apesar ser lhe reconhecida a cidadania americana,
Ilena Levchuk (Martiniuk), morreu na Ucrânia sem nunca mais voltar aos EUA.
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