sábado, março 30, 2019

As razões secretas que ditaram a derrocada da União Soviética

Os fãs da URSS adoram explicar a derrocada da União Soviética, socorrendo-se de teorias de conspiração, baseadas nos supostos planos maléficos do Allen W. Dulles ou Otto von Bismarck. Alternativamente, eis 4 razões verídicas, que realmente derrubaram o primeiro país comunista do mundo.

1. Derrocada da ideologia soviética

No início da década de 1980, a ideologia soviética vivia o seu colapso final. A guerra no Afeganistão parecia estranha e anacrónica – quando os rapazes de 18-20 anos, calçando sapatilhas/tênis Adidas, tinham que morrer pelos chavões, bastante ultrapassados, da propaganda bolchevique.
O colapso do sistema soviético foi pré-programado na sua mitologia dogmática. Como observaram corretamente os estudiosos do sistema soviético (Sam Harris, Karl Popper ou Bertrand Russell), o sistema soviético tinha na URSS características praticamente religiosas – havia “profetas” – Karl Marx, “messias” – Lenine e “apóstolos” – os seus discípulos, reais ou imaginários. Todos os fieis do sistema comunista acabariam no “paraíso” – comunismo, no caminho ao qual era necessário aniquilar muitos inimigos (“infiéis” ou “hereges”). O sistema soviético também possuía vários dogmas ideológicos e históricos, negar as quais era considerado um crime.

Nas décadas de 1920-30, os camponeses e operários semianalfabetos ainda viam este sistema como algo “científico”. Mas nas décadas de 1960 e 1970, cresceu uma nova geração de cidadãos com uma visão muito mais ampla, que começou a questionar o dogma soviético. Como resultado, a ideologia soviética dos anos 1970 foi alvo de piadas, nos anos 1980 – de artigos críticos dos dissidentes, e em 1985 já ninguém acreditava que um dia chegaria o tal “comunismo”, onde todos os bens seriam dados aos cidadãos de forma livre e “segundo às suas necessidades”.

2. Comparação com a vida no Ocidente

Até às décadas de 1940-50 quase todas as informações sobre a vida fora da URSS eram inacessíveis à maioria dos cidadãos, já nas décadas de 1970 e 1980, com o crescimento da globalização e da difusão do rádio e da televisão, tornou-se mais acessível a comparação. Em geral, engenheiros, médicos e trabalhadores soviéticos conseguiam perceber que os seus colegas no “Ocidente decadente” viviam de forma muito mais confortável e com muito mais decência do que eles próprios na URSS.
"Glória ao trabalho": exemplo da típica propaganda monumental soviética
Quando um operário qualificado nos EUA vivia numa casa decente, possuía um carro pessoal e podia viajar ao exterior, um trabalhador soviético, na melhor das hipóteses, vivia, com sua família num reles apartamento T1, sobrevivendo com o salário magro e de todo entretenimento possível tinha apenas hóquei na TV e cerveja / vodca baratas na companhia de amigos.

3. Aceitação de valores humanos universais

Se analisarmos as obras de arte soviéticas das décadas de 1920-1940, verificaremos que absoluta maioria estava completamente repleta de ideologia, militância e militarismo soviéticos. Espiões, comboios/trens blindados, ataques de cavalaria, metralhadoras, segredos militares: “incêndio em redor, vestígios na neve, e os regimentos burgueses, tocando o tambor de cobre, marcham em guerra dos países distantes”, escrevia Arkady Gaydar.
"Abaixo leninismo"
Nas décadas de 1970-1980, a situação mudou drasticamente. Outros tópicos, humanistas e universais, começaram ser evocados na cultura. Os cartoons soviéticos da mesma época, com raras exceções, contavam as histórias humanistas. O famoso gato Leopoldo, para ser gentil, não precisava ser militante do PCUS. O Pequeno Guaxinim, que sorria para seu reflexo no lago, não saberia quem era Lenine e gotinha Kapitoshka, para ser feliz, seguramente não tinha que aprender os princípios do marxismo-leninismo.

4. Chegada da sociedade de informação

A ditadura soviética de 1920-1950 se manteve na base do défice de informação. Os cidadãos da URSS eram privados praticamente de todas as fontes de informação independentes, e sobre todos os eventos que ocorriam no mundo, eram informados através da propaganda soviética, baseada nos dogmas do marxismo-leninismo.
Com o passar do tempo, esse bloqueio de informações tornou-se cada vez mais difícil de manter. Cidadãos soviéticos começaram a viajar ao exterior, trazendo histórias sobre como as coisas realmente estavam no Ocidente. Várias estações de rádio ocidentais (e não só) ofereciam a interpretação não soviética e não comunista do mundo – uma alternativa poderosa à mídia soviética dogmática. A sonegação da informação pelo governo soviético, sobre as repressões das décadas de 1930-50, acidente de Chornobyl ou a guerra no Afeganistão – teve o efeito de uma bomba informativa.

A chegada da sociedade da informação, quando todos têm o direito de receber, divulgar e interpretar livremente determinadas informações, tornou-se uma das principais causas do colapso da URSS. O partido comunista soviético, com a sua interpretação “unicamente correta” dos fa(c)tos e eventos, tornou-se um atavismo risível e ridículo.

Fotos: GettyImages | Texto: Maxim Mirovich

Sem comentários: