A
comunidade voluntária internacional InformNapalm apresenta um artigo da autoria do
Vyacheslav Gusarov, especialista de segurança da informação do grupo Resistência
Informativa. A InforNapalm criou a infografia para visualizar os dados do
artigo.
A
década de 1990 caracterizou-se pela desintegração da ex-Jugoslávia, onde no
verão de 1992 apareceram os primeiros “voluntários” russos, formados na guerra
na Transnístria (Moldova). Vieram, alegadamente, para defender os eslavos
locais.
Entre
eles figurava Igor “Strelkov” Girkin, hoje amplamente conhecido pelo seu papel
na invasão da Ucrânia. Os meios de comunicação russos (com lágrimas nos olhos)
apresentavam estes “voluntários” como arquétipo do “patriotismo russo”.
No
entanto, podemos questionar: será possível na Rússia pós-soviética sair do país
com os equipamentos de combate, e até mesmo tomar parte nas hostilidades?
O
escritor russo Mikhail Polikarpov assegura na biografia do Igor Girkin que
várias centenas de “voluntários russos” operaram continuamente na Bósnia, em
1992-1995, usando a tática de grupos de reconhecimento e sabotagem. A base dos “voluntários”
eram funcionários de empresa de segurança “Rubikon” do São Petersburgo.
Então
seria lógico perguntar: será que todos eles se infiltraram na ex-Jugoslávia sob
o disfarce de turistas russos? É claro, neste caso, nada seria feito sem a
participação da SVR-FSB. Imediatamente após o colapso da União Soviética, as
autoridades de segurança estatal criaram uma unidade especial e secreta não oficial,
composta pelos profissionais militares, que foi utilizado nos diversos locais
quentes da antiga União Soviética e no exterior.
Sob
o pretexto da protecção dos interesses da Rússia, os militares da unidade
especial eram usados nas diversas áreas de conflitos – Transnístria, Alto
Karabakh, Geórgia, Crimeia.
Com
o tempo, surgiu a necessidade de criar a base legal que legalizaria as
atividades de grupos armados ilegais no interesse do estado russo.
A
ilusão legal e regulamentar
A
informatização global é uma dor de cabeça para as operações especiais russas,
frequentemente os materiais indesejáveis apareciam em fontes abertas. Havia
uma necessidade da criação da plataforma legal, à semelhança dos países
civilizados.
Uma
das primeiras tentativas foi a alteração da lei russa “Sobre o armamento”
(2008), que permitiu às estruturas estrangeiras das corporações russas como “Transneft”,
“Lukoil” ou “Gazprom” usar as armas de fogo para garantir a segurança dos
locais no estrangeiro. Sob a capa desta alteração, foram criadas as primeiras
formações armadas no exterior.
Isso
não pareceu ser suficiente, por isso, a partir de 2011, os meios de comunicação
russos começaram a discutir ativamente o estabelecimento de um instrumento
militar de influência governamental russa. Em seguida, na imprensa apareceram
os artigos que defendiam a necessidade de formar “destacamentos voluntários de
reservistas do FSB, do Serviço de Inteligência Externa e das Forças Armadas da
federação russa”.
Os
representantes do partido de Putin, “Rússia Unida” apresentaram à Duma Estatal
(câmara baixa do parlamento russo) o projeto-lei № 574.772-5 “Sobre às
alterações aos determinados actos legislativos da federação russa na questão de
criação da reserva humana de mobilização”.
A
lei foi aprovada e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013 e muitas das questões
específicas foram dissimuladas sob as formulações pouco claras:
A
Lei № 288-FZ (2012), determina a ordem de serviço nos serviços especiais da
federação russa via “permanência na reserva”, criada pelo presidente russo. A
permanência na reserva é definida quer por um estatuto especial, quer por “outros
actos jurídicos reguladores da federação russa”. Além disso, os reservistas
podem receber formação em “instituições profissionais especiais”, que hoje
podem ser as empresas privadas militares russas (que possuem o direito de formar
e treinar especialistas do determinado perfil militar).
Em
2013, o deputado da Duma, Aleksandr Mitrofanov apresentou o projecto de lei № 62015-6
“Sobre a regulação estatal da criação e das atividades das empresas militares
privadas”. A lei previa permitir às EMP o seguinte:
- Possuir em seu uso os itens militares;
- Se envolver em actividades empresariais e geradoras de rendimentos;
- Prestar outros serviços militares.
Para
a referência: no art. 27 da Lei “A autoridade do Governo da federação russa”,
se diz que as autoridades federais controlam totalmente as atividades das EMP e
“exercem outras competências em matéria de empresas militares privadas”. A lei
não especifica o conceito de “prestação de outros serviços militares” (Art. 18,
p. 2).
Um
ano antes, em 2012, o deputado Mitrofanov recebeu a bênção do então
primeiro-ministro Putin para a criação daquela lei. Na altura Putin chamou o
sistema de empresas privadas militares na Rússia de “ferramenta para a
implementação dos interesses nacionais sem a participação direta do Estado”.
Bem, esta é a definição exacta das actividades das EMP russas.
Em
outubro de 2014, outro deputado da Duma estatal, Gennadiy Nosovko apresentou um
outro projecto de lei “Sobre as empresas militares privadas”. De momento ambos
os projectos estão em processo de revisão.
Gennadiy
Nosovko é bastante explicito no seu anteprojeto:
«Essas
empresas estarão sob o controlo especial e escrutínio do FSB, e, naturalmente,
as suas actividades serão completamente transparentes para o Estado. Todas as
atividades das EMP se planeiam para serem realizadas somente com a aprovação
das autoridades, e no exterior – com o consentimento dos respectivos governos».
«Hoje,
a república popular da Luhansk e república popular de Donetsk possuem os seus
próprios governos. Na minha opinião, o poder da lnr e da dnr poderia autorizar
as atividades de nossas EMP nos territórios das repúblicas. [...] Alguém deve
proteger os moradores de Donbas e a Rússia agora não tem a base legal para
intervir e ajudá-los. Há voluntários, mas na existência das empresas militares de
segurança a escala da ajuda poderia ser muito maior».
«Isso
permitirá ao estado se distanciar dos conflitos militares mencionados, à fim de
evitar a responsabilidade pelas implicações políticas e pelos crimes inevitáveis
durante a guerra, cometidos pelas EMP, agindo no interesse da Rússia».
Empresas
privadas militares da Rússia
Cerca
de dez empresas privadas militares foram criadas na Rússia ao longo dos últimos
anos. Na zona de OAT foram detetados diversos terroristas que passaram o treino
especial nas EPM russas. As mais conhecidas entre elas:
“RSB-Group”
– se considera como empresa privada de consultoria militar. Um detalhe
importante: a empresa oficialmente opera em áreas com situação política
instável em coordenação com os governos legítimos de outros países. As
atividades militares ilegais em Donetsk e Luhansk, na sua visão, se encaixam
nesta formula, uma vez que os líderes separatistas são reconhecidos, de facto,
pela Rússia como representantes dos respetivos “governos”;
“Anti-Terror”
– grupo de empresas que conta com um centro de formação, unidade de desminagem
e dá cobertura à algumas organizações formadas por ex-oficiais das forças
especiais russas. A organização é especializada em formação e treino para a
realização das diversas tarefas especiais nas áreas com alto risco militar. A
empresa conta com o apoio direto do FSB que lhe permitiu ganhar os contratos no
Iraque;
“MAP”
– empresa militar privada que fornece uma gama completa de “serviços de
segurança'” nas áreas com altas atividades terroristas ou em situação política
instável. Está envolvida na formação, consultoria, inteligência, as vendas de
bens militares, etc. Na prática, “MAP” enviava ilegalmente os seus funcionários
à zona de OAT, alegadamente para garantir a entrega da “ajuda humanitária” nos
territórios ocupados pela “dnr”;
“Moran
Security Group” – grupo de empresas de perfil militar, dedicado a protecção de
cargas marítimas e terrestres. Tem um centro de treino naval em São
Petersburgo;
“Centro
R(edut)”, também conhecida como “Tiger Top-rent security” e “Redut-Antiterror” –
organização militar privada, cujos membros participaram nas hostilidades na
ex-Jugoslávia, Cáucaso, Iraque e Afeganistão. A empresa treina os
franco-atiradores (e anti franco-atiradores), infantaria, sapadores,
engenheiros de rádio, membros das unidades de reacção rápida em ambiente
urbano, etc.
É
provável que as atividades das EMP enumeradas são, de alguma forma, ligadas à
guerra na Ucrânia, em forma de recrutamento, formação de terroristas ou prestação
do apoio. No entanto, os membros das EMP pertencentes às “ATK-group”, “Slavonic
Corps Limited”, “Vizantiya”, foram vistos na área da OAT, bem como na Síria.
Além
disso, na Rússia funcionam as EPM com a “reputação cinzenta”, que podem ser
classificadas de grupos terroristas.
Por
exemplo, “Empresa militar privada Vagner” (nome anterior “Corpo Eslavo”)
apresenta-se como uma estrutura militarizada fechada; o seu campo de treino
está localizado na região de Krasnodar na Rússia, no centro de formação da 10ª
Brigada de Forças Especiais da Direcção de Inteligência Principal do
Estado-Maior Geral da federação russa. Com elevada probabilidade, podemos supor
que observamos aqui o mencionado acima mecanismo da criação de unidades
voluntárias de reservistas do GRU russo.
Empresa
apresenta a organização semelhante às forças especiais: chegada, entrevista,
testes, quarentena, treino especial intensivo, exame e envio em uma missão. A
principal prioridade é sigilo absoluto. De acordo com fontes fechadas, a
principal tarefa da “EMP Vagner” é preparação e envio dos combatentes russos à guerra
na Síria. Esta versão é confirmada pelos dados publicados na imprensa
russa.
Obviamente,
estes homens são a espinha dorsal da infantaria russa que sob o disfarce de “voluntariado”
combatem na Síria ao lado do al-Assad. Sabe-se que os destacamentos de “voluntários”
são enviados para a Síria do aeródromo militar russo Primorsko-Akhtarsky, que
está localizado à 200 km do centro da formação da “EMP Vagner”.
De
acordo com informações confidenciais, a “EMP Vagner” já perdeu na Síria algumas
centenas de seus combatentes. Esta informação é parcialmente confirmada pelos
dados OSINT: 10 mortos chegaram à cidade de Sebastopol da Síria em 24/09/2015;
26 corpos de fuzileiros navais da 810ª Brigada especial chegaram à Sebastopol
em 20/10/2015; 1 caixão com um soldado morto na Síria chegou à Sebastopol em
27/10/2015, etc.
“E.N.O.T.
Corp” é mais uma “estrutura sombra” russa. Ao contrário da anterior, a empresa
possui uma página online onde coloca uma breve descrição de suas tarefas:
educação militar-patriótica e recolha de ajuda para “novorossia”. No entanto,
existem os dados que indicam o envolvimento do “E.N.O.T. Corp” nas operações
militares na área da OAT, operações de aniquilamento da “milícia em Antratsyt”,
combates ao lado dos terroristas e acompanhamento dos “comboios humanitários”.
O famoso líder dos separatistas, o cidadão russo A. Borodai, ligado ao FSB
russo está envolvido nas actividades desta EMP.
A
empresa possui um arsenal de armas, a possibilidade de treino em tiro,
desminagem, reconhecimento e planeamento de batalha. É provável que o
componente “militar patriótico” e “humanitário” é apenas um elemento de
ocultação dos seus principais objectivos – as operações especiais de fornecimento
do armamento e do material militar aos terroristas de Luhansk e participação em
combates contra as forças ucranianas.
De
acordo com fontes confidenciais, os curadores da “E.N.O.T. Corp” recrutam os
terroristas do Donbas para participação nas operações na Síria. Há informações
de que entre 700 à 1.000 terroristas já deixaram as regiões ocupadas da
Ucrânia. Como motivação lhes é prometida a cidadania russa, a anulação dos
registos criminais e os salários na ordem de 90.000 – 250.000 rublos (1.343 – 3.731
USD). Além disso, aos terroristas recomendam “defender a Rússia” não só na
Síria, mas também no Tajiquistão e no Alto Karabakh, onde a situação é
complicada e pode ser escalada à qualquer momento.
Os
cossacos como uma organização pública militar russa
A
função histórica dos cossacos da protecção das fronteiras do império russo
degenerou ao longo do século passado, e este grupo social se transformou em um
grupo de mercenários. As unidades de cossacos russos são amplamente utilizadas
pela liderança russa para desestabilizar situação nos estados vizinhos da
Rússia.
Esta
prática teve lugar na Chechénia, na Abecásia, na Ossétia do Sul, na
Transnístria, na Crimeia, no Donbas e na ex-Jugoslávia. Recentemente, os
cossacos de Krasnodar participaram na anexação da Crimeia em 2014, e os grupos
armados da região de Rostov vieram ilegalmente à Ucrânia para “proteger o mundo
russo”.
Os cossacos terroristas russos algures na Ucrânia, 2014-2015 |
Como
no caso anterior, uma pergunta lógica surge: como podemos explicar o surgimento
de unidades paramilitares de cossacos no território do adversário e com as
tarefas de combate? O funcionamento das comunidades cossacos da Rússia está sob
o controlo do governo russo através do Conselho para os Assuntos cossacos
afecto ao presidente da federação russa.
Por
exemplo, de acordo com a lei “Sobre o serviço estatal dos cossacos da Rússia”,
as unidades de cossacos podem ser envolvidas em:
- Medidas para a prevenção e eliminação de situações de emergência de desastres naturais, defesa civil e territorial;
- Protecção da ordem pública, protecção das fronteiras, a luta contra o terrorismo;
- Várias atividades, realizadas em conjunto com as autoridades executivas federais.
As
tropas cossacas são oficialmente autorizadas se dedicar não apenas à história e
tradições, mas também ter as atividades militares e treino de combate. Na
realidade, algumas cidades russas delegaram aos cossacos a esfera de segurança pública
que permite que eles possuem o seu próprio arsenal de armas. Além
disso, os cossacos russos são “domesticados” pelos subsídios do Estado. Esta
situação permite usar estes esquadrões em atividades pseudo-patrioticas de
acordo com os planos do Kremlin.
***
Assim,
as guerras na Donbas e na Síria demonstram a participação das organizações
militares privadas russas nesses conflitos. Com ajuda das EMP, o Kremlin
realmente criou uma alavanca clandestina de influência militar sobre a vida
político-social dos outros países.
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