quarta-feira, dezembro 31, 2025

Documentos de identificação que salvaram os ucranianos do Holodomor

Em 31 de dezembro de 1932 na Ucrânia soviética foi aprovada a emissão de passaportes internos para a população. Na prática a decisão se aplicava, quase unicamente aos moradores de cidades e de vilas, ignorando a escravização da quase totalidade dos camponeses ucranianos. Situação que persistiu até 1974, quando as restrições à emissão de passaportes para a população rural foram abolidas. 

Juridicamente a decisão se baseava na resolução da Comissão Eleitoral Central e do Conselho de Comissários do Povo da URSS, intitulada “Sobre o Estabelecimento de um Sistema Unificado de Passaportes na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas…”, datada de 27 de dezembro de 1932. 

Os passaportes (o cartão de identidade em forma de uma caderneta) só podiam ser obtidos por moradores de cidades, assentamentos operários, por trabalhadores de transportes e de sovkhozes (farmas de propriedade estatal soviética, que em 1927 eram cerca de 100 unidades em toda Ucrânia e que representavam apenas 1,8% de todos os ativos fixos da agricultura, 0,9% do gado e 4,9% de todos os equipamentos) e de construções novas. Passaportes não eram emitidos para agricultores dos kolkhozes (farmas coletivas, que representavam a absoluta maioria da agricultura soviética daquela época), o que, na prática, levou à escravização dos camponeses ucranianos. Essa situação persistiu até 1974, quando as restrições à emissão de passaportes para a população rural foram abolidas. 

Durante o Holodomor, a maior parte dos camponeses ucranianos, não conseguia sair da sua aldeia e se salvar, pois não possuiam os documentos de identificação. Assim, eles tinham que fugir ou recorrer a medidas extremas. 

«Pai e mãe descobriram que a tia Katya e o marido dela tinham se estabelecido em algum lugar na Donbas. Eles disseram-lhes: ‘se consegue sobreviver, venham morar conosco». O que vocês acham? Meus pais chegaram a isso… É errado, mas é a consequência daquilo que aconteceu… 

Fome em casa, não tem nadica de nada! Durante à noite, para não serem apanhados (não havia passaportes naquela época aos membros de kolkhozes), meus pais foram até a localidade de Kairy, onde passavam os navios a vapor. Eles embarcavam no porão do navio e chegavam à Zaporízhia. Lá, apanharam/pegaram um comboio/trem para a Popasna, ou alguma outra cidade. Eles foram embora. Nós ficamos sozinhos. Acordo de manhã. Vasya: “Galya, os nossos pais foram embora.” Eu pergunto: “Como eles foram embora?” – “Sim, eles foram para Donbas. Talvez encontrem abrigo lá e nos levem logo.” Comecei a gritar: “Eles nos abandonaram, eles nos abandonaram!” E eu desabei em lágrimas. Vasya me acalmou, ele era o mais velho. Eu tinha 7 ou 8 anos, e ele 11… 

Antes de partirem, meu pai combinou com a professora que, se possível, nos colocariam em um orfanato [meu irmão e irmã mais novos já estavam lá, mas não aceitaram as crianças mais velhas]. Só um mês depois, entramos no orfanato. A comida lá era horrível, mas pelo menos nos davam alguma coisa. As crianças estavam morrendo lá. As mais novas – Nina e Vaninho (Nina tinha 4 anos, Vaninho 2) – adoeceram com disenteria. Essa disenteria levou Nina primeiro, e uma semana depois, foi Vanya. 

Já era o fim do inverno – início da primavera de 1934. Lembro-me de uma mesa comprida, de madeira, e estávamos sentados com essas tigelinhas comendo alguma coisa. De repente os rapazes, que já tinham comido, voltaram correndo e gritaram: “Vasya! Galya! Vosso pai chegou!” Eu não acreditei. Vasya foi correr com os meninos. De fato, pai estava perto do celeiro, com o chefe do kolkhoze ao lado dele. Pai já tinha passaporte, já era um homem livre que não pertencia mais à fazenda coletiva...» 

Extrato das memórias de Halyna Kuzmivna Milko, nascida em 1925, na aldeia de Tykhyi Sad, distrito de Hornostayiv, região de Kherson.

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