Licenciado em Direito, deputado do parlamento austro-húngaro, jovem
aristocrata ucraniano Kazimir Sheptytsky,
surpreendeu todo o mundo, quando em 1907 deixou a sua carreira política em
Viena e em 1911 se tornou o monge sob o nome de Klementiy (Clemente).
por: Volodymyr Vyatrovych, historiador
As relações entre a Igreja Greco-Católica Ucraniana (UGCC) e a Organização
dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) nunca eram fáceis. Ambas as estruturas viam
como o seu objetivo supremo a defesa dos ucranianos e a garantia da sua autorrealização.
Mas se a igreja preconizava a via do crescimento espiritual das
individualidades, OUN escolheu a luta ativa e a revolta militar.
No tempo de paz estes dois caminhos pareciam mutualmente excludentes,
durante a II G.M., a política repressiva nazi e comunista aproximou igreja e
OUN. Os arquivos do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), testemunham as
tentativas do Metropolita da UGCC Andrey Sheptytsky, resolver
o conflito entre dois ramos da OUN: OUN-M e OUN-R, sobre a mediação da igreja
entre a resistência ucraniana e polaca em 1942-1944, sobre o auxílio médico e
material da igreja ao Exército Insurgente Ucraniano (UPA) ou sobre as
atividades de alguns padres da igreja nas fileiras do UPA ou na
clandestinidade.
O poder soviético voltou à Ucrânia Ocidental em 1944, as pessoas se
recordavam muito bem a experiência da “sovietização” de 1939-1941, que resultou
em assassinatos e deportações de centenas de milhares de moradores da região, entre
eles vários sacerdotes.
Pressentindo a repetição da tragédia, o Metropolita Sheptytsky enviou à
Moscovo a delegação da UGCC, chefiada pelo seu irmão mais novo, Klementiy Sheptytsky.
Delegação foi recebida pelo chefe do Conselho dos Cultos religiosos junto do
Conselho dos Comissários do Povo, Ivan Polianskiy, que assegurou que poder soviético
não planeia as repressões ou perseguições. Em Moscovo, padre Klementiy teve um
encontro com representantes do NKVD (entre eles Pavel Sudoplatov), que pediu a
UGCC se tornar o mediador entre Moscovo e a resistência ucraniana.
O encontro entre UGCC e os representantes da OUN-UPA se deu no fim de
1945 na Igreja de São Jorge em Lviv. A resistência recusou os contactos com
Moscovo, não acreditando na sua sinceridade. As repressões aumentavam do dia
para o dia, visando a resistência, cidadão comum e em breve a própria igreja.
Em 11 de abril de 1945 foram presos todos os bispos da UGCC, os padres
foram coagidos em “unir-se” à Igreja Ortodoxa Russa (IOR). Klementiy, que após
as detenções, de-facto, liderava a igreja, exortou o clero e os fieis a não
ceder à pressão do poder soviético. Em março de 1946, estado soviético organiza
a reunião magna da UGCC que proclama a “entrada” da igreja ucraniana na IOR. Os
padres ficam com a escolha: ceder a tentação do poder soviético ou resistir, arriscando
a prisão.
Claramente, Klementiy
Sheptytsky, foi um dos que decidiram resistir, por isso, já em 30 de maio
de 1947 a Direção do MGB (Ministério da Segurança Estatal) de Lviv assina a ordem da sua prisão. Padre Klementiy
era acusado de atividades antissoviéticas e a colaboração com OUN.
Capa do processo do Klementiy Sheptytsky no MGB |
“Klementiy Sheptytsky, — escrevia major Bozhko do MGB, — era figura influente
na formação do movimento nacionalista e desempenhava o papel importante na luta
prática da OUN-UPA contra o poder soviético”. No dia 6 de junho começaram os
interrogatórios do sacerdote que tinha 78 anos, que duraram quase meio ano. Durante
este tempo, o padre, como “criminoso perigoso” foi transferido da cadeia do MGB
em Lviv, para a cadeia homóloga em Kyiv.
Klementiy negava todas as acusações, mas os interrogadores tinham as
informações precisas, recebidas de outros padres e monges. Assim foi provado
que no mosteiro de Univ existia o esconderijo do UPA (descoberto em 17 de
janeiro de 1946), que os monges ajudavam à resistência e o chefe da farmácia do
mosteiro, Matkovskiy, sistematicamente fornecia os medicamentos à UPA. Dois
monges passaram à clandestinidade e mais um, ainda durante a ocupação nazi, se
juntou à UPA, tornou-se o capelão da escola dos oficiais da guerrilha e morreu
no combate com tropas soviéticas. O próprio padre Klementiy escondia o médico
insurgente, que cuidava dos combatentes feridos.
Padre Klementiy não negava estas acusações, mas os classificava como obrigação
cristã e não como atividades políticas. Não revelava nenhuns nomes dos padres
vivos ou dos resistentes, limitando-se a confirmar os factos já conhecidos pelo
MGB.
[…]
Durante a prisão do arquimandrita Klementiy, no ocidente foi publicado “Apelo
da Ucrânia em Luta à toda a emigração ucraniana”. No documento se dizia:
“Revela aos todos os povos, este país, onde é sufocada a religião, oprimida
a igreja, ferrada a liberdade de consciência, espezinhada, não só a moralidade cristã,
mas também a moralidade universal humana... Conte sobre a destruição das
igrejas ucranianas Autocéfala e Greco-católica, os assassinados e deportações de
bispos, sacerdotes e fiéis ucranianos. Explique aos estrangeiros que a Igreja Ortodoxa
Russa atual não tem nada a ver com uma igreja livre e são agentes dos serviços
de segurança.”
Além da liderança da resistência ucraniana, este apelo foi apoiado pelo
líder da UGCC na clandestinidade, padre Mykola Khmiliovskiy (1880-1963). As
duas clandestinidades ucranianas, nacionalista e eclesial, uniram os esforços
para levar a verdade sobre situação da Ucrânia ao mundo livre.
No dia 15 de janeiro de 1948 foi terminada a parte investigativa e uma
semana depois preparada a sentença acusatória, baseada nos artigos 54-1 e 54-2
do Código Penal – “traição da pátria”. No dia 28 de fevereiro a “reunião
especial” do MGB condenou padre Klementiy aos 8 anos da prisão, passados na
famigerada prisão de Vladimir.
“Alto, magro, com uma longa barba branca, ligeiramente curvado, com o
rosto e os olhos amigáveis, calmo, — descreve Klementiy Sheptytsky na prisão,
um dos seus companheiros de cela, membro da OUN, Ivan Kryvytskyi. — Na conversa
em nada é parecido com um monge, mais um homem educado secular... Ele não
falava muito, nunca disse as palavras desnecessárias. Respondia ou falava de forma
sucinta e clara. Andava apenas com a bengala, até mesmo em cela (prisional)...”
O sacerdote velho, adoentado e enfraquecido, não cumpriu a sentença, no
dia 1 de maio de 1951, às 21h00, foi constatada a sua morte. Klementiy Sheptytsky
foi sepultado entre outros detidos da cadeia, o local exato da sua campa é
desconhecido.
Quarenta anos depois, o mesmo poder soviético que o matou, alguns meses
antes do seu próprio fim, reabilitou o sacerdote, reconhecendo a falta de qualquer
culpa fornal do Klementiy Sheptytsky. Em 1995 ele foi oficialmente reconhecido pelo
estado do Israel como “Justo entre as Nações”, pelo salvamento de judeus
durante a II G.M. Em 2001, o Papa João Paulo II, durante a sua visita apostólica
à Ucrânia, beatificou Sheptytsky, em conjunto com 27 outras personalidades da Igreja
Greco-Católica Ucraniana.
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