terça-feira, outubro 04, 2016

“Buk” na Donbas. Para que?

Agora, quando a parte fatual do caso foi descoberta e descrita no documento do Grupo Internacional Conjunto (JIT), está na hora de voltar rever a questão mais complexa e a mais importante – em que consistia (se houve) a intenção criminosa?

por: Mark Solonin, publicação na página pessoal do historiador

Noto imediatamente, a conclusão (óbvia para mim) da existência de “intenção indireta” é indiscutível. Como nos ensina o Código Penal, a intenção indireta é presente se o culpado “estava ciente do perigo social das suas ações, previa a possibilidade de consequências socialmente perigosas, não queria, mas deliberadamente permitia a sua ação ou as tratava com indiferença e não tomou qualquer acção destinada a prevenir o aparecimento de consequências perigosas”. Tudo isso foi assim mesmo.

As pessoas que tomaram a decisão de enviar “Buk” à Donbas – não vou adivinhar os apelidos ou as posições ocupadas – sabiam (ou poderiam descobrir, com pouco esforço, por exemplo, abrindo o mapa da página FlightRadar24) que acima da área do presumível uso do sistema de mísseis voam os aviões de passageiros, incluindo das companhias aéreas russas. Eles sabiam (ou poderiam saber aplicando o esforço mínimo), que o complexo “Buk” não possui equipamento de série que lhe permite distinguir aeronaves civis das militares; que qualquer aeronave que não está respondendo ao sistema “amigo ou inimigo”, automaticamente é identificada como alvo elegível à destruição. No entanto, eles não tomaram nenhuma atitude – seja por meio de informação direta das autoridades ucranianas e/ou ICAO, ou sob a forma de um “vazamento” organizado da informação para parar os voos comerciais de passageiros. Do ponto de vista das “consequências socialmente perigosas”, enviar à Donbas o sistema de mísseis antiaéreos com o teto da sua capacidade de mais de 18 km – é pior que organizar competições do tiro no pátio de entrada do metro na “hora de ponta”.

Com a intenção indireta tudo é claro – mas em que consistia (se consistia) a intenção direta? Esta questão se divide em várias subquestões.

A primeira (“Para que levaram “Buk” para lá?) eu fiz à mi mesmo, e ao público há dois anos, em 1 de agosto de 2014. Sem quaisquer invenções repito: ao serviço do exército russo estão pelo menos quatro tipos de sistemas de defesa antiaérea com mísseis de curto alcance autopropulsados (“Osa”, “Tor”, “Tunguska”, “Pantsir”) capazes de destruir os aviões e helicópteros inimigos nas distâncias de até 8-12 km, nas altitudes de até 5-6 km, com ogivas 10-15 vezes mais poderosas do que as das manpad portáteis. Para a resolução dos desafios enfrentados pelos grupos armados dos separatistas de Donbas não se precisava mais... Os complexos mencionados totalizam cerca de 1.500 unidades no balanço da infantaria do exército russo, uma quantidade comparável fica apodrecer nas bases da retaguarda... Agora, “Buk” é um sistema de nível completamente diferente, uma classe diferente. Mesmo o “velho” complexo 9K37M1 é capaz de interceptar os alvos voando à uma velocidade de 800 m/s (2,6 da velocidade do som) à uma distância de 35 km e uma altitude de até 22 km... Será que este sistema foi necessária para lutar contra os caças-bombardeiros subsónicos Su-25 e velhinhos aviões de transporte An-26?

O que é interessante, à mesma conclusão chega o blogueiro patrioteiro El-Murid (Anatoliy Nesmiyan), que estava no circuito próximo do [terrorista russo] Girkin-“Stelkov”: “Não está claro, de tudo, para que este “Buk” foi trazido... Conheço as pessoas que lidaram com este nosso “Buk”, e suas histórias também se encaixam na versão da armadilha. Eles todos em uníssono dizem da completa surpresa quando a aparência do “Buk”, que ninguém pediu e nem requisitou, e que estava completamente fora de lugar naquele momento, mas, ao mesmo tempo, desviava recursos para a sua recepção e, em seguida, também, a retirada apressada”.

[Blogueiro: o que não deve ser totalmente verdade, pois o já citado relatório do JIT menciona várias conversas interceptadas entre os terroristas russos, conversas que são relevantes para a investigação e tiveram lugar na noite de 16 de julho e início da manhã de 17 de Julho de 2014. As conversas revelam que os terroristas russos estavam em grande necessidade de um sistema de defesa aérea BUK e que este foi lhes efectivamente entregue]

Hoje, quando a composição da coluna foi esclarecida completamente, há necessidade de adicionar a seguinte pergunta: “Por que trouxeram apenas um “Buk”? Assim não combatem e assim não comandam. Vocês nunca vão encontrar uma ordem ou relatório operativo na qual está escrito: “enviar três tanques, cinco aviões, quatro canhões”... As unidades, em que pensam e agem os militares, são as baterias, batalhões, companhias, esquadrões, ou seja, unidades estruturais e não as armas “unitárias”.

Isso não é um acaso – a aplicação efectiva dos equipamentos militares só é possível no âmbito da unidade, sobre cuja estrutura as pessoas experientes tinham refletido bastante. Neste caso particular, a plataforma autopropulsada de lançamento veio sem máquinas de carregamento e transporte, o que significa que a operação ficaria completa com o lançamento dos seus quatro mísseis. Em outras palavras, para resolver a questão da defesa antiaérea dos separatistas um “Buk” era demais em termos de qualidade e totalmente inadequado em termos de quantidade. Estritamente falando, o simples facto do envio de uma única plataforma sugere que não estamos lidando com uma operação militar planeada pelo comando do exército, mas com uma operação “pontual” de serviços especiais.

Próxima pergunta: “Por que [“Buk”] foi transportado pela rota tão estranha?” Em 17 de julho “Buk” cruzou a fronteira, e via Luhansk chegou ao Donetsk, ou seja, passando por quase todo o território controlado pelos rebeldes pró-russos no leste para o oeste. Em Donetsk, ou seja, em frente de milhares de pessoas numa grande cidade (1 milhão de habitantes antes da guerra) “Buk” ficou parado por cerca de 2 horas, duas vezes mudando da sua localização, mas sem fazer nada e sem sair da cidade.

Na tarde do mesmo dia, o reboque com o camião cavalo branco [de marca Volvo] começou a sua caminhada de volta para o leste, chegando à aldeia de Pervomayskoe à 16 km da fronteira russo-ucraniana. O que isso era? Por quê? Por que a passagem do ponto A ao ponto B, separados por cerca de 60 km durou um dia, percorrendo cerca de 250 km, pelos dados do velocímetro do camião-cavalo? E se existisse a tarefa inicial de proteger as posições dos separatistas das ataques aéreas na área da Saur-Mohyla, Marinivka, Dmitrivka (ou seja, a poucos quilómetros da fronteira), então o caso poderia ser muito bem resolvido sem se mover do território russo – assim seria mais confiável e mais seguro, e sem haver os olhares indiscretos com as câmaras...
E última pergunta – que pode ser (não tenho o fundamento para as afirmações categóricas) relevante para o tema: “Por que a rota do voo SU2074 da [companhia russa] “Aeroflot” Moscovo-Larnaca se mudava são estranhamente?” A gente curiosa reparou nisso ainda em agosto de 2014, na base nos dados da FlightRadar24. Em resumo: no dia 14 de Julho de 2014 o avião, movendo-se de norte ao sul, contornou o território da Ucrânia, fazendo um grande arco à direita (ao leste). No dia 15 de julho aeronave voou sobre a Ucrânia, mas evitando o território de hostilidades fez um arco à esquerda, para o oeste, ao longo da linha de Kriviy Rih, Mykolaiv. Mas nos dias 16 e 17 de julho, a rota do voo tornou-se uma linha reta passando pela Lozovaya, Chervonoarmiysk (região de Donetsk), Mariupol, ou seja, algumas dezenas de quilómetros da “linha de frente” (Ler e ver mais: Que avião queriam abater os terroristas?). Apenas coincidência?

Não tenho respostas feitas, não tenho “informação privilegiada”. Às hipóteses instáveis [...] coloco a única exigência: a simplicidade. Não compliquem as coisas. Sem esquemas de conspiração complicados com a participação de serviços especiais e os ucranianos re-recrutados pelos americanos...

A “minha” hipótese não é nova. É bem conhecida ao público como “versão Nalyvaychenko” (o chefe da secreta ucraniana SBU na altura), mas modificada em termos de datas e locais. O objectivo era a destruição do voo de “Aeroflot” com uma demonstração posterior ao público dos pedaços reais de corpos de rapazes e raparigas (é de recordar que a falsidade infame [russa] sobre o “menino crucificado” foi lançada uma semana antes da tragédia do “Boeing”) e elevação do “grau de ódio” ao tal ponto, que permitiria iniciar a invasão em larga escala das tropas russas na Ucrânia.

Uma única plataforma de “Buk” para a solução deste problema era mais que suficiente. Mais, não era necessário (para a destruição de um alvo grande, bem visível no radar, incapaz de manobrar e sem defesas antimísseis, bastava um, no máximo, dois mísseis). Menos não era viável (sistemas acima mencionados de mísseis de defesa antiaérea de curto alcance poderiam não conseguir atingir a altitude necessária, e a capacidade das suas ogivas poderiam não chegar para despedaçar uma aeronave moderna). Dado que a hora, localização, altitude e direção do voo comercial são conhecidos antecipadamente,  mesmo a necessidade menor do uso de radar adicional de deteção prévia e apontamento ao alvo não se ponha.* Os requisitos ao nível de treino de combate à tripulação, também baixavam aos valores quase nulos, assim era possível enviar qualquer um (“aqueles que não fazem a falta”). Aos que premiram o botão explicaram que ao convite do infame nacionalista ucraniano-judaico Kolomoisky, está voando para Dnipro(petrovsk) um “Boeing”, cheio de mercenários americanos, e com os problemas morais estava tudo nos trinques.

O problema principal era técnico – da “linha de frente” até a rota do voo do SU2074 eram cerca de 45-50 km. É muito. Mesmo para a mais recente modificação do “Buk”, com o míssil 9M317 ficava quase no limite da sua capacidade, e para “Buk” que na realidade foi trazido para Donetsk (com “velho” míssil 9M38), o objetivo é claramente inalcançável. Creio que a chave para resolver este problema encontramos numa frase interceptada bem audível: “Irá com os tanques do Vostok”. Vostok é batalhão “Vostok”, uma das unidades separatistas de maior preparação combativa. E, de propósito, foi o comandante da “Vostok”, Khodakovsky que em conversa com o correspondente da “Reuters” deixou escapar que viu “Buk” (embora explicando a sua origem como troféu, capturado aos ucranianos).

Não existia na realidade nenhuma “linha de frente” com fileiras de arame farpado, trincheiras, valas e campos minados. Com estas palavras, naquela época, era designada uma determinada linha imaginária que ligava a cadeia dos pontos de controlo das partes beligerantes; e se as estradas e as localidades eram controladas, de alguma forma, a “zona verde” entre eles, na sua maior parte, era a terra de ninguém. A verdadeira história de “guerra híbrida” na Donbas conhece casos de unidades inteiras que sem disparar um único tiro, apenas por se perder, calhavam nos locais de aquartelamento das tropas inimigas. “Buk” possui as lagartas, aos blindados, melhor ainda, não foram criados para andar nas estradas. Sob a proteção de um grupo de combate com tanques, a lançadora poderia rastejar 20-30 quilómetros para dentro do território ucraniano, tomar a posição de fogo preparada antecipadamente e efetuar o lançamento de um ou dois mísseis. Para tudo isso seriam precisos um par de horas. Sim, não é fácil, mas é possível, se é desejado.

Mas alguma coisa não deu certo [...] os blindados do “Vostok” não apareceram, os passageiros do voo Moscovo-Larnaca folheavam, preguiçosamente as revistas à bordo...

Após que operação (provocação) ficou frustrada, surge a questão – o que fazer com “Buk”? Infelizmente, não temos mínimas informações sobre quem, de facto, tomou a decisão, ou seja, se “Buk” ficou sob controlo de Moscovo e/ou do comando do exército russo, ou se era dirigido (em todos os sentidos da palavra) pelos senhores da guerra locais. A julgar pelo facto de que a lançadora foi arrastada para a área de Saur-Mohyla, Marinivka, onde naqueles dias decorriam os combates ferozes, e as intercepções de rádio que acompanham o transporte mostram a quantidade anormal de palavrões, a segunda opção é mais provável do que a primeira. Em qualquer caso, a partir deste ponto o plano original da operação falhou, e os acontecimentos de 17 de Julho se desenvolviam, provavelmente na forma de improvisação espontânea.

[...] Talvez a mais plausível deve ser reconhecida a versão geralmente aceite dos acontecimentos da tarde de 17 de Julho [de 2014]: a inteligência separatista recebeu do seu informante no Estado-maior ucraniano a informação sobre o voo previsto do An-26 de transporte; decidiu-se derrubar este “passarinho”, colocando “Buk" na posição de tiro ao sul de Snizhne.

Aqui, claro, surge a questão indiscutível: como é possível confundir a marca de radar do “Boeing” (altitude 10 km, a velocidade de 920 km/h) com a marca do presumível An-26 (a velocidade máxima de 540 km/h, a altitude máxima de 7,5 km)? Sentado num sofá fofinho numa sala quente, respondo – de jeito nenhum!

Mas a tripulação de combate estava em um ambiente diferente. Desde o momento em que cruzaram a fronteira eles vagueavam pelas estradas, muito provavelmente, sem dormir, nem comer. As chefias claramente não percebiam o que queriam, e este nervosismo inevitavelmente repassava aos subordinados. O estado político e moral do pessoal é possível julgar pela uma das interceptações de rádio, informando que algum membro da tripulação de combate se separou do grupo (caiu da cabine?), e é necessário o encontrar e devolver ao seu lugar. Em outra intercepção a condição de pessoal é descrita como o palavrão muito conhecido que pode ser traduzido como “muito cansados e muito nervosos”. Por volta das quatro horas da tarde no dia 17 de julho o desejo de todos era apenas uma: abater alguma coisa o mais rapidamente possível e voltar para Rússia. O que eles fizeram.

Voltando ao ponto de partida (qual foi a intenção / propósito original da operação?), devemos discutir o contraponto manifestado repetidamente na Internet: é estúpido e perigoso fazer as provocações deste tipo, se os fragmentos do avião abatido vão cair no território controlado pelo inimigo; todas as provas estarão disponíveis aos peritos internacionais, e quando eles chegarão à verdade – ninguém irá gostar. [...] Como e com que velocidade trabalham os peritos internacionais aprendemos com a experiência prática. E o mais importante – quem lhe permitiria o acesso na situação hipotética? Por que razão, quem vos chamou? O avião é russo, todos os mortos são cidadãos da Rússia, os destroços estão espalhados no território da novaróssia, libertada da junta nacionalista-fascista. Vão todos para fora! De forma parecida, mas numa história absolutamente real foram “mandados passear” os polacos que queriam levar os destroços do avião que caiu perto de Smolensk (embora havia uma situação diferente – o avião não era russo, e os mortos não eram cidadãos da federação russa).

E finalmente, a objeção do foro geral: não pode ser que uma operação de tal importância e sigilo fosse realizada (abortada) no ambiente em tal descuido flagrante!

O reparo é justo, é difícil respondê-lo [...] sem se afastar dos quilómetros e segundos para a área de psicologia de medição complexa. [...] Mas uma coisa eu tenho visto e sei aos 146 por cento. E vocês viram. Vocês ainda não se esqueceram como os generais de fardamentos vistosos nos contavam sobre os “dados objetivos de controlo de radar”, sobre o Su-25 que como um falcão voava além das nuvens? Como o vice-ministro da Defesa da Federação Russa se referia aos dados do “controlador aéreo espanhol”? Que “imagens de satélite” eles nos mostravam, que “experiências naturais” levavam ao cabo? Mesmo que a propaganda de guerra (guerra psicológica) é uma parte importante, se não a mais importante parte integrante da guerra híbrida moderna. E se, estando sentados em poltronas cómodas em salas quentes, recebendo salários enormes, eles ASSIM preparavam as suas conferências de imprensa e briefings, então por que vocês acham que no campo de batalha, sob o fogo inimigo, eles terão uma ordem maior?

* À todos os que ainda continuam a delirar sobre o tema “de uma única máquina é impossível lançar o míssil”, proponho aprender de cor:

No decorrer das operações de combate, as máquinas autopropulsadas de mísseis (SOU), efetuam a detecção, identificação, rastreamento automático e identificação do tipo de alvo, a geração de tarefa de lançamento, a criação da tarefa de voo, lançamento do míssil, iluminação de alvo e transmissão de dados de correção ao míssil, avaliação de resultados de lançamento. SOU pode efetuar os disparos contra os alvos, fazendo a parte de complexo de mísseis antiaéreos com indicação de alvos à partir do posto de comando, e de forma independente em um setor predeterminado de sua responsabilidade”.

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