No artigo publicado no semanário ucraniano “Dzerkalo Tyzhnia”, se conta a história de dois agentes secretos soviéticos na clandestinidade, ambos naturais de Kyiv (Ucrânia), major Boris Beym (“Fram”) e a sua esposa, agente do KGB, Olena/Yelena Beym (“Victoria”).
Segundo o jornal, eles eram proprietários do salão de beleza “Helena” algures em África, num país indicado no artigo como a “Naizânia” na cidade de “Daytown” (na realidade cidade de Nairobi em Quênia).
por: Oleksander Skrypnyk (serviço de imprensa do Serviço da Inteligência Externa da Ucrânia).
Os agentes secretos na clandestinidade são a nata dos serviços secretos de qualquer país. E como tal, são um tema quase tabu para a imprensa. As chefias do Serviço da Inteligência Externa da Ucrânia (SZRU) concordaram em revelar o nome de um dos seus companheiros ainda vivos, pela primeira vez na história da Ucrânia independente (também revelando que KGB e Moscovo apreciavam muito bem, todas as informações conseguidas pelo casal).
Boris Isakovich Beym nasceu em 1923 e faleceu em 2005, sobrevivendo dois ataques cardíacos. Ele entrou no serviço secreto soviético após a II G.M., terminando a guerra com o patente do 1º tenente dos blindados e sendo cavaleiro de duas medalhas de Estrela Vermelha. Na vida civil escolheu a faculdade de língua inglesa do Instituto Pedagógico de Kyiv. Entre 1959 e 1974 era agente ilegal soviético na Europa e em África.
A sua esposa Olena Braylovska (Elena, Helen) também nasceu em Kyiv em 1923, onde faleceu em 1992. Era uma jovem bonita e sociável, dominava bem o inglês, alemão e polaco, foi formada no Instituti Pedagógico de Kyiv, na faculdade de tradutores. No dia dos exames estatais, eles se casaram e apesar de serem naturais de Kyiv, foram enviados a trabalharem em Donetsk (através do sistema estatal de colocação dos recém–graduados). Primeiramente, eram professores de inglês no secundário, mais tarde, Boris se tornou o director da escola.
Na realidade, durante este tempo todo, as suas biografias eram verificadas a “pente fino”. Parecia que os futuros agentes secretos não eram muito “soviéticos”: pai da Olena, professor militar e general, pertencia a nobreza ucraniana, em 1937 foi fuzilado como “inimigo do povo”. O pai do Boris fez a parte do exército czarista, embora após 1917 passou para o lado dos bolcheviques. Na década de 1930, era o primeiro director do Supermercado Central de Kyiv, na rua Khreschatyk.
Mais tarde, Boris recebeu a proposta de trabalhar para a secreta soviética, sendo colocado no estrangeiro, junto com a sua esposa. Nada foi lhe dito sobre o tipo do trabalho futuro. Ele concordou. Em Moscovo os ensinaram as técnicas de vigilância, eles aprenderam como receber, enviar e decifrar os radiogramas, criar os esconderijos, o que fazer no caso de serem descobertos.
Salão de beleza “Helen” foi o melhor da cidade
Antes de se dirigir para o tal país africano, quatro anos eles viveram na Europa, primeiro na Polónia comunista e depois na Suíça (KGB preparava-se para os infiltrar em Israel), mudando de países e cidades, de propósito, deixando o rasto, para “validar” a sua “lenda”. Segundo esta, os pais do Boris emigraram da Europa para América Latina, onde este nasceu. Quando teve cinco anos, voltaram a Europa, onde morreram / desapareceram sem deixar o rasto durante a II G.M. (muito possivelmente no Holocausto).
Moscovo queria saber toda a informação sobre as orientações políticas da elite do país, os planos da política externa, orientação pró–EUA, pró–Grã-Bretanha ou pró–URSS dos seus dirigentes. Nikita Khrushov pretendia criar em Quénia o socialismo africano, isso iria custar muito dinheiro, como tal, Kremlin necessitava de receber a informação verídica e de forma regular. Disso era encarregue o casal Beym, que era conhecido pelos pseudónimos “Fram” e “Viktória”.
— Sr. Boris, porque “Fram”?
— Assim chamava-se o barco do Fridtjof Nansen (descobridor, diplomata e humanista norueguês).
O casal Beym veio para a África alegadamente como turistas, que mais tarde gostaram do país e decidiram abrir lá o seu negócio. Para o tal, eles trouxeram 10.000 USD, escondidos no fundo duplo de uma das malas.
Duas vezes por semana, eles recebiam os radiogramas do Moscovo, usando auscultadores, para que nem os vizinhos, nem os microfones possíveis pudessem detectar o barulho do código Morse. Mais tarde eles abriram o salão de beleza, Olena obteve o diploma de estética médica na Europa, ela já tinha alguma prática nesta área. Boris aprendeu as técnicas da massagem. Para que o salão tenha o sucesso entre a elite do país, eles importaram alguns equipamentos da Suíça.
— Sr. Boris, 10.000 dólares chegaram?
— Claro que não! – Tivemos que gastar o nosso próprio dinheiro. Na URSS eram acostumados economizar em tudo. Por exemplo, pedimos ao Moscovo os fundos para a compra de um carro, pois todos os europeus usavam os carros próprios, apenas a população local usava os transportes públicos. Moscovo em resposta solicitou o pedido formal devidamente justificado. Em resultado, mandaram o dinheiro para um carro pequenino. Mais tarde, quando o negócio começou dar o dinheiro, eu o passei para a esposa, comprei uma “Toyota” para mim.
No quintal da nossa residência existia um campo abandonado de ténis, nós o recuperamos e não ficamos decepcionados. Durante o fins-de-semana começaram aparecer lá os americanos, britânicos, italianos, outros diplomatas, que numa atmosfera informal, facilmente davam com a “língua fora”.
A secretária pessoal do presidente nos avisou: tenham cuidado com os agentes da contra – inteligência
Quanto o casal recebia os radiogramas, eles fechavam as janelas com as cortinas, Olena ponha auscultadores, Boris saia para o quintal para “apanhar o ar fresco”. Os códigos eram decifrados com as “chaves” individuais. Tudo que era necessário, era escondido dentro do lápis, escova de roupa, outros objectos domésticos. Peças para a preparação dos microfilmes eram escondidas na porta da geleira. Eles escreviam o texto, o fotografavam e diminuíam até o tamanho de um micro – ponto. Descoloriam, colocavam dentro de um postal, especialmente preparado para o efeito. Dormiam apenas após de destruir todas as provas que os poderiam incriminar. Saindo de casa, lembravam o local exacto onde ficavam os certos objectos, deixavam as marcas especiais que iriam denunciar a presença dos intrusos. Uma vez por mês e cada vez, após a reparação do seu carro, Boris verificava a presença dos possíveis microfones na viatura. O cuidado maior, o casal tinha quando visitavam os esconderijos: Boris ia verifica-los e a esposa analisava os arredores.
Muitas das vezes, ele levava consigo uma luva de cabedal grosso, pois em África, em cada oco das arvores, buracos, ravinas e outros locais do género havia perigo de encontrar uma cobra, arranha ou um outro bicho venenoso.
Outra regra de ouro de todos os agentes na clandestinidade, era mesmo estando sozinhos, sempre falar em inglês, nunca na sua língua materna. Embora sobre os assuntos operativos, eles falavam ou em lugares longínquos, ou escreviam as perguntas – respostas no papel, que era queimado depois.
Para sobreviver os dias mais pesados, fugir do estresse, uma vez por duas semanas, os Beym viajavam para o campo, apreciavam as paisagens e fotografavam os animais, possuindo uma grande coleção de fotos da natureza africana.
Numa certa ocasião, o seu salão foi visitado por uma senhora britânica. Mais tarde eles souberam que ela é a secretária pessoal do presidente do país, a sua conselheira da etiqueta e a babá dos seus filhos. Senhora vivia no território do palácio presidencial, tratava do conforto do lar presidencial, dirigia os banquetes. O presidente confiava nela, ela conhecia todos os segredos do país, facto aproveitado pelo nosso casal. A britânica teve algumas desavenças com o chefe da guarda presidencial, que a pretendia afastar. Os agentes criaram para ela no seu salão uma atmosfera da paz e sossego, onde senhora lhes contava os seus problemas, desabafava sobre as coisas rotineiras do dia a dia... Foi ela que lhes contou sobre os métodos do trabalho da contra – inteligência nacional, explicando como descobrir os seus agentes.
por: Oleksander Skrypnyk (serviço de imprensa do Serviço da Inteligência Externa da Ucrânia).
Os agentes secretos na clandestinidade são a nata dos serviços secretos de qualquer país. E como tal, são um tema quase tabu para a imprensa. As chefias do Serviço da Inteligência Externa da Ucrânia (SZRU) concordaram em revelar o nome de um dos seus companheiros ainda vivos, pela primeira vez na história da Ucrânia independente (também revelando que KGB e Moscovo apreciavam muito bem, todas as informações conseguidas pelo casal).
Boris Beym em 1967, foto tirada em Quénia |
Boris Beym numa das últimas fotos, 2004/05(?) |
Olena/Yelena Beym em 1967, foto tirada em Quénia |
Mais tarde, Boris recebeu a proposta de trabalhar para a secreta soviética, sendo colocado no estrangeiro, junto com a sua esposa. Nada foi lhe dito sobre o tipo do trabalho futuro. Ele concordou. Em Moscovo os ensinaram as técnicas de vigilância, eles aprenderam como receber, enviar e decifrar os radiogramas, criar os esconderijos, o que fazer no caso de serem descobertos.
Salão de beleza “Helen” foi o melhor da cidade
Antes de se dirigir para o tal país africano, quatro anos eles viveram na Europa, primeiro na Polónia comunista e depois na Suíça (KGB preparava-se para os infiltrar em Israel), mudando de países e cidades, de propósito, deixando o rasto, para “validar” a sua “lenda”. Segundo esta, os pais do Boris emigraram da Europa para América Latina, onde este nasceu. Quando teve cinco anos, voltaram a Europa, onde morreram / desapareceram sem deixar o rasto durante a II G.M. (muito possivelmente no Holocausto).
Moscovo queria saber toda a informação sobre as orientações políticas da elite do país, os planos da política externa, orientação pró–EUA, pró–Grã-Bretanha ou pró–URSS dos seus dirigentes. Nikita Khrushov pretendia criar em Quénia o socialismo africano, isso iria custar muito dinheiro, como tal, Kremlin necessitava de receber a informação verídica e de forma regular. Disso era encarregue o casal Beym, que era conhecido pelos pseudónimos “Fram” e “Viktória”.
— Sr. Boris, porque “Fram”?
— Assim chamava-se o barco do Fridtjof Nansen (descobridor, diplomata e humanista norueguês).
O casal Beym veio para a África alegadamente como turistas, que mais tarde gostaram do país e decidiram abrir lá o seu negócio. Para o tal, eles trouxeram 10.000 USD, escondidos no fundo duplo de uma das malas.
Duas vezes por semana, eles recebiam os radiogramas do Moscovo, usando auscultadores, para que nem os vizinhos, nem os microfones possíveis pudessem detectar o barulho do código Morse. Mais tarde eles abriram o salão de beleza, Olena obteve o diploma de estética médica na Europa, ela já tinha alguma prática nesta área. Boris aprendeu as técnicas da massagem. Para que o salão tenha o sucesso entre a elite do país, eles importaram alguns equipamentos da Suíça.
— Sr. Boris, 10.000 dólares chegaram?
— Claro que não! – Tivemos que gastar o nosso próprio dinheiro. Na URSS eram acostumados economizar em tudo. Por exemplo, pedimos ao Moscovo os fundos para a compra de um carro, pois todos os europeus usavam os carros próprios, apenas a população local usava os transportes públicos. Moscovo em resposta solicitou o pedido formal devidamente justificado. Em resultado, mandaram o dinheiro para um carro pequenino. Mais tarde, quando o negócio começou dar o dinheiro, eu o passei para a esposa, comprei uma “Toyota” para mim.
A casa dos Beyms em África |
A secretária pessoal do presidente nos avisou: tenham cuidado com os agentes da contra – inteligência
Quanto o casal recebia os radiogramas, eles fechavam as janelas com as cortinas, Olena ponha auscultadores, Boris saia para o quintal para “apanhar o ar fresco”. Os códigos eram decifrados com as “chaves” individuais. Tudo que era necessário, era escondido dentro do lápis, escova de roupa, outros objectos domésticos. Peças para a preparação dos microfilmes eram escondidas na porta da geleira. Eles escreviam o texto, o fotografavam e diminuíam até o tamanho de um micro – ponto. Descoloriam, colocavam dentro de um postal, especialmente preparado para o efeito. Dormiam apenas após de destruir todas as provas que os poderiam incriminar. Saindo de casa, lembravam o local exacto onde ficavam os certos objectos, deixavam as marcas especiais que iriam denunciar a presença dos intrusos. Uma vez por mês e cada vez, após a reparação do seu carro, Boris verificava a presença dos possíveis microfones na viatura. O cuidado maior, o casal tinha quando visitavam os esconderijos: Boris ia verifica-los e a esposa analisava os arredores.
Muitas das vezes, ele levava consigo uma luva de cabedal grosso, pois em África, em cada oco das arvores, buracos, ravinas e outros locais do género havia perigo de encontrar uma cobra, arranha ou um outro bicho venenoso.
Outra regra de ouro de todos os agentes na clandestinidade, era mesmo estando sozinhos, sempre falar em inglês, nunca na sua língua materna. Embora sobre os assuntos operativos, eles falavam ou em lugares longínquos, ou escreviam as perguntas – respostas no papel, que era queimado depois.
Para sobreviver os dias mais pesados, fugir do estresse, uma vez por duas semanas, os Beym viajavam para o campo, apreciavam as paisagens e fotografavam os animais, possuindo uma grande coleção de fotos da natureza africana.
Numa certa ocasião, o seu salão foi visitado por uma senhora britânica. Mais tarde eles souberam que ela é a secretária pessoal do presidente do país, a sua conselheira da etiqueta e a babá dos seus filhos. Senhora vivia no território do palácio presidencial, tratava do conforto do lar presidencial, dirigia os banquetes. O presidente confiava nela, ela conhecia todos os segredos do país, facto aproveitado pelo nosso casal. A britânica teve algumas desavenças com o chefe da guarda presidencial, que a pretendia afastar. Os agentes criaram para ela no seu salão uma atmosfera da paz e sossego, onde senhora lhes contava os seus problemas, desabafava sobre as coisas rotineiras do dia a dia... Foi ela que lhes contou sobre os métodos do trabalho da contra – inteligência nacional, explicando como descobrir os seus agentes.
O agente americano
Um dos clientes do seu salão era o antigo encarregado de negócios da embaixada dos EUA naquele pais, que deixou o serviço e se tornou empresário. O Moscovo os informou: “Sejam muito prudentes, o Sr. N., está ligado aos serviços secretos americanos”.
O americano tinha uma belíssima casa, possuía vários carros de colecção, no seu quintal viviam duas belas chitas (onça africana).
— Sr. N., um dia perguntou Boris, — você não tem medo de perder isso tudo, em resultado de um tumulto qualquer, ou até de uma revolução?
— Não, não tenho este medo, — respondeu o americano. — Tenho as garantias do meu Governo, que no caso de qualquer situação destas, será me restituído tudo, até o último centavo. Nestas condições eu concordei em trabalhar cá.
Voltando para a casa, o nosso casal pensava o mesmo: o que os espera na URSS? Não tinham nenhuma casa. Todo o dinheiro ganho ia para a renda, compra de produtos e manutenção de um nível de vida, que lhes permitia a obtenção de informação desejada pelo Moscovo. Eles dispunham de apenas uma soma “de avaria”, escondida na sua casa temporária, que poderiam usar só no caso de uma “evacuação” inesperada.
Após seis anos do serviço em Quénia, “Fram” e “Victoria” voltaram a URSS, onde os esperava a surpresa: o estado lhes ofereceu um apartamento T1 (!) em Moscovo e três mil dólares em “cheques” equivalentes aos cerca de 6.000 USD (os cidadãos soviéticos não podiam possuir as divisas, como tal o estado emitia os “cheques”, ou os rublos convertidos, que eram aceites nas lojas onde faziam as suas compras a elite soviética e os diplomatas ocidentais). Os Beym compraram mobílias, geleira, aparelhos de televisão e de rádio, com o resto do dinheiro pagaram o 3º modelo do Lada (fabricado entre 1972 e 1984).
Logo depois, eles receberam a ordem para uma nova viagem para o estrangeiro. Havia mais viagens, veio a reforma e a sua mudança para o Kyiv. Uma única coisa que o casal nunca conseguiu era ter os filhos. Talvez por isso, Sr. Boris alojou no seu apartamento modesto um casal de amigos. Ele também é visitado pelo pessoal do SZRU. Todo o seu passado – são cerca de 300 fotografias feitos em África. Todos eles contêm apenas a natureza, os monumentos e os animais. As coisas do serviço ficaram fora do objetivo da câmara. Algo que acontece com todos os agentes secretos.
Ler o original (em russo): http://www.szru.gov.ua/index_ua/index.html