sexta-feira, abril 18, 2025

Cadeia russa pelo poema «Testamento» do Taras Shevchenko

A estudante russa de 19 anos, Daria Kozyreva, foi condenada a 2 anos e 8 meses de prisão por ter colado um pedaço de papel com o poema «Testamento» no monumento de poeta ucraniano Taras Shevchenko em São Petersburgo.
Polícia russa primeiro tapou a folha com o texto do poema
e depois retirou as flores, atirando as ao lixo 

Foi um ato de humanismo liberal sem precedentes na rússia de hoje, o juiz do Tribunal Distrital de Petrogradsky de São Petersburgo condenou Daria Kozyreva à 2 anos e 8 meses de prisão por “desacreditar” o exército russo (Parte 1 do Artigo 280.3 do Código Penal russo), embora o Ministério Público russo exigiu 6 anos de prisão pelo ato da Daria em homenagem ao Shevchenko.

Em dezembro de 2022, Kozyreva, ainda estudante liceal, foi presa por escrever as palavras «Assassinos, vocês a bombardearam. Judas» na instalação «Dois Corações», colocada em São Petersburgo em homenagem russa à tomada da cidade ucraniana de Mariupol, informa BBC.

Testamento, poema do Taras Shevchenko (1814-1861)

Quando eu morrer, me enterrem

Na minha amada Ucrânia,

Meu túmulo ficará sobre um monte elevado grave

Em meio à planície se espalhando,

Assim como os campos, as estepes sem limites,

A margem que mergulha do Dnipro.

Meus olhos já podem ver, meus ouvidos ouvem

O rugido poderoso do rio.

 

Quando da Ucrânia

lançado será ao mar azul profundo

o sangue dos inimigos

Então, eu vou deixar

Esses montes e campos férteis

e voar para longe

Para a morada de Deus,

E então eu irei rezar.

Mas até esse dia

Eu nada saberei de Deus.

 

Depois de me enterrar, levantem-se

E rasguem as grilhetas que nos prenderam,

lancem na água o sangue dos tiranos

e comemorem a liberdade

que conquistarão.

E na grande família nova,

A família do livre, do Justo e do Fraterno,

Com fala mansa, e palavras amáveis,

Lembrem-se também de mim.

Tradução livre por Jaime Leitão (com algumas correções do nosso blogue)

O Código Penal russo, por enquanto, não chegou às leis da monarquia russa, que simplesmente proibiam o uso da língua ucraniana em literatura, jornalismo e mesmo na música (a circular secreta Valuev, emitida em 30 de julho de 1863 ordenava a suspensão da publicação de grande parte dos livros escritos em língua ucraniana em toda a extensão do império russo). No entanto, o poder russo persegue, judicialmente, quaisquer atos públicos, em solidariedade para com Ucrânia. O simples ato de colocação de flores aos monumentos, poucos, de poetas ou escritores ucranianos, pode levar, e leva, às condenações judiciais, com termos de prisão real. O que aconteceu com a jovem Daria, que passará efetivamente 1 ano e 3 meses na cadeia (Daria já passou algum tempo presa preventivamente, este tempo será contado à razão de 1 dia da prisão preventiva equivale aos 1,5 dias efetivos), por ter colado um pedaço de papel com um poema ucraniano. 

Busto do Taras Shevchenko em Borodyanka, na região de Kyiv,
metralhado pelo exército russo durante a ocupação da região em 2022

É de recordar, que em março de 1847, a polícia secreta russa, desmantelou a «Irmandade de Cirilo e Metódio», uma organização política secreta anti-esclavagista. A Irmandade baseava-se nas ideias cristãs e pan-eslavas e tinha como objetivo liberalizar a vida política e cultural no império russo dentro da estrutura de uma união pan-eslava de povos. 

Embora a investigação não tenha conseguido provar o envolvimento de Taras Shevchenko nas actividades da Irmandada, ele foi considerado culpado “das suas próprias acções individuais”. O relatório do chefe da Terceira Secção (departamento de gendarmaria), Alexey Orlov, declarou: 

«Shevchenko… compôs poemas em pequena língua russa do mais escandaloso conteúdo. Neles, por vezes expressava lamentações sobre a escravatura imaginária e os infortúnios da Ucrânia, por vezes proclamava a glória do governo do Hetman e a antiga liberdade dos cossacos e, por vezes, com uma insolência incrível, despejava calúnias e bílis sobre pessoas da casa imperial. [...] Shevchenko adquiriu a reputação de um importante escritor da pequena língua russa entre os seus amigos e, por isso, os seus poemas são duplamente prejudiciais e perigosos. Com os adorados poemas da pequena rússia, pensamentos sobre a felicidade imaginária dos tempos do Hetmanato, poderiam ser semeados e, posteriormente, criar raízes, sobre a felicidade de regressar a esses tempos e sobre a possibilidade de a Ucrânia existir como um estado separado». 

O caso das atividades de Taras Shevchenko foi conduzido pessoalmente por Alexey Orlov, que relatou ao czar russo Nicolau I que Shevchenko não era apenas um revolucionário que pedia o derrube da autocracia, mas também insultava os czares russos. Shevchenko fez uma caracterização condenatória de Nicolau I: “czar-sargento-mor”, “criador do mal”, “feroz Nero”, “czar sem Deus”, “cruel perseguidor da verdade”. 

Por decisão da Terceira Secção, aprovada pessoalmente por Nicolau I, a 30 de maio de 1847, Taras Shevchenko, de 33 anos, foi destacado para o serviço militar como soldado raso no Corpo Separado de Orenburg “sob a mais estrita supervisão das autoridades”, com proibição de escrever e desenhar. 

A história russa realmente está totalmente cíclica, das proibições de língua ucraniana do século XIX estamos à chegar à proibição das homenagens aos ucranianos notáveis, em pleno século XXI.

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