Após
aprovação da lei de descomunização, Ucrânia se distancia do passado soviético
rebatizando nomes de ruas e cidades que vigoraram no país por quase um século.
Quem
viaja hoje à Ucrânia deve estar preparado para ficar confuso. Por exemplo, a
cidade sulista de Illichivsk, que abriga o terceiro maior porto do país, não
existe mais – ela se chama Chornomorsk, que pode ser traduzido como “a cidade no
Mar Negro”. O velho nome, que remetia ao patronímico do líder soviético
Vladimir Ilych Lenine, virou história. A Ucrânia está rapidamente se livrando do
seu passado soviético rebatizando os nomes de ruas e cidades que vigoraram no
país por quase um século.
A
razão é a chamada lei da descomunização, aprovada pelo Parlamento em abril de
2015. Ela equipara o regime comunista ao nazista e determina a proibição da “promoção
dos seus símbolos”. Não só estatuas de Lenine ou obras como a imagem da foice e
do martelo estão desaparecendo: cidades inteiras, ruas e praças também estão
sendo rebatizadas.
Uma das estações do metro de Kyiv |
Algo
similar ocorreu nos novos estados da Alemanha após a queda do Muro de Berlim.
Por exemplo, Karl Marx Stadt (Cidade de Karl Marx) recuperou o seu velho nome, Chemnitz.
A iniciativa ucraniana, no entanto, é bem mais abrangente. Desde que se tornou
independente da União Soviética, em 1991, a Ucrânia não havia se debruçado
muito na tarefa de mudar seus topônimos, o termo geográfico usado para
designações.
De
acordo com o Instituto Ucraniano da Memória Nacional, mais de 900 localidades
devem ser rebatizadas. Até o momento, o Parlamento rebatizou apenas uma fração
– pouco mais de 150 cidades e municípios. Embora o prazo fixado para as
mudanças tenha terminado em 22 de fevereiro, a expectativa é que o processo
dure pelo menos até maio.
Estátua do Lenine é derrubada na Ucrânia em 2014 |
Um
número expressivo de cidades, vilarejos e estações de metro que evocavam
lembranças da revolução que derrubou o Império Russo em 1917, assim como os
antigos heróis da Rússia soviética, já desapareceu dos mapas. Novos nomes
neutros, como Rua dos Carvalhos, Avenida do Inverno ou Praça da Rosa são
especialmente populares. No entanto, eventos recentes também estão deixando
suas marcas. Várias ruas ganharam designações com os nomes de pessoas que
morreram nos protestos da praça Maidan, em Kyiv, dois anos atrás, ou que
perderam a vida em combates contra os separatistas pró-Rússia do leste da
Ucrânia.
No
último outono, causou agitação a intenção de renomear a avenida Povitroflotski
como Boris Nemtsov, o político oposicionista russo assassinado em Moscou em
fevereiro de 2015. O prefeito de Kiev e ex-campeão de boxe, Vitali Klitschko,
apoia a iniciativa. Ainda não está claro se isso vai mesmo ocorrer.
Curiosamente, a avenida Povitroflotski é o endereço da embaixada russa.
O
processo de mudança ocorre de maneira diferente em cada região da Ucrânia. Na
parte ocidental do país, onde poucos lugares tinham nomes comunistas, o
processo já foi completado. A área de Ivano-Frankivsk é considerada a precursora
do processo na região. De maneira surpreendente, também ocorreram iniciativas
súbitas no leste da Ucrânia, que é muito mais marcada pelo passado soviético.
Lá, a cidade de Artemivsk foi renomeada Bakhmut em setembro de 2015, em alusão
a um rio de mesmo nome que fica na região.
Nomes
problemáticos
Duas
capitais regionais são consideradas casos problemáticos: Kirovohrad e
Dnipropetrovsk. Kirovohrad recebeu o nome em homenagem ao líder revolucionário
soviético Sergei Kirov, que foi assassinado em 1939. A cidade apresentou sete
sugestões de novos nomes no final de 2015. O comitê parlamentar responsável por
analisar o assunto escolheu Inhulsk, mesmo nome do rio que corta a cidade. Mas
as autoridades municipais não gostaram da escolha e pediram que a decisão fosse
adiada. O
pedido atendeu o desejo dos habitantes da cidade. A maioria deles prefere que o
nome original da cidade seja recuperado. Em uma pesquisa de opinião divulgada
em outubro de 2015, a maioria favoreceu o retorno do nome Yelisavetgrad
(Elisabethgrad), como a cidade era conhecida no tempo do império russo. Como se
pode imaginar, Kyiv não está muito disposta a trocar um nome soviético por um
russo após o início de mais um conflito com o país vizinho, desta vez por causa
a anexação da Criméia.
Até
hoje, Dnipropetrovsk, a quarta maior cidade da Ucrânia, ainda conserva o nome
do oficial soviético Grigory Petrovsky. Neste caso, o retorno do nome ao nome
original, Ekaterinoslav, que pode ser traduzido literalmente como “a glória de
Catarina”, em referência à imperatriz [russa] Catarina (1729-1796), também
provoca dificuldades políticas. O comitê parlamentar sugeriu “Dnipro”, o nome
do maior rio da Ucrânia, que cruza essa metrópole industrial.
O
adeus aos nomes soviéticos encontra resistência, sobretudo, entre os habitantes
mais velhos e as pessoas do leste e do sul da Ucrânia, que simpatizam com a
Rússia. Muitos não querem que os nomes mudem porque eles cresceram com essas
designações e têm memórias associadas a elas. [...]
Em uma conversa com a DW, o especialista em história da Alemanha Oriental, Karl
Schlögel afirmou ser favorável a iniciativas como essa, mas advertiu que a
mudança de nomes não pode ser imposta às pessoas que moram nos locais. “É
preciso confiar nas comunidades e ouvir as suas ideias”, afirma. [fonte]
Blogueiro: podemos
ficar absolutamente enganados, mas historicamente, não nós lembramos de nenhuma
auscultação popular na Alemanha pós-II G.M., na questão de mudanças dos nomes
nazis; nenhuma consulta popular na Itália pós-Mussolini ou em Portugal pós-25
de abril. Será que existem alguns monstros mais simpáticos que outros? Ou alguém
se acha que os crimes comunistas foram mais “humanos” e “progressistas” do que
os crimes nazis?
Bónus
O pintor e artista plástico
ucraniano, Oleksandr Roytburd,
tem
a proposta criativa de novos usos que podem ser dados aos mais que demais
monumentos do Lenine e outros líderes soviéticos, espalhados por essa Ucrânia
fora. Garante que não é nada
caro (o monumento original fica, por agora, na cidade ucraniana de Zaporizhia).
Bónus II
Ler o artigo do Newsweek “How
Putin tried and failed to crush dissent in Russia” (Como Putin tentou e falhou em esmagar os dissidentes na Rússia), original em inglês:
Sem comentários:
Enviar um comentário