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"As pessoas na fila", cidade de Novokuznetsk, 1982 |
O grupo artístico TRIVA era composto pelos fotógrafos soviéticos Vladimir Vorobiev,
Vladimir Sokolaev e Aleksandr Trofimov, que no virar das décadas 1970-1980
trabalharam na Fábrica Metalúrgica de Novokuznetsk. Até o
momento em que foram todos despedidos, sob acusação de “difamação da forma
socialista de vida”.
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"Neve na bateria de coque", fábrica de coque químico, 27.11.1979 |
Após perder os seus empregos, os fotógrafos, pela precaução, tiveram que
destruir uma parte dos seus arquivos, mas começaram se dedicar à fotografia
livre. “Pegávamos a câmara e em modo livre caminhávamos pelas ruas, chamando
isso de “caça livre”, não tendo nenhum objetivo final. Somente deste modo eu voltava
com um filme completo”, – conta Vladimir Sokolaev – um dos membros do grupo.
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"A festa de Maslenitsa dos mineiros", cidade de Novokuznetsk, 1984 (despedida do inverno, corresponde ao Carnaval católico) |
Os membros da TRIVA não largavam as suas câmaras mesmo fora da fábrica e
fora do horário de expediente. Como resultado, a maioria das suas fotografias
retrata o dia-a-dia da cidade de Novokuznetsk na década de 1980.
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"Colocação de gelo no estádio do (clube) Matallurg", cidade de Novokuznetsk, 11.02.1984 |
O princípio do grupo era a rejeição de retoque e da manipulação das imagens.
Mas o mais importante – a rejeição completa da encenação das fotos. Tudo o que
acontece na imagem, acontece realmente; o fotógrafo nunca diz aos seus heróis
como ficar mais fotogénico, não lhes pede para repetir o momento perdido.
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"O registo solene do recém-nascido", o cartório do bairro central de Novokuznetsk, 1.10.1983 |
Este princípio de não-intervenção era bastante atípico para as fotografias
oficiais soviéticas, onde muitas vezes até mesmo as famosas fotos históricas
(por exemplo, “A bandeira da vitória sobre o Reichstag”), eram encenadas
posteriormente.
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"As competições de ginástica produtiva do Comércio Industrial da Cidade", escola número 62, cidade de Novokuznetsk, 10.04.1983 |
Na URSS, 90% das fotografias dos jornais eram tirados como no filme, começando
com a seleção de adereços. Era necessário fotografar o herói tractorista? Vestiam-o
com a roupa “mais adequada” e ele era colocado não ao lado do tractor em que trabalhava, mas
ao lado de um tractor novo. Do fotógrafo exigia-se não a vida real, mas a vida “como
deveria ser”, isso é, a vida editada para os fins ideológicos.
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"A queimada da carcaça de frango" |
Abandonar as encenações e começar fotografar vida real, inclusive em
condições difíceis (por exemplo, dentro das unidades fabris), os fotógrafos
conseguiram, em particular, devido ao facto de que nos meados de 1970-1980 eles
obtiveram as câmaras estrangeiras: a japonesa “Canon” e alemã “Leica”. Pois, usando “Zenit” e
outras câmaras soviéticas, muitas das coisas fotografadas pelo grupo, não seria possível conseguir tecnicamente.
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"Os cavalheiros vão fazer a visita", cidade de Novokuznetsk, 1980 |
A rejeição completa da maquilhagem de realidade, ditou eventualmente, o fim
da existência oficial do grupo. TRIVA foi oficialmente registado em 1981,
conseguiu participar em 19 exposições (inclusive no estrangeiro), mas no início
de 1982, os dirigentes comunistas e KGB suspeitaram na sua estilística a “difamação
da forma socialista de vida”.
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"O corredor da maternidade. (O copo do leite fermentado) kefir, após o parto", 1ª maternidade clínica, cidade de Novokuznetsk, 29 de junho de 1981 |
Além do significado artístico, as fotos, todas datadas, são valiosos como
um documento histórico: “Para nós, a fotografia de rua era a única maneira de
fotografar livremente. Nós realmente registamos a história de nossa cidade. Não
havia outra maneira. Nós não deixavam à participar, não convidavam. A nossa
motivação era de fotografar a história, o que acontece, o que respira a cidade”,
– explica Vladimir Sokolaev.
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"Livraria. Departamento alfarrabista", rua Kirov, Novokuznetsk, 21.01.1983 |
Nas fotos do grupo realmente aparece muita coisa que os usuários pós-soviéticos das redes sociais chamam de “infância feliz sem Internet e telemóveis, mas com
charcos, areia e pás plásticas”. As fotos permitem se afogar naqueles charcos e
areeiros, reativando as memórias profundas dos que nasceram e viveram na URSS. Muitas destas
fotografias são capazes de colocar os nostálgicos ligeiramente mais sóbrios.
Alguém comentou que essas imagens podem servir como documentos de acusação no
processo hipotético contra o Estado sob o nome da URSS.
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"Grinalda para o cão", crianças na escola |
Mas o mais importante, as fotografias funcionam como uma máquina do tempo:
o espectador como se estivesse andando na cidade siberiana de 30 anos atrás –
às vezes ele espia, despercebido, uma cena do quotidiano, por vezes, se encontra,
de frente, com os habitantes do passado, e eles olham para viajante do tempo
com desconfiança e curiosidade.
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"Jogo de elástico", quintal na rua Toliatti, Novokuznetsk, 9 de maio de 1985 |
Esta foto em baixo é um pouco absurda e surreal, parece especialmente concebida, mas
não é. A foto mostra um mestre que veio à unidade fabril para reparar o relógio,
mas a bateria de coque por vezes emite os gases que embriagam a pessoa. O mestre
bêbado saiu para a rua para apanhar o ar fresco e foi fotografado pelo Vladimir
Vorobiev, que estava de passagem.
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"Serralheiro eléctrico na bateria de coque", fábrica metalúrgica, Novokuznetsk, 1980 |
Estas imagens são obras-primas, porque elas não são sobre os efeitos, mas
sobre a vida humana, sobre as questões da vida. Por exemplo, “A felicidade que
passa ao lado”, a situação comum na manifestação comunista transforma-se em parábola.
E, tecnicamente, esta parábola é transmitida com clareza e precisão, não há
nada de supérfluo, tudo trabalha para a mesma ideia.
Bónus
O blogueiro russo Ilya Varlamov fotografou em
2014 a cidade russa de Omsk, a urbe
que serviu de local de exílio ao escritor Fiodor Dostoievski, entre 1849 e 1853.
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