«Nós
fomos, e então eu vi todo aquele horror... Blokhin colocou as suas
roupas especiais: um boné de cabedal castanho, um longo avental de cabedal
castanho, luvas de cabedal castanho acima dos cotovelos. Em mim isso fez uma
enorme impressão – eu vi um carrasco!” (dos depoimentos do chefe da Direção do NKVD
na região de Kalinin, Dmitri
Tokarev).
Perto
da cidade russa de Tver existe
uma saída da auto-estrada federal à uma estrada local que leva a cidade de Likhoslavl, passando pela localidade
de Mednoe, que se estendeu livremente nas ambas as margens do rio Tverets. Existe
uma placa de trânsito de cor azul que assinala a cidade – Mednoe. E mais nada. Antigamente
havia uma outra placa: “Mednoe. Complexo Memorial”, mas alguns anos atrás foi
removida da autro-estrada federal. Fora da vista. Pois então, que Deus nos livre, estará
de passagem, o chefe principal do Kremlin, indo para o seu local de origem, no burgo de São Pedro, irá reparar na tal placa e ficará entristecido. Para que
estragar a disposição à um homem bom? Afinal, se o tal chefe chegasse ao poder uns
vinte e cinco anos mais cedo, nem existiria a placa indicadora, nem,
provavelmente, o próprio complexo memorial.
Pois
existe Katyn, e parem sobre isso, tipo fecharemos o tema. Não foram eficientes,
não esconderam tudo bem direitinho em Katyn. Os alemães maldosos desenterraram
as valas comuns de mais de quatro mil pessoas em 1943, denunciaram à todo o
mundo, quase nos levavam consigo juntos, ao banco dos réus em Nuremberga. Mas, deram
de frouxos então os aliados. Deixaram tudo em águas de bacalhau. E os
soviéticos eram capazes de mentir muitíssimo melhor do que a atuais televisões
russas sobre os absurdos dos meninos crucificados. Tipo, foram os nazis que os
assassinaram e final feliz. Pois as balas nas nucas eram alemãs.
O
mito sobreviveria até o seu esquecimento na era Putin, se não fosse a consciência
do Gorbachev que sofresse dos remorsos pós-comunistas e do Yeltsin, atormentado
pela ressaca democrática crónica, não abrissem os arquivos e não revelassem o
crime estalinista terrível, um crime contra a humanidade, ou seja, o
assassinato brutal de pouco menos de 22.000 militares e policiais polacos, bem
como vários administradores municipais, que sem lutar se renderam ao Exército Vermelho
ou foram presos pelo NKVD na parte da Polónia ocupada pelos soviéticos em 1939
(a segunda metade, de acordo com o secreto Pacto Molotov – Ribbentrop, em
combates, abocanhou a Alemanha de Hitler).
Mas
em Katyn assassinaram e enterraram os 4.421 dos 21.857 mártires. Onde estão os outros? Mais de 6.300 estão sepultados em Mednoe. Mais alguns milhares foram fuzilados nas
cadeias de Ucrânia e Belarus Ocidental, a localização destas sepulturas comuns até
hoje não está totalmente esclarecida.
Significa
que o maior “cemitério” da elite militar polaca, exterminada pelo Estaline está localizado em Mednoe. Mais tarde, os polacos
colocaram na tranquila floresta de pinheiros um enorme memorial em forma de
Muro de Lamentações, feito de cobre com o nome de cada vítima, gravado nele. E
em seu torno, como no desfile militar, colocaram as placas de cobre, em forma
do quadrado de infantaria, com o nome, data de nascimento e ano da morte de
cada um dos aqui deitados sob uma espessa camada de areia branca. Todos são homens
de todas as idades, mas o ano de sua morte é único – 1940. Foram fuzilados, uns
em abril, outros em maio do mesmo ano. Os assassinavam quase um mês e meio. Entre
cem e quatro centenas de pessoas por dia. As pistolas do pelotão de fuzilamento
aqueciam e encravavam, mas eles matavam e matavam. A esteira da morte funcionava sem paragens.
Todos
os seis mil e trezentos e onze prisioneiros eram mantidos em um convento antigo
e novamente em funcionamento (Nilostolobenskaja
Pustyn) nas margens do pitoresco lago Seliger. Lá os prisioneiros passaram
o outono, inverno e a primavera antes da sua morte. Depois os começaram “enviar
para casa”. Em grupos de 100-400 pessoas por dia. Os restantes companheiros se
alegraram, escreviam e entregavam aos companheiros as cartas aos parentes,
todos os dias, com cada vez maior entusiasmo esperavam a sua própria viagem à
Pátria.
A
viagem de cada um destes grupos terminava numa cave húmida do departamento de
NKVD de Tver, onde cada um destes viajantes levava uma bala na nuca. Nas mesmas
noites, os camiões cobertos transportavam os corpos até a aldeia de férias dos
funcionários do NKVD (!), perto de Mednoe, onde na floresta já eram preparadas
as valas profundas. Na manhã o enterro estava terminado. Os coveiros poderiam
descansar por algumas horas, antes de um novo turno noturno. E assim todos os
dias. Sem os fins-de-semana.
Quando
o mistério foi descoberto, em 1991 os polacos, juntamente com os voluntários ativistas
russos de direitos humanos começaram a desenterrar os corpos para
identificá-los um por um. Quase todos os corpos preservavam as suas roupas e
sapatos, e até os documentos pessoais e cartas. Os médicos legistas presentes
nas escavações acabaram por decidir encerrar o processo, pois, devido às
propriedades do enterro na areia seca, apesar dos anos que se passaram, os
restos mortais não ficaram totalmente decompostos e representavam um perigo
grave para a saúde dos voluntários presentes na escavação.
A
parte polaca parou as escavações e decidiu enterrar os corpos encontrados, naquele
mesmo local e com a permissão das autoridades russas, transformar a vala comum
em um cemitério memorial, o que foi feito. Além da estela gigante com um sino e
uma enorme praça das lápides que cerca a área no local de cada vala comum,
entre os enormes pinheiros estavam as cruzes católicos de cobre, do tamanho
destes mesmos pinheiros.
Neste
lugar o silêncio é sempre mais sonoro, daqueles que ocorrem na natureza, zumbindo
nos ouvidos, como se fosse o gemido de milhares de vítimas do genocídio de Estaline,
enterrados na areia.
Cada
vez, no caminho às férias na Finlândia, eu paro por uma hora neste local, oiço o
silêncio dos pinheiros, cruzes, areia e relva, sino e a parede de cobre... E nunca,
durante mais de 20 anos encontrei aqui algum visitante. Parece que entras numa secreta
rachadura do tempo. E, sim, na estreita estrada para Likhoslavl, junto ao
desvio para o cemitério ainda está de pé a placa cinzenta simplória “Mednoe. Complexo
Memorial”, com uma modesta, perdida no fundo geral, seta em baixo.
Modestamente. Quase invisível. E uns quinhentos metros antes da entrada do
cemitério o caminho é barrado com um portão de ferro com o sinal de “beco sem
saída”. Depois é só à pé. Sem as placas...
"Mednoe. Complexo Memorial" |
Se
é impossível esconder o crime que escapou ao veredicto do tribunal
internacional, sem qualquer penalização, pode silenciá-lo, pode esquecê-lo, não
se lembrar. Como se não existisse. Pois não há nenhuma placa. Então não há para
onde ir. Os polacos (parentes e funcionários) conhecem o caminho e vêm às vezes,
uma vez por ano. E os russos, para que precisam de saber disso? Para que incomodar
a sua consciência, incapaz de se tornar forte? De repente, essa tal consciência
despertará miraculosamente, e eles deixarão de votar anos sem fim nos
comunistas, NKVDistas, obscurantistas e reacionários ... votar na guerra. E depois então?
Este
crime terrível, assassinato em massa, assim como milhares de outras atrocidades
semelhantes e assassinatos em massa do regime comunista permaneceu sem uma
sentença ou punição, sem o nosso próprio Nuremberga russo.
Embora
a União Soviética quase ficou em apuros quando o seu representante em Nuremberga,
propôs a inclusão de massacre de Katyn na lista de crimes dos alemães. Mas as
provas acabaram por se revelar falsas. O caso ficou esquecido até 1951, quando
a Comissão Congresso dos Estados Unidos conduziu a sua investigação e acusou a
parte soviética. Em princípio, todos os aliados ocidentais sabiam desde o
começo quem fuzilou os oficiais polacos, mas o assunto ficou abafado.
Depois
começou a Guerra Fria, e os polacos foram esquecidos. Mas se houvesse, em tempo
útil, um verdadeiro tribunal internacional sobre o caso, então, quem sabe, não
haveria guerras na Chechénia, Karabakh, Transnístria, Geórgia, Ucrânia. Não
haveria dezenas de assassinatos de jornalistas e políticos, atentados, ataques
terroristas, fraude eleitoral, brigas com o mundo, as sanções de vergonha, o
medo e desprezo mundial... Ou mesmo assim haveria? O destino da Rússia é mesmo
assim? A sua maneira especial russa?
Em
qualquer caso, não seria mau colocar a placa na auto-estrada M-10. Ou já não faz
sentido? Depois de tudo que passamos... e antes de tudo que ainda iremos de
passar...
Assim,
com Mednoe e Katyn passamos. Será que com “Buk” em Snezhnoe ELES terão a mesma
“sorte”? Nesta semana os investigadores internacionais finalmente colocaram uma
placa para um novo processo de Nuremberga. Passaremos ao BECO desta vez? (Texto e fotos @Sergei Loiko).
P.S.:
Os nomes de todos os criminosos são conhecidos, sobre alguns carrascos vocês
podem ler AQUI.
Segundo alguns cálculos, durante os anos de serviço no NKVD, Vasili Blokhin, fuzilou
pessoalmente entre 10.000 à 15.000 pessoas.
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