A guarnição
ucraniana, cercada no aeroporto, suporta baixas pesadas. Blindados, enviados
pelas forças armadas para evacuar os mortos e feridos, com muitas dificuldades rompem
a barreira do fogo pesado dos separatistas, e das unidades regulares do
exército russo, enviadas pelo Moscovo ao seu reforço.
Enquanto
isso, dois pára-quedistas do grupo que defende o aeroporto, se voluntariam para
recolher os restos mortais do membro da tripulação do blindado ucraniano, destruído
e queimado, para embalá-los numa caixa e enviá-los à base, e de lá ao enterro em
casa, quando e se aparecer o transporte, que eles chamam no seu jargão militar
de “gaivota”.
@Sergei Loiko Todos os direitos
reservados
Tradução
portuguesa @Ucrânia em África
Ainda são
muitos os tolos que ficam felizes com o canto bravo dos soldados.
Bulat Okudzhava «Oh, a
guerra, ainda se arrastará durante anos»
18 de janeiro de
2015. Aeroporto de Krasnokamyanka
Quando estão descarregar tudo que é necessário, e tentam
acomodar os feridos dentro do blindado ligeiro MTLB, Tritão e Professor correm
pela pista de aterragem, saltando por cima de obstáculos e, instintivamente, se
esquivando das balas – eles não posseum tantas vidas extra como num jogo de computador.
– Pare! É por aqui!
– grita Professor, e eles congelam,
agachados atrás do esqueleto carbonizado do blindado T-64, recuperando o
fôlego.
– Lá está ele, o
gajo do tanque! Como se estivesse vivo! – Professor aponta na direção dos escuros
pedaços carbonizados de carne humana, dos quais se destaca um espesso osso
amarelo quebrado.
Tritão coloca no chão a caixa de madeira dos RPG-26[1], a abre. Professor, usando as luvas de pano pega a coxa do
homem do blindado, a atira na caixa. Eles fecham a caixa, pegam as laterais alças
de ferro e em “um-dois-três” correm de volta.
A bala atravessa o antebraço esquerdo do Professor. Ele deixa cair a caixa sobre
o concreto da pista, gemendo e praguejando.
Tritão rasteja até
ele.
– Mishka, como estás? Onde
é que levaste?
– Na esquerda! Ah-a-a-a-a!
Car.lho! Teremos que mudas as mãos.
Mykhaylo se levanta. Eles, se agachando, pegam a caixa, e
agora mudam dos lados, e correm novamente. A manga esquerda do Mikhaylo é preta
de sangue. Ele, como um radiador perfurado deixa na pista de aterragem a pontilhada
pegada molhada e escura.
Chegando ao carro, deixam cair a caixa. Mishka cai por perto,
de face para cima. Respire alto, gemendo. Tritão se agacha sobre ele.
– Deixe me ver.
– Depois, Tritão!
Amarre o gajo do tanque, ou vou morrer em vão!
Tritão procura por um quadro livre, movendo em direções
diversas as mãos e os pés dos mortos, encontra com dificuldade, levanta a caixa
com muito esforço e a amarra com o arrame preparado antecipadamente.
Agora, o homem
do blindado voltará para casa, para junto à sua mãe, ou à esposa, ou à quem mais
deverá ir um pedaço de perna de um soldado morto.
Professor se levanta para ajudar, e leva com a bala
perdida no templo, diretamente abaixo do capacete. Está morto.
– Mishka! Mishka! – grita
Tritão, tentando um feitiço impossível.
Chama pelo Sergeich.
Sergeich vem correndo, tira o capacete, abana a cabeça. Mishka-Professor morreu, salvando a perna do homem
morto do blindado.
Neste momento Stepan-Bander
percebe que todos os feridos já não cabem no MTLB. Percebe também que este
pode ser o último “gaivota” ao “continente”.
Ele conta os que ficaram de fora. Mais seis! O tiroteio
em ambos os lados não cessa.
– Então, homens!
Esta é a vossa última chance de ficarem vivos. Vão na blindagem! Se deitem ordenadamente.
Sashko, traz do armazém os coletes prova de bala dos que morreram! Coloquem um
colete adicional nas pernas, desde a cintura! Segurem bem o quadro! Vão, como
se fosse num carro funerário. Retirem os mortos dos sacos, para ser melhor visível
o que estamos à levar.
Os soldados, feridos e sãos, desamarram os sacos do
quadro, puxam os mortos e os novamente amarram, de qualquer maneira, ao quadro
e uns aos outros. Tritão chora, amarrando Mishka. Sangue quente escorrega pelo rosto
do Mishka, pelos seus olhos abertos congelados, até aos braços do Tritão.
Tritão cai de joelhos, arranca o seu
capacete, com a força o atira no betão, arranca a espingarda automática, dá um
fortíssimo trombo no capacete, vira a cabeça para trás e grita, rasgando a voz:
– A guerra f.dida!!! Odeio!!! Odeio, car.lho! Odeio!!!!
Ele está histérico. Na guerra
pode acontecer à qualquer um à qualquer momento. O ciborgue possui apenas uma
vida, e não tem uma cabeça extra.
Sergeich, com uma mão abraça Tritão, que continua histérico, com outra coloca nele o capacete e
traz lhe aos lábios o cantil com álcool, depois, ele próprio, faz um gole rápido
e enxuga os seus olhos molhados com o dorso da mão.
Mecan está ao seu lado, bebe ansiosamente o café quente da
caneca metálica. É a água da ração de emergência do Bander, para não adormecer no caminho de volta (água não chegou, ficou
no blindado BMP queimado). A face está preta. Olhos – até é difícil dizer de
que tipo. Não humanos.
– Cossaco, me chama o quinquagésimo dos russos
na frequência deles. Vamos negociar a trégua. Não há outra saída.
Bander quer
falar diretamente com o comandante da brigada de pára-quedistas russos de Prstov
que se entrincheirou no perímetro, ataca o transporte e apoia com fogo os ataques
esporádicos dos separatistas e chechenos.
Poucos minutos depois, o vice-comandante,
um rapaz robusto com um topete e nome da guerra Cossaco, informa que não há ligação.
– Então... Entendi, já mudaram a frequência ... Aybolit, pare de disparar, dispa o casaco. Vamos fazer a ambulância.
Nas costas do casaco do doutor Sergeich está desenhado um
grande circulo branco com uma cruz vermelha no meio. Bander corta o casaco do Sergeich, o amara com a fita-cola amarela (amigo–inimigo)
ao torto, mas longo pedaço do caixilho de ferro da janela. Não é uma haste? Mete
toda essa obra num buraco na torre de metralhadora. Um dos feridos, que está deitado
na blindagem, terá que a segurar...
Todos conseguiram se acomodar. Os vivos, deitados na
blindagem, se fingem serem mortos, entre os cadáveres de verdade.
A última instrução dada ao condutor-mecânico Semenych.
– Olhe,
Semenych, sem nenhuns empurrões. Flutuas lentamente, na primeira velocidade. O
dia já está claro. Eles devem conseguir ver o tipo de viatura que temos, isso é,
se não repararem na bandeira. Se dás um salto, vão vós queimar! E à ti,
juntamente com todos! Me percebeste, herói?
– Entendi. De trote leve, como se for numa parada.
Mecan desaparece na escotilha. A viatura dá um salto
inicial, de modo que alguns dos feridos quase voam ao chão. Os restantes
acompanham com olhares a maquina mais incrível que viram até agora.
O blindado MTLB, carregado com armadura movediça dos
vivos e dos mortos, lentamente rasteja na direção de nevoeiro que desaparece rapidamente.
Em que pensa cada um dos feridos na blindagem, agarrados
ao metal frio da máquina ou à carne fria de mortos? Assusta só de imaginar o
que eles têm na sua mente, que orações sussurram os lábios.
O nevoeiro se dissipa completamente quando eles saem por
detrás da segunda manga do embarque à pista de aterragem. A bandeira com a cruz
vermelha está segurada do lado correto. O tiroteio cessa.
– Vigésimo,
vigésimo! Que car.lho se passa? Por que o objeto não foi trabalhado? Me
informaram do movimento! – O coronel Sivko, comandante da brigada
aerotransportada de assalto de Prstov, nascido na cidade ucraniana de Kherson, chama
o comandante do batalhão.
– Camarada quinquagésimo,
veja você mesmo. O objeto já está na zona da vossa visibilidade. Eles ainda têm
uns quinhentos metros para andar. Aguardo pela ordem, – viola o estatuto militar
o comandante do batalhão, major Ikonnikov. A ordem foi lhe dada há muito. Uma
ordem bastante clara. Alvejar tudo o que se move ou não, pela pista, na direção
ao aeroporto e de volta.
O coronel sobe ao parapeito do posto de controlo, leva os
binóculos ao observador, ajusta a nitidez, baixa os binóculos:
– Mas que f.da?
Nunca antes tinha encontrado o equipamento militar deste
tipo.
– Vigésimo, vigésimo! Não trabalhar o alvo. Um ou dois tiros de advertência
ao ar, para que saibam que estamos aqui. Executar! – Sivko baixa o rádio, sai fora,
entra no “GAS-2330-Tigre” e diz ao motorista apenas três palavras: – Para a cidade,
car.lho!
Enquanto o carro salta nos buracos da linha de frente,
levantando as ondas de lama e rosnando, o coronel tira do bolso do assento à
sua frente o cantil precioso e sem pestanejar, faz um par de goles.
– A guerra f.dida. Maldita seja! Odeio!
*
* *
Nikolai
Sivko, herói da Rússia, não gostava da guerra. Aos seus 45 anos ele deixou
atrás das costas várias guerras, uma pior e mais maldita que outra. Sem nenhum
outro trabalho na manga, ele fazia este, de forma absolutamente profissional.
Mas essa guerra, como aqui, ele não poderia imaginar. Sim, a artilharia trabalhava
como sempre, os soldados e oficiais executavam as suas ordens, se entrincheiravam,
saiam aos reconhecimentos, atacavam, matavam, morriam. E um copo de vodca, numa
tenda húmida à noite, habitualmente não entrava na garganta. Mas aqui, nesta guerra
má (o epíteto mais suave nas conversas de todos os oficiais que ele conhecia),
tudo foi diferente, desde o início.
* *
*
Numa tarde
quente de julho, nos arredores de Saur-Mohyla, onde os pára-quedistas
ucranianos, pelo quarto dia consecutivo conduziam os combates prolongados de infantaria,
mal retendo as forças superiores das tropas russas que de repente cruzaram a
fronteira, o coronel Savinykh, o comandante da brigada aerotransportada de
assalto das Forças Armadas da Ucrânia se preparava para enviar um grupo das
forças especiais, para encontrar e recolher à base um ferido e um morto – os seus
homens, batedores que caíram naquela manha numa emboscada. Esperava quando artilharia
russa cessar o seu trabalho. Eles, já por uma hora alvejavam a sua posição,
directamente do território russo. Na sua maioria, sistemas “Grad” e canhões de longo
alcance de 152 mm. Foi estritamente proibido responder à artilharia russa.
– Você o que, Savinykh, ficou f.dido?! Assim será uma
guerra! Guerra, f.da, não é c.ralho canino! Você entende isso, coronel, com a sua
cabeça idiota? – gritava ao telefone, o general, de modo que a poeira caia do
teto cimentado da blindagem. – Estamos na Operação Antiterrorista, Savinykh! Entende,
OAT, que se f.da a sua mãezinha! Repito pela última vez, especialmente, para os
mais inventivos, car.lho! OAT f.dida! E mais nada, car.lho! Como me percebeu,
coronel?
O coronel percebeu
que desta maneira da sua brigada ficará apenas um lugar vazio. Mas tinha que
combater, OAT, ou p.ta que a pariu.
Assim que artilharia
russa cessou o trabalho, tocou o seu telefone celular.
“Esposa! Consegui a
ligação. Mas que gaja teimosa ...”
– Ola, Sasha. Como estas? – a “gaja teimosa” falou com uma
voz rouca, algo familiar, masculina, definitivamente de um fumador.
– Quem é?
– Não chore, não se
preocupe! As lágrimas não verte em vão! Melhor me beija, quando voltarmos dos treinos...
– uma voz baixa cantou em resposta um verso memorável da canção do seu pelotão de
formação na escola militar de Ryazan.
– Estou, sim! Quem é? Quem é você? – A voz do Sasha de repente
cedeu.
– Sasha, car.lho, é Kolyan, o teu irmão das armas! Esqueceste
como nós, em Ryazan, fazíamos cenas na escola preparatória? Como no f.dido túnel
de Salang, morríamos sufocados, cuspíamos sangue, car.lho, como você me tirou de
lá? Sasha, sou eu, Kolya!
– Kolka! Kolyan! Vivo! Como você está? Cem anos, car.lho!
Como você me encontrou? P.rra, não posso acreditar! Kolya – irmão! Onde você está?
– Sasha, me ouça atentamente agora. Eu estou aqui, Sasha,
aqui. Na sua frente. Tenho os seus, morto e ferido! Temos que falar. A
destruída estação de água, na zona neutra. Dezasseis zero-zero. Sozinho. Desarmado. Fim de emissão.
Sasha passou
estas três horas, sentado, congelado, sem se levantar, sem dando as ordens. Na
cabeça lhe passou toda a sua vida. Sabe-se lá porque, especialmente se lembrava
como corriam, numa companhia inteira pela picada florestal de areia branca,
perto de Konstantinovo, pátria do Yesenin; como se atiravam de cabeça da margem
íngreme, se despindo e descalçando, jogando fora as botas, calças, matando toda
a vida em seu redor com o fortíssimo fedor dos panos que substituíam as meias, as
armas mais letais de destruição em massa no mundo. Como saltavam aos gritos,
risos e palavrões ao rio fresco, absolutamente azul... Como todos nadavam juntos,
mas logo voltaram atrás, e apenas Kolyan nadou até a outra margem e se deitou
exausto, sobre a areia quente...
E agora eles
novamente, são divididos por um rio. Só que agora não é Oka absolutamente azul,
mas o rio da morte, onde estão eles nas suas margens... Um contra outro.
Continua...
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1 comentário:
Realidade terrível!
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