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Polícia russa primeiro tapou a folha com o texto do poema e depois retirou as flores, atirando as ao lixo |
Em dezembro de 2022, Kozyreva, ainda estudante liceal, foi presa por escrever as palavras «Assassinos, vocês a bombardearam. Judas» na instalação «Dois Corações», colocada em São Petersburgo em homenagem russa à tomada da cidade ucraniana de Mariupol, informa BBC.
Testamento, poema do Taras Shevchenko (1814-1861)
Quando eu morrer, me enterrem
Na minha amada Ucrânia,
Meu túmulo ficará sobre um monte elevado grave
Em meio à planície se espalhando,
Assim como os campos, as estepes sem limites,
A margem que mergulha do Dnipro.
Meus olhos já podem ver, meus ouvidos ouvem
O rugido poderoso do rio.
Quando da Ucrânia
lançado será ao mar azul profundo
o sangue dos inimigos
Então, eu vou deixar
Esses montes e campos férteis
e voar para longe
Para a morada de Deus,
E então eu irei rezar.
Mas até esse dia
Eu nada saberei de Deus.
Depois de me enterrar, levantem-se
E rasguem as grilhetas que nos prenderam,
lancem na água o sangue dos tiranos
e comemorem a liberdade
que conquistarão.
E na grande família nova,
A família do livre, do Justo e do Fraterno,
Com fala mansa, e palavras amáveis,
Lembrem-se também de mim.
Tradução livre por Jaime Leitão (com algumas correções do nosso blogue)
O Código Penal russo, por enquanto, não chegou às leis da monarquia russa, que simplesmente proibiam o uso da língua ucraniana em literatura, jornalismo e mesmo na música (a circular secreta Valuev, emitida em 30 de julho de 1863 ordenava a suspensão da publicação de grande parte dos livros escritos em língua ucraniana em toda a extensão do império russo). No entanto, o poder russo persegue, judicialmente, quaisquer atos públicos, em solidariedade para com Ucrânia. O simples ato de colocação de flores aos monumentos, poucos, de poetas ou escritores ucranianos, pode levar, e leva, às condenações judiciais, com termos de prisão real. O que aconteceu com a jovem Daria, que passará efetivamente 1 ano e 3 meses na cadeia (Daria já passou algum tempo presa preventivamente, este tempo será contado à razão de 1 dia da prisão preventiva equivale aos 1,5 dias efetivos), por ter colado um pedaço de papel com um poema ucraniano.
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Busto do Taras Shevchenko em Borodyanka, na região de Kyiv, metralhado pelo exército russo durante a ocupação da região em 2022 |
É de recordar, que em março de 1847, a polícia secreta russa, desmantelou a «Irmandade de Cirilo e Metódio», uma organização política secreta anti-esclavagista. A Irmandade baseava-se nas ideias cristãs e pan-eslavas e tinha como objetivo liberalizar a vida política e cultural no império russo dentro da estrutura de uma união pan-eslava de povos.
Embora a investigação não tenha conseguido provar o envolvimento de Taras Shevchenko nas actividades da Irmandada, ele foi considerado culpado “das suas próprias acções individuais”. O relatório do chefe da Terceira Secção (departamento de gendarmaria), Alexey Orlov, declarou:
«Shevchenko… compôs poemas em pequena língua russa do mais escandaloso conteúdo. Neles, por vezes expressava lamentações sobre a escravatura imaginária e os infortúnios da Ucrânia, por vezes proclamava a glória do governo do Hetman e a antiga liberdade dos cossacos e, por vezes, com uma insolência incrível, despejava calúnias e bílis sobre pessoas da casa imperial. [...] Shevchenko adquiriu a reputação de um importante escritor da pequena língua russa entre os seus amigos e, por isso, os seus poemas são duplamente prejudiciais e perigosos. Com os adorados poemas da pequena rússia, pensamentos sobre a felicidade imaginária dos tempos do Hetmanato, poderiam ser semeados e, posteriormente, criar raízes, sobre a felicidade de regressar a esses tempos e sobre a possibilidade de a Ucrânia existir como um estado separado».
O caso das atividades de Taras Shevchenko foi conduzido pessoalmente por Alexey Orlov, que relatou ao czar russo Nicolau I que Shevchenko não era apenas um revolucionário que pedia o derrube da autocracia, mas também insultava os czares russos. Shevchenko fez uma caracterização condenatória de Nicolau I: “czar-sargento-mor”, “criador do mal”, “feroz Nero”, “czar sem Deus”, “cruel perseguidor da verdade”.
Por decisão da Terceira Secção, aprovada pessoalmente por Nicolau I, a 30 de maio de 1847, Taras Shevchenko, de 33 anos, foi destacado para o serviço militar como soldado raso no Corpo Separado de Orenburg “sob a mais estrita supervisão das autoridades”, com proibição de escrever e desenhar.
A história russa realmente está totalmente cíclica, das proibições de língua ucraniana do século XIX estamos à chegar à proibição das homenagens aos ucranianos notáveis, em pleno século XXI.
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