terça-feira, junho 30, 2020

O “nada nenhum” soviético retratado pelo ucraniano Oleksandr Ranchukov

Em 1987, o fotógrafo ucraniano Oleksandr Ranchukov, e alguns outros fotógrafos de Kyiv fundam o agrupamento criativo “Pohliad” (Olhar) e um ano depois organizam a sua primeira exposição coletiva.
“Ele queria mostrar os rostos das pessoas – bem diferentes dos de cartazes propagandistas. O fotógrafo enquadrava as faces dos transeuntes ao ambiente, sem contrastar, sem complementar, mas alegando que era o mesmo: os rostos dos transeuntes parecem calçadas, paredes surradas, casas, janelas escuras com “olhar” mau de vidros empoeirados”, explica o crítico de arte Olexander Lyapin sobre fotografias de Olexander Ranchukov.
Lyapin recorda que as pessoas não entendiam por que o fotógrafo estava fotografando o “nada nenhum”, pois entre os momentos capturados da vida quotidiana dos anos finais da URSS não havia nada de especial à ser encontrado, mas apenas uma grande desesperança e tristeza.
O fotógrafo ucraniano Oleksandr Ranchukov é conhecido, em primeiro lugar, pelas suas fotos de espaços urbanos e arquitectónicos – o seu trabalho para as publicações e arquivo do Instituto de Teoria e História de Arquitectura de Kyiv. Muitas destas fotos já foram publicadas em álbuns.
Em 1987 Ranchukov e alguns outros fotógrafos de Kyiv fundam o agrupamento criativo “Pohliad” e um ano depois organizam a sua primeira exposição coletiva.

– As suas fotos poderiam ser vistas apenas após o início da Perestroika. Antes disso ninguém teria coragem de as expor, – conta Oleksandr Lyapin. Em 1987 ele telefonou à mim e alguns outros rapazes. Dado que não tínhamos nenhum espaço, se encontramos no metro de Kyiv.
Tínhamos sonhos de chegar às exposições, à imprensa. Decidimos fazer a exposição, no edifício dos sindicatos na rua Khreschatyk em Kyiv. Exposição durou um dia, fechada pelo KGB e ao mando das estruturas do partido comunista. As fotos foram devolvidas, mas apenas 5 anos antes, seguramente iríamos ser presos. Levamos as nossas fotos e as expomos no recinto da Exposição Permanente da Economia Popular em Kyiv. Fomos seguidos pelos agentes [do KGB], mas estes ao menos não impediam de nos tirar as fotografias.

O típico da era soviética era a rua soviética: o cidadão estava mal vestido, com uma típica cesta nas mãos, uma sacola feita de cordas com as garrafas, cebolas ou qualquer outra coisa. A desordem das ruas também é transmitida às pessoas, e as pessoas desarrumadas contêm as ruas. O fotógrafo era atraído pela devastação espiritual. Ele escolhia, claro, mas escolhia cenas absolutamente típicas. Vejamos, por exemplo, a fila para comprar o arenque na rua: poderia ser em Sumy, Lviv ou Kyiv.

Cidadão como parte da cidade. Olexander Ranchukov escolhia não os momentos estéticos, mas momentos sociais: fila para comprar algo; um carro americano atrai uma multidão de curiosos; venderam o arenque e despejaram a marinada em plena rua; uma passagem ao pátio interior sujo e uma mulher infeliz está andando. Ela até pode não ser infeliz, mas no horror ao seu redor, ela parece desesperada. Por outro lado, a vida é inútil neste lugar com o slogan inscrito “Glória ao PCUS!”.

O fotógrafo tentou registar os momentos de desaparecimento, ou seja, hoje existe um objeto e amanhã já não. Isso pode ser visto claramente na foto, com o famoso quiosque de sapateiro no histórico bairro Podil em Kyiv, ao lado da Igreja de São Nicolau Pritisk e do Mercado “Zhytniy”. O quiosque já se foi para sempre. E isso faz a diferença.

Uma das famosas fotos do Ranchukov – um grande e moderno carro americano, possivelmente um “Lincoln”, fotografado no fim da década de 1980, e uma multidão de curiosos que até se agacham para ver os pneus da viatura.

O fotógrafo Yefrem Lakatskiy também fazia parte do agrupamento “Pohliad”, recordando uma das suas primeiras exposições colectivas:
"Serviço do emprego"
– Uma das exposições era dedicada à XIX conferência do PCUS, contando com as fotos do “Pohliad”. O director da exposição exigiu categoricamente retirar a foto do famoso músico folclorista ucraniano Leopold Yashenko, que na imagem simplesmente tocava a sua flauta, sentado numa carruagem de metro de Kyiv. O director da exposição estava categórico: “Retirem essa foto! Ele é um nacionalista!” Estávamos em 1989, por isso cada vez que a foto era retirada, eu colocava um exemplar novo, o público me defendia.

Um dia na [futura] Praça de Independência de Kyiv conheci Chrystia Freeland. A ucraniana étnica, até recentemente ministra dos Negócios Estrangeiros / das Relações Exteriores, depois disso a vice-primeira-ministra do Canada. Ela levou as fotos do agrupamento “Pohliad” à Grã-Bretanha, onde estas foram publicadas no jornal londrino “Independent”. Uma semana depois foi chamado ao departamento do KGB e tive problemas por causa das fotos.

Olexander Ranchukov, 1943-2019

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