Mykola e Ihor Kuznetsov, cidade de Kyiv, 18.2.2014 |
Os moradores de Kyiv – pai e filho – se tornaram um dos símbolos da Maydan.
O Ph.D., membro da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia, Prémio
estatal de Ciência e Tecnologia, Mykola Kuznetsov (56) e o seu filho Ihor (27),
também Ph.D. em ciências técnicas, foram brutalmente espancados pela polícia de
choque “Berkut” na rua Instytutska no dia 18 de fevereiro de 2014.
Nas vésperas do primeiro aniversário da Revolução de Dignidade, os
jornalistas localizaram a família. A sua casa não mudou nada, é bastante
modesta. Apenas aumentou o número de livros.
Os Kuznetsov iam à Maydan em família, desde o início de novembro de 2013.
— Quando a situação começou a deteriorar-se, eu tentei dissuadir o filho e marido
de irem ao Maydan – confessa a esposa de Mykola, Alla Shumska (56), a Profª
associada do Instituto Politécnico de Kyiv. — Mas o marido disse: “As crianças
de vinte anos resistem ao regime totalitário, como eu posso neste momento sentar-se
calmamente em casa”.
No dia 18 de fevereiro, Mykola Kuznetsov com o seu filho, como de costume,
fui à faculdade, e após o almoço, eles se apressaram à praça de Independência.
— Na rua Instytutska chegamos à poucos minutos antes do ataque – se recorda
Mykola Kuznetsov. — De repente, as forças de segurança começaram a avançar, os
ativistas da Maydan recuaram. As pessoas tropeçavam e caíam. A polícia de
choque avançava rapidamente, e nós com Ihor ficamos bloqueados por todos os
lados. Cada um dos comandos que passava, tentava nos bater algumas vezes com o
cassetete. Não eram os cassetetes de borracha, mas de plástico, que possuem a
força do golpe mais poderosa. Batiam nós nos ombros, nos rins, mas
principalmente apontavam para a cabeça.
Mais tarde, descobre-se que os manifestantes não eram apenas agredidos, eram
abatidos.
— Eu tinha o medo de perder o filho no meio da multidão e firmemente segurava
a mão dele – conta o homem. — Corremos assim, agarrando as mãos, e naquele
momento recebíamos as bastonadas. Dos ferimentos jorrava sangue, mas isso, parece
apenas instigava os polícias do “Berkut”. Passamos cerca de cinquenta metros,
ficando de pé. Mas ao lado de uma reclame fomos derrubados ao chão, batiam já não
só com os cassetetes, davam-nos os pontapés.
E mesmo assim, caímos muito bem. Embora os olhos estavam cobertos de
sangue, eu vi à dois metros de distância um porão raso. Dei o sinal ao filho para
gatinhar até lá. Os polícias “Berkut” que corriam ao lado, olhavam para o
porão, mas para nos agredir eles tiveram que ganhar o jeito.
Quando houve uma calmaria, saímos do nosso esconderijo. Nós viu um polícia “Berkut”
– ele ordenou que mostrássemos o conteúdo de nossos bolsos, se dignando explicar
que estava interessado em armas. Eu nada tinha além de um par de chips no metro.
Ihor tirou o relógio, mas não teve as força de colocá-lo de volta. Passando
pelos pátios, queríamos deixar o lugar perigoso. No caminho encontramos médicos
voluntários que nos forneceram os primeiros socorros, colocando as ligaduras na
cabeça. Não tínhamos forças para continuar, nem eu, nem o meu filho, ambos mal
podíamos se mover. Finalmente, se demos com entrada de um prédio para recuperar
o fôlego e descansar.
Quando a situação na rua se tornou mais ou menos calma, Mykola Kuznetsov telefonou para a sua esposa.
— Kolya (Mykola) disse que eles estavam bem, que eles se escondem em um dos
prédios e virão em breve – conta Alla Antonivna. — Mas eu senti que algo tinha
acontecido. Estranhamente comportava-se a nossa cadela, ela gemia
melancolicamente e andava de quarto à quarto. Liguei a TV e vi “Berkut” espancar
os manifestantes. Tentei chamar um táxi para trazer o marido e filho para casa.
Quando os operadores se percebiam do local, recusavam-se completamente à
aceitar o pedido. “Você sabe o que está acontecendo lá? — perguntavam. — Você lá
mandaria o seu filho?” Em desespero, eu sai à rua e sem saber o que fazer,
comecei a vagar na procura de um carro. Finalmente, um motorista de táxi
privado concordou em ir. Por causa dos engarrafamentos enormes com muitas
dificuldades chegamos ao local onde me esperava o marido e filho. A rua já estava
escura, por isso não vi imediatamente o estado em que ambos estavam. Feliz por
estarem vivos, eu os abracei e ... não consegui me separar deles – colei. Era
sangue pegajoso que encharcou todas as roupas que meu filho e marido. Só então
eu vi que eles tinham as cabeças em ligaduras, e meu marido – o braço partido. Ambos mal estavam se aguentar de pé.
Em casa descobri que à Kolya e Ihor doía absolutamente tudo – eles não
podiam sentar, nem ficar de pé, nem deitar-se. Todo o corpo doía, as cabeças
zumbiam. Tive medo de chamar as emergências médicas, decidiu que de manhã os levo
à um médico conhecido. E ai comecei, eu própria,
à tratar as feridas.
Mykola Kuznetsov tive a cabeça rachada em dois locais, os médicos tiveram
que colocar dez pontos. Além disso, “Berkut” lhe quebrou a escapula, ele teve que
usar gesso durante muito tempo. Ihor tive a cabeça rachada em três locais. Os dois
homens tiveram as costas e ombros azuis dos espancamentos, ficaram com as marcas
das balas de borracha.
O pai e filho não se lembram do momento exacto em que eles foram fotografados
pelo repórter da agência Reuters.
— Lembro-me que alguém fez click – diz Ihor Kuznetsov. — Na mesma noite a
foto apareceu na Internet, nós começaram telefonar os amigos, queriam saber
como estávamos, se éramos nós, ofereciam ajuda.
[...]
Devemos dizer que o pai e filho Kuznetsov, literalmente se ofereciam para participar na Operação anti-terrorista (OAT).
Pai e filho em novembro de 2014 |
— Infelizmente, não fomos aceites para a frente de batalha, — suspira Mykola
Kuznetsov. — Ordenaram que fiquemos na retaguarda, por isso ajudamos à
aproximar a vitória com todos os meios disponíveis. Mensalmente oferecemos uma
parte de salários às necessidades da OAT. Compramos aos militares as lanternas potentes,
que focam à quinhentos metros. Ajudamos também aos feridos, em particular, na
aquisição de próteses de qualidade. Entregamos a nossa casa de campo para
servir de moradia da família dos refugiados.
Agora, o mais importante é parar a guerra. Nós já provamos que somos uma
nação forte, superaremos este mal. O vencedor não é quem tem as armas mais poderosas,
mas quem é mais forte no espírito. Lembre-se, um ano atrás, nós com os paus íamos
contra as armas de fogo e ganhamos na Maydan!
Fonte:
Blogueiro
O que aconteceu com os Kuznetsov pode ser chamado de verdadeiro fascismo.
Dois bons homens, intelectuais da primeira linha que muitos dos países
gostariam de ter como investigadores ou cientistas, sobreviveram com muita
sorte à mistura, ataque de um regime em sua pura agonia hitleriana. E depois
aparecem os idiotas úteis que defendem as ações de “Berkut”, que afinal também
sofreram, afinal também são vítimas e até são anti-fascistas e representam o lado
progressista da história...
Recordar o Holodomor
O bailado “Flutua o barco” (Holodomor 1932-33) da autoria do Ruslan Ishchuk.
Coreografia do grupo folclórico “Barvinok”, Ontário – Canadá (2008). O link em baixo levará ao vídeo em questão.
https://www.youtube.com/watch?v=8_HE8RHT3hk
A obra se baseia no caso documental, publicado na revista soviética “Ogonyok”
em 1989, uma das primeiras publicações sobre o Holodomor na Ucrânia, que
apareceu na imprensa oficial. Escreveu o editor-chefe da revista, Vitaly Korotych:
Na região ucraniana de Cherkasy vi um homem grisalho que levava as coroas de
flores silvestres ao rio. Os aldeões me contaram que em 1933, após a morte da
esposa pela fome, o homem ficou sozinho com os sete filhos. Quando as pessoas
na aldeia comeram todos os gatos, cães e começaram à desaparecer as crianças, ele
meteu num barco todos os seus filhos, já inchados pela fome e disse-lhes que irão
de barco para apanhar alguns crustáceos que depois iam comer. No meio do rio, pai
virou o barco para se afogar juntamente com os seus filhos... Mas quando acordou,
levado à margem por ondas, e percebeu o que fez, e que ele sobreviveu sozinho – enlouqueceu. E desde aquele momento, cada dia, o pai fazia as sete coroas e as levava
ao rio...
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