Hoje,
na Ópera de Odessa Mikheil Saakashvili irá entregar a medalha ao militar
ucraniano que voltou da guerra do Donbas. Dois anos Saakashvili deixou de ser presidente
da Geórgia (2003 – 2013), país que governou através das reformas radicais, vistas
no Ocidente como um modelo de sucesso.
por:
Benoit Vitkine, Le Monde, França (versão curta)
Desde
30 de maio de 2015 Saakashvili é governador da região de Odessa, sensivelmente
de tamanho da Bélgica. Ele foi colocado no cargo pelo presidente Petró
Poroshenko, recebendo a cidadania ucraniana.
De
Tbilissi à Odessa
Desde
o fim de 2013 Saakashvili aparece na Ucrânia. Na Geórgia, o novo poder começou a
vendeta política contra ele e contra o seu partido. Passando pelos EUA, ele
aparece em Kyiv, apoiando os revolucionários de Maydan, depois se tornou o
conselheiro do novo presidente.
«Maydan
salvou a minha vida!» – diz Saakashvili, recordando a sua passagem pela Nova
Iorque, onde tentou viver como a pessoa normal, escrevendo o livro de memórias.
Na Ucrânia, recebeu a proposta de ser o 1º vice-primeiro ministro, mas recusou,
pedindo o seu posto atual. «O jogo ultrapassa esta cidade e esta região. Podemos
mostrar à Ucrânia e ao todo espaço pós-soviético que as mudanças são possíveis.
Odessa é a cidade considerada pelos russos como sua. [...] Se vamos conseguir aqui, isso será
uma derrota do Putin».
Para
Saakashvili a luta contra Kremlin não está terminada. Na Geórgia ele propôs a
luta civilizacional contra o modelo soviético, o que levou às reformas profundas
do país, à sua modernização, à luta contra a corrupção. Na Ucrânia pós-revolução,
em confronto com a Rússia, Saakashvili possui os “diplomas” necessários: do
reformador e do lutador.
O
novo governador escolheu a Odessa pois é o seu campo, o «difícil». A cidade foi
fundada no século XVIII, algumas vezes foi dirigida pelos estrangeiros, duque Armand du Plessis
e conde Alexandre-Louis
de Langeron. Graças ao seu porto é o local mais cosmopolita da Ucrânia, com
as comunidades gregas, arménias e judaicas…
Na
primavera de 2014 uma parte da cidade aderiu às ideias separatistas. Os
confrontos levaram aos 50 mortes, na sua maioria entre os pró-russos. A geografia
da região, situada perto da Transnístria, zona separatista da Moldova, a
Crimeia anexada, colocam Odessa na posição estratégica. A objetivo do Saakashvili
é vencer a corrupção, o cancro da região.
«Aqui
é Europa com a verdadeira cultura europeia. Mas aqui temos também piores
estradas da Europa, piores redes de abastecimento de água da Europa, piores
funcionários públicos da Europa... Mesmo na URSS, o poder nunca sabia o que
fazer com essa cidade estrangeira, profundamente capitalista, onde os cidadãos
se acostumaram à manter uma vida paralela, onde se manifestar contra o Estado
era considerado um ato algo nobre...»
Alguns
dias depois, Saajashvili visitou a construção de uma estrada circular na cidade
de Reni na fronteira com a Roménia. Nenhum
governador anterior visitou esta
zona depressiva nos últimos 8 anos. Os locais perguntam o governador sobre as
tarifas de água, sobre a recolha do lixo. Uma mulher queixa-se do funcionário
do conselho municipal que nunca está no seu local de trabalho. Saakashvili pega
o telemóvel e liga para Odessa: «Você me assegurou que o processo será
resolvido. O que se passa?»
“É
bom saber o que fazer e fazer muito daquilo que sabes”
É
um brand de Saakashvili: é bom saber o que fazer e fazer muito daquilo que
sabes. O seu poder do governador é muito limitado e por isso a comunicação
excessiva é o seu melhor trunfo. Ele o admite abertamente: «Cada vez, quando
recebemos algo, recebemos por usar a pressão da opinião pública. A ligação com a
sociedade é a minha única arma.»
A
região é gerida apenas através de emissão de permissões para a construção,
abertura das empresas, atribuição da terra, emissão de documentos, política
social e polícia. «Por outras palavras, é uma posição ideal para introduzir os
esquemas de corrupção, em vez de lutar contra estas», - explica o politólogo e professor
universitário Milhail Minakov.
«Na
Ucrânia, se a pessoa não sente o interesse pessoal, nada é possível, – diz
Saakashvili. – Todo o sistema é corrupto. Cada funcionário possui o poder
ilimitado, cada junta de freguesia possui mais poder do que o presidente. Desde
o nível mais baixo até ao nível governamental nada se move, é triste. Podemos
apanhar os funcionários públicos e deputados locais corruptos, mas o Código
Criminal funciona de maneira que eles sempre escapam. Em primeiro lugar tem que
mudar a lei!»
À
espera da grande revolução, Saakashvili entra nas pequenas batalhas e consegue
as pequenas vitórias. A sua última batalha é anular regras e taxas que
impossibilitam o acesso ao mercado aos pequenos produtores de vinho. Em 16 de
outubro,
ele abriu, sem a base legal, mas com apoio do presidente Poroshenko, o Centro de
serviços administrativos, que irá centralizar a prestação dos procedimentos
administrativos aos cidadãos e diminuir as possibilidades de corrupção.
Cortar
o que está à mais
Saakashvili
possui em Odessa um grupo de apoiantes, composto pelos companheiros georgianos,
empresários, ativistas do Maydan, entusiastas sem a experiência (administrativa).
O seu símbolo é Maria Gaydar (33), proveniente da oposição russa e filha do
liberal e reformador russo da década de 1990, Yegor Gaydar.
Além
disso, Saakashvili usa o método que domina melhor, cortar o que está à mais: 26
chefes das administrações distritais foram demitidos e os novos nomeados após
um concurso público; foram detidos 20 polícias e metade dos funcionários da
administração estatal regional, 400 pessoas. «E mesmo os que ficaram, – lamenta
Saakashvili, – apenas 40 trabalham de forma séria. É necessária uma nova geração,
a antiga não consegue mudar.» É preciso notar que os salários de 100 à 200 Euros
mensais não apresentam nenhum estímulo ao trabalho honesto e efetivo.
Porto
de Illichevsk
O
porto fica à 20 km de Odessa, é um dos mais importantes na Europa e primeiro na
Ucrânia. A taxa média, para que o contentor não seja atrasado sob os pretextos
falsos é de 4500 Euros. Milhões de Euros do contrabando são retirados do
orçamento do país mensalmente. Ultrapassando os seus poderes, Saakashvili
exigiu publicamente a cabeça do diretor do porto e do seu colega das
alfândegas. Depois, ele colocou nas alfândegas a sua vice, Yulia Marushevska
(25). Ela será responsável para que apenas 5-7% das cargas passem pelo controlo
apertado, os restantes contentores serão desalfandegados em apenas alguns
minutos. À troco, Saakashvili quer que metade dos lucros seja usada para
reconstruir a rede rodoviária da região.
Desapontado
com os bloqueios
A
recente discussão com o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk criou o terreno aos
rumores sobre o seu interesse naquela posição... Saakashvili confessa que está
desapontado como o bloqueio da vida social ucraniana. Aos 47 anos ele recorda sua
Geórgia natal com orgulho e nostalgia: «Lá fazíamos os milagres, tudo era
possível. Aqui... pouca coisa é possível.»
Ler
o artigo em francês apenas no suplemento do jornal “Le Monde”, ler a tradução integral russa:
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