Morreu Robert Conquest (15.07.1917
– 3.08.2015), o historiador que desempenhou um papel de liderança no
endurecimento da posição ocidental em relação à União Soviética no decorrer da
Guerra Fria, narrando os horrores do comunismo soviético.
Robert Conquest, o
escritor que morreu aos 98 anos, era um polemista e um poeta sério; mas acima
de tudo, ele era um historiador, um dos estudiosos proeminentes de seu tempo,
cujos livros fizeram muito para alterar a nossa visão da experiência comunista.
Conquest personificava a
verdade de que não há um anticomunista dedicado, senão um ex-comunista. A sua
carreira ilustrou também o que o escritor italiano, Ignazio Silone, outro
ex-comunista, quis afirmar quando disse ao líder comunista Palmiro Togliatti
que “a batalha final” do século XX teria que ser travada entre os dois lados
que eles representavam.
Um bolchevique ardente
quando jovem, Conquest tornou-se um inimigo decidido de socialismo soviético.
Ele visitou a URSS pela primeira vez em 1937 como um jovem devoto. Voltando só
meio século depois, em 1989, passado a sua vida, narrando os horrores que o
país tinha sofrido, e na opinião do historiador de Oxford, Mark Almond, sendo “um
dos poucos heróis ocidentais do colapso do comunismo soviético”. Ou como disse
o historiador Timoty Garton Ash: “Ele era Solzhenitsyn antes de Solzhenitsyn”.
De suas muitas obras
sobre o assunto, talvez a mais importante foi o “Grande Terror”, publicada em
1968, detalhando a enormidade completa do que Estaline tinha feito aos povos da
URSS em 1930 e 1940. O escritor mexicano Octavio Paz pagou o tributo mais
sucinto ao livro, quando disse em 1972 que o “Grande Terror” tinha encerrado o
debate sobre o estalinismo.
Na década de 1970
Conquest foi convidado a conhecer o líder da oposição, Margaret Thatcher para
discutir a ameaça soviética. [...] A sua reunião começou às 09h30 e eles ainda
estavam falando ao meio-dia. Em junho de 1978, a senhora Thatcher estudou
fortemente um manuscrito de um dos livros de Conquest, “Present Danger” (1979),
para um grande discurso sobre a política externa que ela fez em Bruxelas. O
tema do livro (e do discurso) foi, nas palavras de Conquest: “não há nada que
os russos podem fazer desde que mantenhamos de forma certa o nível de nossos
armamentos”, dedicando o trabalho à senhora Thatcher. [...]
George Robert Conquest
Acworth nasceu em 15 de Julho de 1917 [...] Foi educado em Winchester [...] Entre
a escola e a Oxford ele tinha vagueado pela Suíça e França, onde fez amizade
com Walter Bernstein, um americano de sua idade, ele próprio mais tarde um
roteirista (e comunista). Este lembra-se de Conquest em 1936 como “um comunista
muito militante”, à caminho de Espanha para uma antifascista “Olimpíada dos
Trabalhadores”.
Com a eclosão da
Segunda Guerra Mundial, Conquest se voluntariou ao serviço militar e foi
colocado na infantaria ligeira de Oxford e Buckinghamshire. Transferido para o
Corpo de Inteligência (Intelligence Corps) no fim da guerra, à partir de 1944,
ele serviu na Bulgária como oficial de ligação às forças búlgaras lutando sob
comando soviético, e mais tarde, como o adido de imprensa da missão militar
britânica na Comissão de Controlo Aliado, em Sófia. Em 1945 o seu poema “Pela
morte de um poeta” ganhou o prémio PEN do Brasil para o melhor poema longo da
Segunda Guerra Mundial.
Após a desmobilização,
Conquest se juntou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas continuou a
desempenhar as mesmas tarefas na missão britânica em Sofia. Em 1948, porém, ele
foi chamado de volta à Londres, após ajudar à dois búlgaros à sair do país,
agora sob o domínio de linha-dura de estalinismo.
Conquest continuou a
trabalhar no Ministério dos Negócios Estrangeiros até 1956, tornando-se cada
vez mais envolvido na contra-ofensiva intelectual contra o comunismo. Durante
vários desses anos, ele trabalhou para o “departamento-sombra” dos Negócios
Estrangeiros – Departamento de Pesquisa e Informação (IRD). [...] No IRD ele escreveu
várias peças que usou para os seus trabalhos posteriores. Uma delas era sobre
os meios soviéticos da obtenção de confissões e devia ser elaborada em “Grande
Terror”. Outras obras eram a “Coexistência pacífica em Propaganda e Teoria
Soviéticas” (“Peaceful Co-existence in Soviet Propaganda and Theory”) e a “Frentes
Unidas – uma tática comunista” (“United Fronts – a Communist Tactic”),
descrevendo o destino dos partidos democráticos nos países da Europa de Leste,
após a sua tomada (pelas ditaduras comunistas).
O IRD foi chamado às
vezes de uma operação propagandista, mas é possível certificar o grau de
seriedade e de qualidade do seu trabalho pelo facto de que muito do que foi
produzido, foi posteriormente publicado na Série dos Estudos soviéticos. Quando
um esquerdista americano acusou Conquest de “falsificação” e de “propaganda
negra”, Conquest desafiou-o a encontrar uma única falsidade nesta série. Não
houve resposta.
Depois de deixar o
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Conquest ocupou uma série de cargos académicos
e jornalísticos. Era professor na London School of Economics (1956-58); editor
literário do “The Spectator” (1962); professor na Universidade de Columbia
(1964-65). Na década de 1970 e no início de 1980 ele era um colaborador regular
de coluna “Visão Pessoal” do jornal “The Daily Telegraph”. Ele teve outras
nomeações nos centros de investigação americanos, em Washington e na
Instituição Hoover, na Califórnia, e foi neste último que ele finalmente se
estabeleceu em 1981.
Os seus primeiros
livros sobre a URSS, como “O senso comum sobre a Rússia” (1960), “Poder e
Política na URSS” (1961) e a “Rússia Após Khrushchev” (1965) foram trabalhos
sólidos, ao invés de emocionantes. Mas foi o “Grande Terror” que realmente
estabeleceu a sua reputação como um historiador. Até o momento em que a obra
foi publicada a Guerra Fria estava em sua terceira década e houve,
aparentemente, poucas ilusões sobre a URSS. Ao mesmo tempo, Conquest abriu
muitos olhos à escala completa de horror e tudo o que ele escreveu foi validado,
quando os arquivos soviéticos foram finalmente abertos. De fato, os números de
vítimas de Estaline que Conquest tinha avançado, e pelo os quais ele havia sido
ridicularizado, têm sido constantemente revistos, em alta, pelos jovens
historiadores russos, situando-se em pelo menos 25 milhões de vítimas. A
maioria destas mortes não foram ordenadas pelo ditador em pessoa, mas muitas
foram. Conquest descreveu como um dia, em 1937, Estaline e Molotov pessoalmente
aprovaram 3.167 sentenças de morte, e depois foram assistir um filme.
Esse livro foi seguido
por outras grandes obras sobre a URSS. Estes incluíram a “Nação Assassina” (The
Nation Killers) de 1970, sobre a guerra, quase genocida, do Estaline contra
as nacionalidades menores, o tema
reexaminado em “Stalin: Breaker of Nations” (1991). Depois vieram “Lenine” (1972), “Kolyma” (1978), “Inside
Stalin’s Secret Police” (1985) e “The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivisation
and the Terror-Famine” (1986), (a obra dedicada ao Holodomor ucraniano de
1932-1933).
Em “Estaline e o
assassinato do Kirov” (1989), Conquest examinou o assassinato por “oportunistas”,
em 1934, do 1º secretário do PCUS de Leninegrado, um evento usado pelo Estaline
como um pretexto para desencadear a primeira onda de terror. Como Conquest
demonstrou, a morte de Kirov era de facto um pretexto, e que tinha sido
encomendado pelo próprio Estaline.
Apesar de seus pontos
de vista sobre o comunismo, Conquest continuou a se considerar como um homem de
esquerda moderada, votou nos trabalhistas até a chegada de Margaret Thatcher, e
sublinhou que os seus aliados políticos americanos mais calorosos eram os
democratas.
Ele foi um dos
primeiros a compreender a fraqueza da URSS pós-stalinista e inépcia de sua
liderança que, como disse ele à um comité do Senado em Washington em 1970, era “intelectualmente
de terceira categoria e propensa à cometer os erros”. Ele também foi um dos
primeiros à prever a desintegração da União Soviética.
Em suas duas últimas
obras, “Reflections on a Ravaged Century” (1999) e “The Dragons of Expectation:
Reality and Delusion in the Course of History” (2004), Conquest baseou-se em
décadas de estudo histórico para rastrear como as ideias sedutores vieram para
corromper as mentes modernas, muitas vezes, com efeitos desastrosos e discutir
por que e como as pessoas poderiam ser tão cegos para o que estava acontecendo.
[...]
Entre outros
interesses, Conquest era um membro vitalício da Sociedade Interplanetária
Britânica, para a qual ele foi recrutado por um funcionário público jovem,
chamado Arthur C. Clarke. Ele também publicou um romance de ficção científica, “Um
mundo da diferença” (A World of Difference). A sua última coleção de poesia, “Penultima”,
foi publicada em 2009.
Robert Conquest é
cavalheiro da Ordem do Império Britânico (1955) e da Ordem de São Miguel e São
Jorge (1996). Em 2005 foi condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade
(EUA).
Ele foi casado quatro
vezes. Com Joan Watkins (1942-1948) teve dois filhos. Se casou, então com
Tatiana Mihailova (1948-1962) e Caroleen McFarlane (1962-1978). À partir de
1979, ele estava em um casamento excepcionalmente feliz com Elizabeth “Liddie”
(Neece, em solteira), que o sobrevive com os seus filhos.
Ler
o obituário original em inglês:
http://www.telegraph.co.uk/news/obituaries/11782719/Robert-Conquest-historian-obituary.html
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