segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Como KGB falsificava a história


Danylo Shumuk
Estudando a história dos movimentos de libertação da Ucrânia, OUN e UPA, os historiadores muitas vezes se baseiam nos depoimentos que não deveriam originar as dúvidas sobre a sua autenticidade. Mas realidade é diferente. As matérias factológicas necessitam de uma verificação detalhada, principalmente as memórias dos combatentes da luta de libertação nacional.

por: Ruslan Zabiliy, diretor do Museu Memorial das vítimas dos regimes da ocupação “Cadeia na Lonckoho” (Lviv)

Em 1974, em Paris, foram publicadas as memórias do Danylo Shumuk, “Za shidnym obriem” (Além do horizonte oriental), que brevemente se tornaram bastante conhecidas e controversas.
capa dos memórias do Danylo Shumuk

Danylo Shumuk nasceu na Volyn em 1914. Foi adepto das ideias comunistas, filiado na juventude comunista (Komsomol) e no Partido Comunista da Ucrânia Ocidental (KPZU). Em 1933, pelas atividades comunistas a 2ª república polaca o condena aos 5 anos e 4 meses de prisão efetiva. Desde a ocupação da Ucrânia Ocidental pela URSS em 1939, faz parte da elite comunista, serve no Exército Vermelho, participa na guerra soviética-nazi, é aprisionado pelos alemães, foge e em 1943 adere ao Exército Insurgente Ucraniano (UPA).

Preso pelo NKVD em 1944, é condenado à pena capital, substituída pelos 20 anos de campos de concentração. Já no GULAG participa na revolta de Norilsk (1953), reabilitado e libertado em 1956. Mas em 1957 é novamente preso pela recusa de colaborar com KGB, resultante em nova pena de 10 anos. Libertado em 1967 e pela 3ª vez preso em 1972 pela escrita das suas memórias e distribuição da “literatura antissoviética”. Em 1987 é finalmente liberado e emigra para Canadá. Volta à Ucrânia em 2002, vive no leste do país, onde morre em 2006. Ao título póstumo é condecorado com a ordem “Pela Coragem do 1º grau”, passou 42 anos da sua vida nas cadeias e campos de concentração soviéticas.

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Durante a minha estadia em Vilnius (Lituânia), tive a oportunidade de trabalhar nos arquivos do KGB da Lituânia, onde consultei os documentos publicados nas “Obras da Escola superior do KGB”. Na coletânea №43, encontrei o artigo do V. M. Shyschenko, intitulado “Sobre a questão de termos e métodos de decomposição das organizações antissoviéticas emigrantes”. O artigo descreve como KGB usou as memórias do Danylo Shumuk:
coletânea da escola superior do KGB 

Por exemplo, para a publicação no estrangeiro foi enviado, pelo canal controlado, o livro do antigo condenado Danylo Shumuk, que em 1942-1945 era um dos líderes da estrutura dirigente distrital da OUN.

No manuscrito foram colocadas os dados de desinformação sobre a crueldade dos membros do serviço de segurança (SB da OUN), sobre o fanatismo e limitação dos líderes, sobre as carnificinas sangrentas dos seguidores da ONN-R (pró Stepan Bandera) sobre os da OUN-M (pró-coronel Andriy Melnyk).

O livro […] originou as desavenças entre os nacionalistas estrangeiros”.

Ou seja, no dia 15 de janeiro de 1972, durante a detenção, KGB apreendeu as memórias do Danylo Shumuk, estas, eventualmente, foram “trabalhadas” e “redigidas” pelo “Departamento operativo-técnico” (OTO) e enviados para o estrangeiro pelo “canal controlado”. Assim o manuscrito chegou à editora ucraniana Smoloskyp, que se tornou a vítima da ação operativa do KGB.

O KGB tinha criado um engenho explosivo de ação retardada que funciona até os dias de hoje. Funciona nas guerras informativas em redor da memória nacional ucraniana. Quantos engenhos semelhantes são desconhecidos por enquanto?

O problema da discussão atual sobre a memória nacional, crimes do regime comunista, lustração, heróis, criminosos, secretismo e revelação de segredos se prende à questão de sabermos muito pouco e muito superficialmente sobre o nosso passado. A verdade sobre o passado é a única maneira de curar as feridas do totalitarismo.  

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