No seu livro “The Forsaken: an American Tragedy in
Stalin's Russia” (Penguin Press, 2008, 448 p., ISBN 2147483647), o autor
britânico Timotheos (Tim) Tzouladis*, expõe a tragédia dos cidadãos americanos
que vieram à URSS a procura do “paraíso socialista” e acabaram mortos ou em GULAG.
Em 1931, no auge da Grande
Depressão americana, a representação comercial soviética em Nova Iorque, Amtorg
(“capa” das operações secretas soviéticas nos EUA), publicou anúncio que oferecia
6.000 vagas na URSS para os especialistas americanos. Mais de 100.000
americanos responderam ao este anúncio. Destes, entre 6.000 à 10.000 se mudaram
para URSS.
A esquerda liberal nos
EUA acreditava que o capitalismo está a colapsar e este será substituído pelo
socialismo. O escritor Bernard Shaw dizia na rádio que o futuro está com URSS.
O jornalista da New York Times, Walter Duranty escrevia os artigos de conteúdo
semelhante (trabalhou em Moscovo entre 1922 e 1936, negando Holodomor
ucraniano). A URSS oferecia trabalho garantido para os adultos, educação
gratuita para os seus filhos, medicina gratuita às famílias. Alguns voluntários
até receberam os bilhetes pagos para chegar à URSS.
Muitos destes
americanos trabalhavam nas fábricas em Detroit ou detinham algum saber-fazer
industrial, sendo engenheiros, professores, metalúrgicos, encanadores,
mineiros, entre outros. No período entre 1929 e 1936 URSS gastou cerca de 40
milhões de USD na compra de tecnologias industriais americanas, principalmente
junto ao industrial Henry Ford.
Cerca de 700-800
americanos trabalhavam na fábrica automóvel de Níjni Novgorod, o mesmo
acontecia na fábrica de tratores de Estalinegrado. Depois de americanos
partilharem os seus conhecimentos com especialistas soviéticos, eles se
tornavam menos valiosos e facilmente substituíveis.
Mas antes disso, as
coisas pareciam ir bem. As colónias americanas foram criadas nas cidades de
Moscovo, Gorky, Níjni Tagil, Magnitogorsk, em Carélia e na Ucrânia. Em Moscovo, no parque Gorky, os americanos jogavam basebol. Até foi criada uma liga soviética do
basebol, ideia apoiada no início pelas autoridades soviéticas. No jornal “Moscow
Daily News” (fundado em 1930 pela esquerdista americana Anna Louise Strong),
semanalmente eram publicados os relatos de jogos de basebol dos EUA e da URSS.
Com início do Grande Terror todos os basebolistas foram presos e o facto de
haver basebol na URSS apagado da história oficial soviética.
Os americanos (e outros
estrangeiros) que se mudavam para URSS viam os seus passaportes confiscados.
Estes documentos por vezes serviam a espionagem soviética, usados pelos agentes
do OGPU – NKVD no estrangeiro.
Alguns americanos
conseguiram voltar para os EUA, principalmente se agiam rapidamente,
protestavam barulhentamente e tinham o dinheiro para comprar o bilhete de
regresso. Muitos deles, senão a maioria, chegavam à URSS sem nenhum dinheiro,
acreditando nas promessas soviéticas de emprego e alojamento garantido. Quando
queriam regressar, descobriam que precisavam entre 60 à 150 dólares, que
simplesmente não tinham.
Em 1934, William
Christian Bullitt, Jr., o primeiro embaixador dos EUA na URSS escreveu ao
Departamento do Estado, contando sobre os americanos mendigos, perguntando como
os poderia ajudar. A sua carta foi entregue à Cruz Vermelha, que por sua vez
declarou, que não é obrigada ajudar aos americanos voltar à sua pátria.
Em 1937-1938, no pico
do Grande Terror, muitos americanos eram presos pelo NKVD à saída da embaixada americana,
o regime paranoide considerava as embaixadas estrangeiras como centros de
espionagem. Os detidos tinham dois tipos de destino. Uns eram interrogados e
executados no período de um mês ou até de algumas semanas. Os mais felizardos
eram colocados nos vagões de gado e enviados para as partes longínquas da URSS.
O comunista americano
de origem italiana, Thomas Sgovio (1916-1997), autor do livro “Dear America! Why I’m turned against communism”
foi mandado de Moscovo ao Magadan, demorando 28 dias na viagem. Sgovio chegou a
pesar menos de 50 kg, tatuando o seu próprio nome para ser reconhecido após a
morte. Sobreviveu graças ao seu talento de desenhador, ele conseguiu arranjar o
trabalho fora da mina de ouro, pintando os pósteres propagandísticos.
Um outro americano, Victor
Herman (1915-1985), passou 18 anos no GULAG e no exílio. Ele conseguiu voltar
aos EUA, onde escreveu os livros «Coming Out of the Ice» (1979), «The Gray
People» (1981) sobre o destino dos 300 operários das fábricas do Henry Ford,
enviados para URSS, «Realities: Might and Paradox in Soviet Russia» (1982) e
«Six Countries to the United States» (1984). Pugilista e paraquedista, Herman era
muitíssimo forte e queria viver. Mas eram as exceções, a maioria dos americanos
morreu nos campos de concentração soviéticos. Apenas alguns conseguiram
retornar aos EUA na década de 1970. Outros só após o início da Perestroica em
1985.
Mais um facto
interessante, durante a II G.M., a URSS fornecia aos EUA ouro extraído em
Kolyma pelos prisioneiros. O ministro das finanças dos EUA, Henry Morgenthau,
sabia da origem deste ouro, mas preferia ignorar este facto.
O já citado William
Christian Bullitt, Jr., no início simpatizava ao bolchevismo, considerando que
este não difere muito das reformas “New Deal” do presidente Franklin D.
Roosevelt. Mas no momento em deixar o seu posto ele foi totalmente dececionado,
até tentou reunir algum dinheiro para ajudar aos americanos deixar a URSS,
querando participar no seu salvamento de alguma maneira.
Em 1937, Bullitt foi
substituído pelo Joseph Edward Davies, incumbido de reatar as relações políticas
com Estaline. Entre amizade com Estaline e os seus próprios cidadãos,
embaixador escolheu Estaline, em resultado os emigrantes morreram. À título de
exemplo, o embaixador da Áustria em Moscovo, no pico do Grande Terror escondeu
duas dúzias de austríacos nas caves da sua embaixada. Nenhum embaixador americano
fez algo parecido.
Mas os americanos foram
perseguidos na URSS não apenas durante o Grande Terror, mas também durante a II
G.M., quando os países eram aliados na luta anti nazi. Na cadência do embaixador
William Averell Harriman, NKVD prendeu uma família americana que trabalhou na
embaixada dos EUA em Moscovo, acusando-a de espionagem. Embaixador escreveu ao
Washington, perguntando o que poderia ser feito, recebendo a resposta que a
intervenção americana não teria nenhuma perspetiva.
Em 1948, Alexander Dolgun (1926-1986),
um funcionário da embaixada dos EUA em Moscovo, foi detido, acusado de “espionagem
ao favor dos EUA” e condenado aos 25 anos de GULAG (cumpriu 8). Durante 15 anos
foi obrigado a viver na URSS como “cidadão naturalizado soviético”, conseguindo
retornar aos EUA onde escreveu o livro “Alexander Dolgun’s story – An American in
the Gulag” (Nova Iorque, 1975, ler trecho em russo).
Na entrevista à página Washington ProFile, citada pelo Inosmi.ru, Timotheos
Tzouladis disse o seguinte:
“Lendo as lembranças das
pessoas que passaram pelos campos de concentração e as cartas de pessoas que
tentavam saber sobre o destino dos seus familiares presos, sentes a dor, que
chega décadas após os acontecimentos descritos, e compaixão por aqueles que
passaram por tudo isso. Uma pessoa normal não consegue livrar-se do terror
lendo isso.
Os acontecimentos nos
campos de concentração nazis são bem conhecidos: nomeadamente porquê foram
libertados pelos aliados e tudo foi filmado e fotografado. Em resultado todos
sabem sobre as consequências do nazismo. Mas foram preservadas poucas
fotografias dos campos de concentração soviéticos, lá eram proibidas as câmaras
fotográficas. Provavelmente, as fotografias semelhantes poderiam nos fornecer a
compreensão plena sobre o que realmente era estalinismo”.
* Timotheos Tzouladis
nasceu na Grécia, cresceu e vive na Grã – Bretanha. Graduado pela Universidade de
Oxford. Jornalista televisivo e autor dos filmes documentais. Autor do livro “The Forsaken: from the Great Depression to the Gulags: Hope and
Betrayal in Stalin's Russia”.
1 comentário:
É por isso que quando sugerimos que um esquerdista vá pra Cuba ele não vai e ainda fica bravo.
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