segunda-feira, agosto 01, 2016

Síria: Aleppo, Mi-8 e as perdas russas

No dia 1 de agosto, na província síria de Idlib, foi abatido o helicóptero russo Mil Mi-8AMTSh com cinco militares russos à bordo. Todos eles morreram, foi a maior perda russa em um só dia desde 30 de setembro de 2015 – início da operação militar russa no país.
O Ministério da Defesa russo confirmou o abate do aparelho, afirmando que Mi-8 seguia de Aleppo para a base aérea russa em Khmeimim. À bordo seguiam 3 membros da tripulação e dois oficiais membros do Centro russo da reconciliação das partes em conflito (criado em 23 de fevereiro de 2016 no âmbito das negociações de paz com os grupos que se opõem ao regime de Bashar al-Assad; entre eles possivelmente uma mulher tradutora). A parte russa afirma que o helicóptero efetuava uma “missão humanitária”, situação que lembra o comportamento da União Soviética na Guerra soviético-finlandesa. Quando a URSS bombardeava diversas cidades finlandeses, o ministro soviético dos negócios estrangeiros, Vycheslav Molotov, afirmava publicamente que aviação soviética: “não atira as bombas, mas unicamente cestos de pão aos finlandeses famintos”.
A carta de condução russa do elemento feminino da tripulação do Mi-8 abatido
Pelas fotos partilhadas nas redes sociais é possível perceber que o helicóptero caiu no deserto, ardeu de seguida, ficando irrecuperável. Os corpos dos militares russos não tiveram o melhor tratamento, algumas imagens não são aconselhadas aos nossos leitores mais sensíveis. Sabe-se também que a zona da queda do Mi-8 é controlada pela oposição síria moderada, fora da influência do Daesh.
As perdas russas na Síria

Desde 30 de setembro de 2015 à 1 de agosto de 2016, oficialmente, a Rússia confirmou a morte dos 19 militares seus. Cinco deles, morreram durante a fase mais “quente” (de setembro de 2015 à março de 2016), os restantes nos meses seguintes, após afirmação do presidente russo, em 14 de março de 2016, de que “as tarefas atribuídas ao Ministério da Defesa foram cumpridas e a maior parte das tropas [russas] será retirada”, recorda a página Meduza.

A lista dos militares russos que morreram na Síria após a retirada oficial das suas tropas em março de 2016:

17 de março de 2016: 1º tenente Aleksandr Prokhorenko, corretor de fogo, nos arredores de Palmira, alegadamente após ser cercado e pedir o fogo de artilharia sobre a sua própria localização.
12 de abril: queda do helicóptero russo Mi-28N nos arredores de Homs, morreram dois pilotos, ambos permanecem anónimos.
11 de maio: operador de comunicações Anton Ierigin, durante o bombardeamento, região de Homs.
7 de junho: 2º sargento Mikhail Shyrokopoias, no hospital de Moscovo, vítima da mina na província de Aleppo.
15 de junho: fuzileiro naval Andrey Timoshenkov, na região de Homs, em resultado da explosão de um jihadomóvel conduzido por um bombista.
8 de julho: queda do helicóptero Mi-35M, morreram dois pilotos, o coronel Ryafagat Habibullin e tenente Evgeniy Dolgin.
22 de julho: militar profissional Nikita Shevchenko, em resultado da explosão da sua viatura na província de Aleppo.
1 de agosto: 5 pessoas em resultada do abate do helicóptero Mi-8, na região de Idlib, entre eles o capitão e comandante Roman Pavlov (33); 1º tenente e piloto-navegador Oleg Shelamov (29); capitão e mecânico à bordo, Aleksey Shorokhov (41); dois oficiais pemanecem anónimos.
Capitão e comandante Roman Pavlov 
Piloto-navegador Oleg Shelamov
Capitão Aleksey Shorokhov
De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, este já é oitavo aparelho de combate da força aérea russa, abatido desde o início das operações na Síria, no outono de 2015 (i-army.org).

A situação humanitária em Aleppo

A Rússia e Síria afirmam que estão fazer em Aleppo a “campanha humanitária”. Desde o final da semana passada, dizem que organizaram quatro “corredores humanitários”, propondo aos moradores de Aleppo e aos militantes que optaram por entregar as suas armas, para deixarem a cidade.

O enviado das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura, denunciou as falhas da decisão unilateral de Moscovo, aliado do regime de Bashar Al-Assad: A nossa sugestão é que a Rússia passe o controlo destes corredores humanitários para as nossas mãos. A ONU e os seus parceiros humanitários, como sabem, sabem o que fazer. Temos experiência, é o nosso trabalho. Distribuir ajuda humanitária e dar assistência aos civis onde quer que decidam estar, de forma voluntária, é precisamente o trabalho da ONU. [...] Como se pode esperar que as pessoas queiram entrar num corredor humanitário, durante bombardeamentos e tiroteios”.

Apenas alguns dias atrás, o comando militar russo declarava, em forma intensa e arrogante, a passagem para o fim das operações militares em Aleppo (a declaração do ministro Shoigu de 28 de julho sobre a abertura de corredores humanitários para a saída dos rebeldes do cerco na cidade). A voz da propaganda estatal russa, o programa televisivo “Vesti” (Notícias) já dizia que “a tomada do Aleppo é o fim da guerra síria”.

Mas já em 30 de Julho, a liderança de grupo de oposição Jaish al-Fatah anunciou o início das operações de rompimento do bloqueio de Aleppo e em 31 de julho, as forças conjuntas dos vários grupos de oposição, nomeadamente Jaish al-Fatah, Faylak al-Sham, Jabhat Ansar al-Din, Jaysh al-Nasr, Tuvar al-Sham, o Partido Sírio do Turquestão e 13 divisões da Divisão Norte do Exército Sírio Livre, um total de até 20 mil homens, lançaram um ataque contra o exército de Damasco, simultaneamente do sudoeste e de sudeste do Aleppo.

Em poucas horas as forças anti-Assad quebraram as defesas governamentais e penetraram a linha da frente numa profundidade de até de 2 km, capturaram 12 pontos da defesa e várias dúzias de quarteirões de Aleppo (para a tomada dos quais as forças iranianas e as do Damasco gastaram vários meses no ano passado), foram destruídas cerca de 30 unidades de vários veículos blindados. Na sua retirada, as tropas governamentais foram alvos do “fogo amigo” da aviação russa, que estava desorientada pela densa fumaça da queima de pneus, efetuada pela resistência. Até que o grupo Jaish al-Fatah se ofereceu para abrir os corredores humanitários para a saída do Aleppo das tropas governamentais, zombando das anteriores declarações do ministro Shoigu...
A queima de pneus nas ruas de Aleppo para dificultar a visão da aviação russa
A situação cada vez mais parece uma derrota, o bloqueio da Aleppo foi quebrado, as forças do Assad estão em retirada em direção da cidade de Hama, a ala ocidental das forças governamentais em Aleppo foi cercada. Além disso, no sul, Daesh/EI lançou a ofensiva em Honaser, cortando a logística das tropas do Assad na cidade. No cenário pessimista, toda a frente governamental poderá entrar em colapso e um desastre se aproxima ao Assad. Contudo, ele é capaz de efetuar as ações decisivas, não dando ouvidos os conselheiros militares russos, que já por duas vezes lhe custou as derrotas graves e as perdas significativas.

É preciso notar que uma mudança tão drástica em Aleppo, pode, de forma inesperada, afetar todo o processo de resolução pacífica na Síria, pois o cerco de Aleppo foi um fator importante nas negociações, servindo de alavanca de influência sobre os negociadores. Curiosamente, o que agora farão os pacificadores mundiais?

Blogueiro
Como já escrevemos antes, não sendo pessoas sanguinárias, por natureza, os ucranianos e amigos da Ucrânia recebem com a satisfação as notícias da aniquilação dos efetivos e dos equipamentos russos na Síria. Pois cada militar e cada mercenário, cada helicóptero e cada avião russo aniquilado naquela terra, significam menos um militar ou menos um helicóptero para agredir Ucrânia e matar os ucranianos no leste do país. Como se diz no ditado popular, em linguagem um bocado profana: “o sapo fodi@ a cobra”, ou seja, quando uma força maligna quer aniquilar a outra força maligna, também ela, pode levar na bilha”, e nos, resto do mundo só podemos ficar contentes, nada mais e nada pessoal, apenas a geopolítica.

É de notar, que entre os 7 militares russos mortos (com os nomes oficialmente conhecidos), pelo menos três são de origem ucraniana. Mais uma vez os ucranianos étnicos morrem pelo império, mais uma vez os ucranianos étnicos oriundos da Rússia optam pela carreira militar, pois é quase único “elevador social” que lhes permite ascensão à elite da sociedade russa. O que nos tempos de guerra pode ser nada saudável...   

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