As
empresas militares privadas (EMP) é um negócio lucrativo global. Na Rússia são
legalmente proibidas, mas permitidas de facto, para serem usadas nas guerras
que o estado russo fomenta fora do seu território: na Síria e na Ucrânia.
O
vilarejo de Molkino na região russa de Krasnodar abriga a unidade militar № 51532,
o local de aquartelamento da 10ª Brigada especial do GRU das forças armadas
russas. Apenas alguns dezenas de metros fora da auto-estrada federal “M-4 Don”,
fica o primeiro posto de controlo, segue o polígono e mais um posto de
controlo, guarnecido pelo pessoal armado com AK-74. É o local do campo de
treino da EMP “grupo Vagner”.
A
análise das fotos de arquivo do Google Earth mostra que em agosto de 2014 o
campo de treino ainda não existia, começando funcionar nos meados de 2015. No
interior, como contam as testemunhas, se encontram duas dezenas de tendas,
debaixo da bandeira soviética, tudo cercado pela cerca não muito alta de arame
farpado. No território ainda existem vários barracas residenciais, torre de vigia,
a unidade canina, complexo de treino e o parque de estacionamento.
A
estrutura não tem o nome oficial, não se conhece oficialmente o nome do seu
diretor, nem o seu orçamento ou os lucros.
Mercenários
e EMP russas: dificuldades da legalização
A
lei russa determina que os seus cidadãos podem trabalhar na área militar apenas
para o estado russo. O mercenarismo é proibido: a participação nos conflitos militares
no estrangeiro é punida com a pena de prisão de até 7 anos (art. 359 do CP
russo); o recrutamento, a formação, o financiamento dos mercenários, “bem como o
seu uso em conflitos armados ou nas operações militares” é punido com a pena de
até 15 anos. Na Rússia não existe nenhuma outra legislação que regule o
funcionamento das EMP.
Em
março de 2016, na Duma estatal russa foi apresentado o projeto-lei sobre as “atividades
das organizações privadas militares e de segurança”. Os objetivos destas atividades,
segundo os seus autores, eram a “garantir a segurança nacional através da
implementação e prestação de operações e serviços militares e de segurança,
assim como a “protecção dos interesses da Rússia no estrangeiro”. O projeto
previa que o licenciamento das EMP estaria ao cargo do Ministério da Defesa e
monitoramento seria assegurado pelo FSB e pela Procuradoria-Geral. O governo
russo se manifestou contra a adaptação da lei, evocando a contradição com a
constituição russas que proíbe o mercenarismo e a criação das unidades armadas.
Após disso, os próprios autores do documento, o retiraram o documento da Duma,
explicando a sua decisão com a posição do FSB e dos militares que os pediram
“não agravar a situação”.
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Para
contornar a lei, as EMP russas se registam em zonas offshore. Por exemplo, a
EMP russa Moran Security Group (MSG) pertence em 50% à empresa Neova Holdings, Ltd
(Ilhas Virgens Britânicas).
«Tarefas
especiais»
Em
março de 2016, o comandante do contingente russo na Síria, general Aleksandr
Dvornikov disse na entrevista à Gazeta.ru: “Não vamos esconder, no território
da Síria atuam as unidades das nossas forças de operações especiais”.
Um
dos que estava engajado nestas operações era Sergey Chupov, ex-militar das
tropas do Ministério do Interior, ex-veterano da 1ª e 2ª guerras chechenas,
morto na Síria em fevereiro de 2016 e sem nenhum registo no Ministério da
Defesa russo. Aqueles que conheciam o mercenário russo, dizem que ultimamente
era funcionário da EMP “grupo Vagner”.
Dmitry "Vagner" Utkin o alegado fundador da EMP "grupo Vagner" |
Apesar
de não existir certezas absolutas considera-se que o próprio “Vagner” se chama Dmitry
Utkin, ex-militar do GRU que se reformou em 2013. No mesmo ano, aderiu à uma unidade
mercenária russa, “Slavonic Corps”,
registada em 2012 no registo das pessoas jurídicas de Hong-King sob o nome de Slavonic
Corps Limited.
A presença do "Slavonic Corps" na Síria em 2013 registada nas redes sociais |
Os
gestores do “Slavonic Corps”, Evgeni Sidorov e Vadim Gusev, ex-gestores da Moran
Security Group, prometiam aos seus funcionários os salários na ordem de 5.000
dólares mensais e as tarefas de proteção e guarnição do oleoduto e armazém de
petróleo na cidade síria de Deir ez-Zor. Na realidade, os 267 mercenários foram
lançados numa operação contra as forças de Daesh/EI na província de Homs. Sofrendo
várias perdas, em outubro de 2013 a EMP deixou a Síria de forma inglória. Em
janeiro de 2015, já na Rússia, Sidorov e Gusev foram condenados ao abrigo do
art. 359 do CP russo, pela sua participação nas atividades de mercenarismo.
Ambos foram condenados aos 3 anos de cadeia, embora os seus subordinados não foram
perseguidos judicialmente, FSB apenas recolheu todos os meios de informação
digital em seu poder.
A
existência do novo “grupo Vagner” e a sua participação na guerra síria se tornou pública em outubro
de 2015, após a publicação na edição russa Fontanka. A publicação informava
que ex-mercenários do “Slavonic Corps” participaram na ocupação e invasão da
Crimeia em fevereiro – março de 2014 e na agressão contra Ucrânia em 2015, já
na qualidade da unidade especial, engajada, primeiramente na liquidação dos comandantes e unidades “rebeldes” nas fileiras dos terroristas. A participação do «grupo Vagner» em combates
contra as forças ucranianas em Donetsk e Luhansk em 2015 foi noticiada pelo The
Wall Street Journal. No mesmo artigo, os jornalistas contaram sobre a morte
dos 9 mercenários do grupo em Síria. O Ministério da Defesa russo tentou
desmentir a informação. “Fontanka” não possui os dados certos sobre as perdas
do “grupo Vagner” na Ucrânia, mas os situa entre 30 à 80 mercenários.
Coincidentemente
ou não, o centro de treino de Molkino foi criado após o fim do período mais
quente dos combates na região de Luhansk (meados de 2015). O centro passou à
ser usado como a base de preparação dos mercenários russos para a guerra na
Síria. De forma não oficial, o “grupo Vagner” é supervisionado pelo GRU russo,
informação confirmada pelas fontes russas militares e do FSB.
Na
Síria o “grupo Vagner” ficou aquartelado entre as cidades de Aleppo e Latáquia,
seu o contingente que passou pela guerra civil naquele país é avaliado em quase
2.500 pessoas, comandados pelos oficiais do GRU e do FSB. O
recrutamento era efetuado através das redes sociais, em 2016 o grupo operava na
Síria com contingentes entre 1.000 à 1.600 mercenários, dependendo da gravidade
de situação na linha da frente. As fontes que conhecem o grupo, explicam que os
salários são pagos em dinheiro, as compras de armamentos e equipamentos são
suportados pelo estado russo e pelos empresários de “altos escalões” que
pretendem estar nas boas graças do Kremlin.
A
mesma publicação “Fontanka”, escreveu no verão de 2016 que nos últimos dois
anos, Dmitry “Vagner” Utkin era visto frequentemente na companhia das pessoas
que trabalham para Yevgeni Prigozhin (1961), o empresário do ramo de restauração,
bastante próximo ao Putin. O dono da empresa “Konkord M” e da fábrica de
alimentação “Konkord”, Prigozhin fez a fortuna fornecendo as refeições à
administração presidencial russa; se tornou, de facto, o monopolista no mercado
de refeições escolares em Moscovo; e um dos maiores fornecedores de serviços terciários
ao Ministério da Defesa russo.
Financiamento
híbrido
É
difícil calcular os gastos do “grupo Vagner”, pois este usa, gratuitamente, as
facilidades e terrenos, pertencentes ao Ministério da Defesa russo. Por outro
lado, só o polígono da base da 10ª Brigada especial do GRU custou ao estado
russo cerca de 615.000 dólares (41,7 milhões de rublos). A manutenção da própria
base, no biénio de 2015–2016 custou em média, anualmente, cerca de 217.000 USD
(14,7 milões de rublos), sem contar com os contratos secretos, cujos orçamentos
não são divulgados publicamente.
Os
pagamentos dos salários do “grupo Vagner” são feitos em dinheiro ou via
transferência aos cartões de “pagamento imediato”, sem o nome do dono gravado e
emitidos em nomes das pessoas físicas alheias aos seus reais proprietários.
Cartões deste tipo são emitidos pelo banco público russo Sberbank e alguns
bancos comerciais.
Os valores
O
servente civil do “grupo Vagner” recebe cerca de 885 USD (60.000 rublos)
mensais; o mercenário simples pode contar com 1.180 USD (80.000 rublos) na
Rússia e até 2.200 USD (150.000 rublos) na Síria, mais prémios de combate e
compensações. Tendo em conta o número máximo de efetivos de 2.500 pessoas
(entre agosto de 2015 e 2016), o “grupo Vagner” poderia custar aos cofres
russos qualquer coisa entre 35,4 à 110 milhões de USD. Contando com o custo de
equipamento no valor de 1.000 dólares; outros 1.000 USD para transporte e alojamento,
a permanência de 2,500 mercenários russos na Síria poderia custar $2,5 milhões
de dólares mensais (170 milhões de rublos, usando o câmbio médio de 67,89). Os custos de
alimentação, para este grupo de mercenários, poderiam chegar ao valor de 30.000
dólares diários.
As
baixas e os seus preços
O
Ministério da Defesa russo fala em 27 “contratados” mortos, os ex-militares avaliam
o número de mortos em até 100 mercenários. «De lá, cada terceiro homem — é a «carga 200», cada segundo — «carga 300», — explica um dos funcionários da base em
Molkino.
A
compensação padrão pela morte do mercenário é de até 5 milhões de rublos (73,6
mil dólares, o valor igual praticado nas FA russas às mortes em combate).
Embora este valor é muito difícil de conseguir. Os valores mais realistas que
os mercenários russos (ou as suas famílias) podem esperar à receber são de 1
milhão de rublos (14,700 dólares) no caso da morte e 500.000 (7,365 dólares) pelo
ferimento.
Tendo
em conta os salários, a logística, alojamento e refeições, a manutenção anual do
“grupo Vagner” pode custar aos cofres russos entre 5,1 à 10,3 bilhões de rublos
(75,1 à 151,7 milhões de dólares). Despesas não recorrentes no equipamento –
até 170 milhões de rublos (2,5 milhões de USD); as compensações às famílias – desde
27 milhões de rublos (398 mil USD).
«Expresso
sírio»
Para
Síria os mercenários russos viajam sozinhos, não existe o transporte
centralizado, mas as cargas são enviadas por navios do “expresso sírio”, termo
cunhado pela imprensa em 2012. Assim são chamados os barcos que fornecem a
logística ao regime do Damasco.
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Fazem
parte do “expresso” os barcos da marinha da guerra russa, os barcos civis que
passaram à pertencer a marinha russa e os barcos fretados, pertencentes às mais
diversas empresas de diversos cantos do mundo. No total, o “expresso sírio”
operava com não menos que 15 navios civis, em circulação constante entre as
cidades de Novorossiysk e Tartus. Na sua maioria, os navios pertenciam às
empresas registadas no Líbano, Egito, Turquia, Grécia, Ucrânia e Rússia
(segundo os dados dos serviços de monitoramento de tráfego marítimo Marinetraffic.com
e Fleetphoto.ru). O frete de um navio poderá custar até 4.000 dólares por dia,
o que significa que o “expresso sírio”, em 305 dias do seu uso intensivo (30 de
setembro de 2015 — 31 de junho de 2016) poderia custar cerca de 18,3 milhões de
dólares.
Interesses delicados
O
«grupo Vagner» pode ser chamado de EMP de uma forma apenas formal. O grupo não
está fazendo o negócio no seu sentido clássico. Podemos falar da simbiose dos interesses
estatais russos, que precisam a carne para o canhão na guerra síria e os
interesses dos militares russos, em forma individual, de ganhar algum dinheiro.
Como dizia Putin na primavera de 2012, falando sobre a problemática das EMP:
“São [EMP] realmente a ferramenta da implementação dos interesses nacionais sem
a participação direta do Estado”.
Secundando
Putin, no mesmo 2012, o vice-primeiro-ministro russo Dmitry Rogozin disse: “Estamos
a pensar, se o nosso dinheiro irá fluir para financiar as companhias privadas militares
e de segurança estrangeiras ou iremos considerar a possibilidade de criar essas
empresas dentro da própria Rússia e daremos um passo neste sentido”.
Quanto
à EMP “grupo Vagner”, por causa do aparecimento na mídia das informações sobre
a sua ligação à base de Molkino, no Ministério da Defesa russo se discute a
opção de transferência dos mercenários para fora da Rússia. De acordo com as
fontes do FSB e dos militares russos, entre as opções possíveis é considerado o
território de Tajiquistão, Alto-Karabakh e Abecásia. Além disso, todos têm a
certeza: o “grupo Vagner” não será dissolvido – a unidade mostrou a sua
utilidade (@RBC.ru).
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