quinta-feira, setembro 11, 2014

Traídos: as perdas militares russas na Ucrânia

As perdas do exército russo na Ucrânia totalizam cerca de 2 mil pessoas mortas e 8.000 feridos, pertencentes às 18 unidades diferentes e provenientes das 10 regiões russas, informa o porta-voz do Centro de Informações do Conselho Nacional da Defesa e Segurança da Ucrânia, tenente-coronel Andriy Lysenko. As forças da OAT continuam a registar os factos da presença militar russa na Ucrânia, escreve Newsru.ua

A guerra ilegal russa e as suas perdas militares até mereceram o destaque na edição da revista “Newsweek Europa”, que lhes dedicou o artigo intitulado: “Os soldados russos revelam a verdade por trás da guerra secreta de Putin” (Russian Soldiers Reveal the Truth Behind Putin's Secret War). Os trechos mais reveladores do artigo publicamos aqui.

por: Anna Nemtsova / 10 de setembro de 2014

A voz de Lyudmila Malinina tremeu quando ela descreveu o funeral secreto que ela testemunhou numa noite recente na sua pequena vila de Sudislavl na região de Kostroma da Rússia central. Por volta das 20h00, um camião estacionou no cemitério à poucos metros de sua casa. Os faróis do camião ficaram ligados para iluminar o terreno, onde vários homens cavaram a sepultura, “como se fossem os ladrões escondendo alguma coisa”, diz Lyudmila.

Mais vizinhos espreitaram fora de suas janelas e portas para assistir e discutir a estranha cena, perguntando por que alguém iria enterrar um o parente, à esta hora. Além disso, aquela parte do cemitério foi reservada aos mortos na guerra, como alguém reparou.

Enquanto a NATO se reuniu em cimeira para decidir o que fazer com a guerra na Ucrânia, e Vladimir Putin negociou um acordo de cessar-fogo com (as autoridades de) Kyiv, a sociedade russa se encolheu depois de relatórios sobre funerais secretos de soldados mortos na Ucrânia: filhos desaparecidos, chamadas de maridos, pedindo as suas esposas para salvá-los do campo de batalha; os corpos com membros amputados que chegam em caixões aos Nizhny Novgorod, Orenburg, Pskov, Murmansk, Daguestão e outras regiões da Rússia. O número de soldados russos mortos saltou para mais de 200 em poucos dias, entre 12 de agosto e 2 de setembro, em uma guerra que oficialmente, não está à acontecer.

As esposas do exército russo têm um termo especial para os soldados mortos que voltam para casa das linhas de frente em caixões de zinco: eles são chamados de “carga 200” – uma frase que ecoou como uma maldição para um ouvido russo desde os dias em que uma onda de caixões de zinco veio do Afeganistão durante a guerra soviética da década de 1980. O segredo em torno de “colocações” dos seus maridos foi “como uma armadilha criada por um esquizofrénico”, disse a esposa de um pára-quedista russo de Kostroma.

Um dos soldados sob contrato, que serviu na Ucrânia, descreveu “o agosto mais longo” de sua vida na frente, em uma entrevista por telefone ao Newsweek. Qual foi a pior parte? Amigos feridos, morrendo nos hospitais de Rostov; os homens de zinco, as “cargas 200” que estão sendo enviados para casa, e um alto risco de se tornar um. “Quando estávamos no comboio para Rostov, no mês passado, eu não fazia ideia do que estávamos indo para a Ucrânia; todos nós acreditamos que fomos levados à uma base para os exercícios de rotina habituais. Se eu soubesse que era para a guerra, eu teria ido de volta em Kostroma, pois tenho duas crianças pequenas em casa”, conta o pára-quedista do 331º regimento da 98ª Divisão aero-transportada da guarda.
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Quem foi o principal inimigo da Rússia? A resposta apareceu imediatamente pronta: “América”. Em poucos dias, na linha de frente sob fogo constante, o pára-quedista de Kostroma “secou até os ossos”, não por falta de alimentos, mas do medo constante da morte que nunca tinha experimentado antes, explica ele.

Mais cedo naquele dia, o seu regimento foi trazido de volta para a base na região de Rostov, para se lavar no banya, ou banho de vapor russo, e ter uma noite de sono sólido. Os soldados tiveram a sua primeira oportunidade para uma pausa de batalha, para um rápido bate-papo com as famílias, uma vez que cruzaram a fronteira com a Ucrânia em 18 de agosto. Então, para não ser identificados como forças regulares russas, os comandantes ordenaram que os pára-quedistas mudem aos fardamentos camuflados ocidentais do deserto, que as suas esposas tinham que lhes comprar, usando o seu próprio dinheiro.

Ninguém pediu aos militares para assinar quaisquer documentos adicionais, embora os contratos atuais não prevêem o seu uso no estrangeiro. “Eu nunca me ofereci para isso; mas todas as tentativas sair seriam inúteis – eles estão nos enviando de volta para o moedor de carne amanhã; se alguém me dissesse anteriormente a verdade, nenhum de nós teria se inscrito por 1.000 dólares mensais para ser frito vivo na Ucrânia”, diz oficial na casa dos trinta, que pediu que sua identidade seja ocultada. /.../

Enquanto os líderes russos estão presos às suas negações, as salas de bate-papo de telefonia móvel e fóruns de redes sociais encheram-se com imagens de artilharia e lançadores de mísseis Grad (russos), à serem lançados através da fronteira ucraniana. Usuários de Internet russos em todo o país assistiram vídeos de mães e esposas dos militares que cobrem as suas faces molhadas com as lágrimas com ambas as mãos, implorando Putin para libertar os seus entes queridos “em nome de Deus”, bem como as entrevistas em vídeo dos soldados (russos) capturados por forças ucranianas.


Cedo pela manhã, as esposas dos pára-quedistas se aglomeram na rua Nikitskaya, fora da Divisão aero-transportada, à espera de ouvir explicações mais oficiais sobre os seus maridos à “participarem em exercícios militares em Rostov”.

As mulheres falaram com os seus maridos ao telefone e sabem a verdade. “O meu filho me pediu para ir à igreja e acender uma vela pela sua sobrevivência, quando eles foram novamente enviados à Ucrânia", disse Veronika Tsiruyeva, uma das esposas aterrorizadas.
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A invasão da Ucrânia tem estado à acontecer em câmara lenta desde a Primavera. Na tarde do dia 16 abril, a milícia de aparência profissional, em uniformes verdes, cercou o perímetro do edifício (estatal) na Praça da Revolução de Outubro na Sloviansk, uma cidade no leste da Ucrânia. /.../ Alguns dias depois, os rebeldes ocuparam mais uma cidade ucraniana, Horlivka. /.../

Não demorou muito antes de o primeiro caminhão, com um grande número "200", escrito de maneira torta, se fez à caminho para a Rússia, já em 2 de junho, trazendo de volta 31 corpos de soldados “voluntários” russos, na maioria nos seus 30 – 40 anos. Em seguida, o pessoal da imprensa viu os médicos e rebeldes sussurrando sobre os caixões de madeira no pátio da morgue do Hospital Kirovsky em Donetsk: “Deixem-os recebê-los do outro lado e decidir para onde enviar o camião-refrigerador”, murmuraram, sem pistas sobre o destino final (da “carga-200”).

Nenhum canal estatal russo mencionou os 31 caixões vermelhos fazendo o seu caminho para casa através dos campos de girassol; levou dias para que as famílias dos “voluntários” romperem a parede de segredo e encontrarem os corpos congelados de seus homens.
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Enquanto isso, de volta à vila de Sudislavl, as notícias sobre o enterro secreto espalharam-se rapidamente, de porta à porta até que todo o bairro falou a verdade: “O homem morto na sepultura é Dmitry Kustov, um soldado alistado, servindo no exército desde o ano passado”, diz Lyudmila. Por algum motivo totalmente desconhecido à sua família, Dima acabou participando numa guerra em um país estrangeiro, na Ucrânia, no final de julho. “Ele não tinha vivido o suficiente”, dizem moradores sobre o soldado de 20 anos enterrado discretamente ao crepúsculo.

Fonte:
http://www.newsweek.com/2014/09/19/russian-soldiers-reveal-truth-behind-putins-secret-war-269227.html

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