Eastwood
recria com mão de mestre o atentado falhado do comboio Thalis em 2015, em “15:17
Destino Paris”, usando os três heróis do mesmo como actores. O filme à não perder de cinco
estrelas.
por:
Eurico de Barros, Observador
Primeiro
que tudo, vamos aos factos, apenas os factos, como diria o Sargento Friday, da
velha série policial “Dragnet”. No dia 21 de Agosto de 2015, um marroquino de
25 anos, Ayoub El Khazzani, que trazia consigo armas de fogo, munições, uma
faca e uma garrafa de gasolina, quis fazer um atentado no comboio de alta
velocidade Thalys que ligava Amesterdão a Paris e levava 554 passageiros. Depois
de ferir a tiro um homem, o terrorista foi manietado e desarmado por três
amigos americanos, dois deles militares de licença e o outro estudante
universitário, e que estavam de férias na Europa: Spencer Stone, Alek Skarlatos
e Anthony Sadler. Foram ajudados por Chris Norman, um homem de negócios inglês
de 62 anos, residente em França. Stone ainda foi esfaqueado pelo terrorista.
Não houve vítimas a lamentar e poucos dias depois, os heróis do Thalys seriam
condecorados pelo presidente François Hollande.
[Veja
o “trailer” de “!5:17 Destino Paris”:]
Em
“15:17 Destino Paris”, Clint Eastwood recria os acontecimentos desse dia no
comboio. Mas o filme, escrito pela estreante Dorothy Blyksal, não se limita a
isso. Pondo os três amigos a interpretar-se a eles próprios (coisa raríssima no
cinema dos EUA, só há um precedente, com o herói da II Guerra Mundial Audie
Murphy, em “O Regresso do Inferno”, de 1955) e a reviver as situações por que
passaram, Eastwood recorda a vida do trio desde a infância, quando se
conheceram na escola, usando esse regresso ao passado para mostrar como eles se
transformaram nas pessoas que viriam a impedir uma tragédia num comboio em
França. Aqui chegados, importa salientar que “15:17 Destino Paris” é um filme
desprovido de toda e qualquer intenção épica, livre de discursos heróicos
inflamados, de empáfia patriótica e sem o menor vestígio de retórica, seja
cinematográfica, seja ideológica, trabalhando nos limites da economia, da
elipse, da síntese, e mesmo assim produzindo efeito formal, dramático e
psicológico.
[...]
O
determinismo também não é chamado para o filme, tal como a invocação de um
qualquer “destino”. Clint Eastwood está interessado em mostrar como é que
pessoas perfeitamente normais são capazes de comportamentos extraordinários em
circunstâncias especiais, que por uma feliz coincidência apelam a que essas
pessoas ponham automaticamente em prática a formação específica que tiveram. E
o realizador não omite, em nome de qualquer “efeito” dramático, o facto da
Kalashnikov do terrorista ter encravado na hora “h”, ou Stone e os seus amigos,
por mais iniciativa e coragem que houvessem demonstrado, teriam provavelmente
sido todos abatidos e El Khazzani feito um banho de sangue no Thalys. Como
disse Skarlatos posteriormente: “Escolhemos lutar, tivemos sorte e não
morremos.” Tão simples e
tão espontâneo como isto.
Depois
de “Sniper Americano” e de “Milagre no Rio Hudson”, “15:17 Destino Paris” é o
terceiro filme seguido em que Clint Eastwood trata de assuntos da actualidade
envolvendo figuras reais. Só que em vez de trabalhar com vedetas como naqueles
dois (Bradley Cooper e Tom Hanks, respectivamente), o realizador preferiu que
os três amigos se interpretassem a si próprios, em nome de uma maior
autenticidade. E a verdade é que Stone, Skarlatos e Sadler são os três tão
naturais e saem-se tão surpreendentemente bem, que nos esquecemos que são eles
mesmos e pensamos que se trata de actores desconhecidos a personificá-los. Faço
minhas as palavras de Richard Brody na sua crítica na “The New Yorker”: gostava
de os ver fazer mais coisas noutros filmes. Quem sabe até se Eastwood não os
volta a utilizar.
Bónus
Não,
isso não é uma imagem do incêndio numa cidade atacada por peste e nevasca num
filme de fantasia sobre a sombria Idade Média. São jubilosos cidadãos russos, moradores
da cidade da Kaluga queimam a maquete de uma igreja católica, celebrando a festividade
de Maslenitsa...
17/02/2018 |
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