sábado, março 02, 2019

Toda a verdade sobre Mikhail Gorbachov

No dia 2 de março de 2019 Mikhail Gorbachov completou 88 anos. Último Secretário-geral do PCUS, primeiro e último presidente da União Soviética (15/03/1990 – 25/12/1991). O homem, que retirou o exército soviético do Afeganistão, acabou com a perseguição dos dissidentes, guerra fria e dominação de ideologia comunista.    

Os fãs do comunismo costumam acusar Gorbachov de traição, acreditando, ingenuamente, que este “arruinou a URSS” [fazendo parte de algum complô secreto dos reptilóides capitalistas]. Na verdade, Gorby pretendia fortalecer a URSS, iniciando uma série de reformas sistémicas (Uskorenie – Aceleração e depois a Perestroika – Reconstrução), sem perceber que o colapso da União Soviética seria o resultado mais natural de suas reformas. A escravidão não pode ser “reformada” – apenas abolida.

Carreira política dentro e fora do PCUS

Gorbachov nasceu em 1931 na região de Stavropol. Em 1937 o seu avô materno [ucraniano Panteleymon Hopkalo] foi preso, acusado de trotskismo, passou 14 meses na cadeia, foi vítima de tortura, humilhações e maus-tratos, escapou milagrosamente da execução.
Desde seus 15 anos, Gorbachov [que na sua meninice se comunicava em ucraniano] trabalhou como ajudante do motorista de um combinado (máquina agrícola usada na safra de trigo), aos 19 anos tornou-se o candidato ao PCUS (ainda na escola foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha pelo seu lavouro exemplar). Em 1950 Gorby terminou a escola com medalha de prata e foi aceite na Universidade Estatal de Moscovo sem exames de admissão, onde se formou na Faculdade de Direito. Em 1961-62, Gorbachov torna-se o primeiro secretário do Comité/ê distrital da juventude comunista Komsomol.

Depois disso, a sua carreira partidária e estatal apenas acelera – em 1969 ele é cotado como candidato ao cargo de vice-presidente do KGB da URSS. Em 1971, Gorbachov tornou-se membro do Comité/ê Central do Partido Comunista da União Soviética, em 1978 muda-se para Moscovo, onde é promovido ao membro do Politburo e, após a morte do Konstantin Chernenko torna-se o Secretário-geral do PCUS – em 11 de março de 1985.

Aceleração, Perestroika, Chornobyl e Afeganistão

Sendo especialista em propaganda, Gorbachov sabia que a propaganda comunista funcionava cada vez menos. Por isso, já em 20 de abril de 1985, ele anunciou a chamada Aceleração/Uskorenie – prometendo investir drasticamente na indústria e no bem-estar social dos cidadãos – o que, de fa(c)to, preparou a Perestroika, que começou apenas em 1987. Com o início da Perestroika, a URSS introduzi a política da Glasnost (Abertura), a censura comunista foi praticamente abolida – Gorbachov acreditava, corretamente, que era necessário lidar com os problemas e não encobrir os sintomas, proibindo falar sobre esses mesmos problemas.
Gorbachov e Boris Yeltsin
Na URSS começaram surgir as publicações independentes, programas interessantes da TV, foram produzidos filmes e desenhos animados que falavam sobre os problemas que se acumularam na União Soviética durante várias décadas de censura comunista sufocante. Os cidadãos começaram perceber que, de fa(c)to, a URSS não era nada daquilo que lhes haviam mostrado nos jornais e na televisão por quase 70 anos.

O desastre de Chornobyl (1986), mostrou claramente como o sistema soviético é incapaz, enganoso e de dupla moral – os cidadãos ucranianos e belarusos não foram informados sobre a catástrofe, o que causava graves problemas de saúde de dezenas de milhares de pessoas.

A Perestroika e Glasnost trouxeram a verdade sobre a guerra no Afeganistão – propaganda comunista dizia que os especialistas soviéticos construíam lá as casas e estradas, a realidade mostrava as mortes dos militares soviéticos e de dezenas de milhares de afegãos, as aldeias que foram varridas da terra, a droga trazida do Afeganistão em caixões de zinco e várias outras coisas semelhantes.

Tudo terminou exatamente como deveria terminar – na derrocada da URSS. As pessoas simplesmente perceberam quão injusto e enganoso era a União Soviética e decidiram que não queriam de viver num país assim. Gorby não quis acabar com URSS – pretendia torná-la “brilhante e perfeita”, fruto do socialismo utópico desprovido de falhas. Mas, como se viu, os princípios democráticos e regime comunista são coisas e realidades incompatíveis.

Retrato da época. Em vez de um epílogo
Mikhail Gorbachov era e é um homem bastante imperfeito [e definitivamente será julgado pela História. É responsável pelo Massacre de Tbilissi (19 mortos e mais de 4.000 feridos), ataques contra Lituânia (14 civis mortos e 702 feridos) e contra a cidade de Baku (conhecido historicamente como Janeiro Negro, resultante em 131-170 civis mortos e até 800 feridos), encobrimento da verdade sobre a catástrofe nuclear de Chornobyl na Ucrânia, vários outros desastres político-militares um pouco por toda a ex-URSS]. Mesmo assim, podemos e devemos agradecer Gorbachov pelo fim do sistema institucionalizado de delações, prisões, tortura e GULAG, caraterísticas intrínsecas da URSS entre 1922 à 1985. Foi na época de Gorbachov que as pessoas deixaram de ter medo e começaram realmente se tornar cidadãos – se vestir, pensar e falar de forma diferente, deixar de acreditar na propaganda comunista e recusar de aceitar de se mover em fileiras, no sentido figural e na realidade prática do seu quotidiano.
Ucranianos  (incluindo as crianças) que foram obrigados à marchar no centro de Kyiv no dia em 1 de maio de 1986,
com os níveis da radiação centenas de vezes superiores aos permitidos... | arquivo
As reformas do Gorbachov foram um grande passo rumo ao futuro e o começo do fim do comunismo, até hoje [um objetivo ainda por cumprir] – mas o primeiro passo nessa direção foi dado pelo Gorby. Muitas pessoas, a propósito, até hoje não entenderam que foi Gorbachov que as libertou da escravidão comunista – é simplesmente surpreendente como muita gente continua sem se aperceber disso.

Nos vossos comentários escrevam, por favor, o que pensam sobre Mikhail Gorbachov, argumentando a sua posição. Os vossos comentários poderão ser publicados no nosso blogue.

Fotos: BBC | TASS | arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

Bónus

Em 2014 Gorby apoiou a anexação russa da Crimeia ucraniana. Em 26 de maio de 2016, o Serviço de Segurança da Ucrânia proibiu a entrada de Gorbachov na Ucrânia por 5 anos. “Pelo apoio público da anexação da Crimeia, Mikhail Gorbachov, por cinco anos, é proibido de entrar na Ucrânia” – informou o comunicado do SBU.
Gorbachov em dezembro de 2016 | foto: BBC
Em dezembro de 2016, Mikhail Gorbachov sugeriu a possibilidade do surgimento de um novo Estado Unitário no espaço da antiga União Soviética: “Eu acho que uma nova União poderá existir”.

1 comentário:

Maurício disse...

Eu penso que ele não podia chegar e dizer: "Olha vou acabar com o comunismo." Para se manter no poder e fazer as mudanças que queria tinha que dar uma no cravo e outra na ferradura e assim ir aos poucos ganhando espaço para mais reformas. Penso tb que o objetivo dele era transformar a URSS em uma social democracia européia.Mas aquele “império” ruiu mais com suspiros do que com estrondo, tais eram as suas fragilidades. Não foi o pouco de abertura econômica proporcionada pela era Gorbachev que liquidou o modelo, mas o pouco de liberdade que ele resolveu inocular no sistema. O totalitarismo é uma doença anaeróbia do espírito. Não convive com o oxigênio da liberdade e do contraditório.