domingo, fevereiro 14, 2016

O encontro que não aconteceu?

No dia 12 de fevereiro de 2016, no aeroporto de Havana, decorreu o encontro entre o líder da Igreja católica, Papa Francisco e o chefe da igreja ortodoxa do maior país ortodoxo, Patriarca Kirill. A reunião, realizada às portas fechadas durou mais de duas horas.

A reunião que culminou com assinatura da declaração conjunta provocou diversas reações do público e dos representantes das igrejas da Ucrânia. As suas impressões sobre a reunião em geral e sobre a declaração em particular, partilhou connosco o Patriarca da Igreja Greco-Católica Ucraniana (UGCC), Sviatoslav Shevchuk (o texto curto).

As suas impressões sobre o encontro do Papa Francisco e o Patriarca Kirill. E sobre a declaração conjunta que eles assinaram?
Com os nossos largos anos de experiência, podemos dizer que quando o Vaticano e Moscovo organizam os encontros ou assinam os textos conjuntos, não devemos esperar disso nada de bom. [...] Quando se trata do texto da Declaração conjunta, em geral, a impressão é positiva. A declaração levanta as questões que são comuns aos católicos e ortodoxos e abre os novos horizontes para a cooperação. Incentivo à todos ver os pontos positivos. Embora os pontos [25 e 26] sobre Ucrânia, em geral, e sobre a Igreja Greco-Católica em particular, me levantam mais perguntas do que as respostas. [...] Falando disso, como líder da igreja [ucraniana], sou membro oficial do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, nomeado ainda pelo Papa Bento XVI. Mas ninguém me pediu para expressar os meus pensamentos e, de fato, como acontecia no passado, falaram sobre nós mas sem nós, sem nós dar o direito da opinião. [...]
No entanto, o ponto 25 da Declaração se refere respeitosamente aos greco-católicos e, essencialmente, a Igreja Greco-Católica Ucraniana é reconhecida como objeto das relações intra-eclesiásticas entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas.
Sim, você está certo. Parece que já não se levanta nenhuma objeção sobre a nossa existência. Embora, na verdade, à fim de existir e agir, não temos que pedir permissão à ninguém. A nova ênfase está, claro, no Acordo de Balamand de 1994, que até recentemente era usado pelo metropolita [russo] Alfeyev para negar o nosso direito de existir, agora é usado para aprovar [a nossa existência]. Sempre referindo-se à rejeição da “uniatismo” como um método de unificação das igrejas, Moscovo exigia ao Vaticano, praticamente, a proibição da nossa existência e limitação das nossas actividades. Mais, este requisito, de forma de ultimato, foi colocado como a condição para a possibilidade do encontro entre o Papa e o Patriarca [russo] . Éramos acusados ​​de “expansão no território canónico do Patriarcado de Moscovo” e agora nós reconhecem o direito de cuidar de nossos fiéis, onde quer que eles necessitam disso. Presumo que isto também se aplica ao território da federação russa, onde até hoje não temos a possibilidade de existência jurídica livre ou ao território anexado da Crimeia, onde após um “novo registo” segundo a legislação russa, somos liquidados de facto. [...] 

Como você comenta a seguinte tese [da declaração]: “Exortamos todas as partes em conflito à prudência, a solidariedade social e a construção ativa da paz. Nós encorajamos as nossas igrejas a trabalhar na Ucrânia para alcançar a harmonia social, a abster-se de tomar parte no confronto e não apoiar o seu desenvolvimento posterior”?
Na verdade, eu quero dizer que o ponto 26 da Declaração é o mais controverso. Tem-se a impressão de que o Patriarcado de Moscovo ou não admite teimosamente que é uma parte do conflito, ou seja, apoia abertamente a agressão da Rússia contra a Ucrânia, tal como está santificar as ações militares da Rússia na Síria como uma “guerra santa” ou dialoga com a sua própria consciência, exortando-a à prudência, à solidariedade social e à construção ativa da paz. Não sei ... A própria palavra “conflito” é um termo obscuro e seduz o leitor a pensar que temos um “conflito civil” ao invés de agressão externa de um estado vizinho. Hoje é um facto largamente conhecido, se à terra ucraniana não vinham os militares da Rússia, se não seriam fornecidas as armas pesadas, se a Igreja Ortodoxa Russa em vez de benzer a ideia do “mundo russo” pregaria a passagem do controlo da Ucrânia sobre as suas próprias fronteiras, nem a anexação da Crimeia, nem a guerra teriam o lugar. Essa é a solidariedade social com o povo ucraniano e pela construção activa de paz que esperamos dos signatários deste documento. [...]

A Igreja Greco-Católica Ucraniana nunca apoiou, nem promoveu a guerra. Em vez disso, sempre apoiamos e apoiaremos o povo da Ucrânia! Nós nunca estivemos ao lado do agressor, pelo contrário, estávamos com a nossa gente na Maydan, quando eles eram assassinados pelos representantes do “mundo russo”. Os nossos sacerdotes nunca pegaram em armas, ao contrário daquilo que acontecia do outro lado. Nossos capelães, como construtores de paz, apanham o frio com os nossos soldados na linha de frente, com as suas mãos levam os feridos do campo de batalha, enxugando as lágrimas de mães que choram os seus filhos mortos. Nós cuidamos dos feridos e atingidos em resultado dos combates, independentemente da sua origem étnica, pertença religiosa ou política. Hoje, mais uma vez, as circunstâncias ditam que o nosso povo não tem a outra protecção e socorro, para além da sua Igreja. É a consciência pastoral nós chama para sermos a voz do povo, para despertarmos a consciência da comunidade cristã do mundo, mesmo quando essa voz não é entendida ou tem sido negligenciada pelos líderes religiosos das igrejas modernas.

Será que o facto de que o Santo Padre assinou um documento vago e ambíguo não abalará o seu respeito por parte dos fiéis da Igreja ucraniana, para a qual a unidade com o sucessor de São Pedro é uma parte integrante da sua identidade?
Sem dúvida, este texto tem causado profunda decepção entre muitos dos fiéis de nossa Igreja e mesmo entre os cidadãos consientes da Ucrânia. [...] No entanto, incentivo os nossos fiéis à não dramatizar a presente Declaração e não exagerar a sua importância para a vida da Igreja. Sobrevivemos várias declarações semelhantes, sobreviveremos essa também.

Ler o texto integral (em ucraniano):

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