Muitas
questões se levantam quando um cidadão que entra em Portugal com um visto de
turista é torturado até à morte numa sala do aeroporto de Lisboa. Mas onde
estiveram então as ONG’s e os activistas?
A
12 de março, em Lisboa, nas instalações do SEF (Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras) foi torturado até à morte um cidadão ucraniano de nome Ihor
Homenyuk.
por: Zita Seabra, Observador.pt
Segundo
os jornais vêm a divulgar posteriormente, citando, entre outras fontes, a
acusação aos inspetores do SEF, estiveram sentados em cima dele, esmagando-lhe
o tórax contra o solo. Depois de Ihor ter sofrido um ataque epilético, caiu e
partiu os dentes. Tinha sinais de pancada e morreu depois de horas de agonia,
atado com fita cola e preso com algemas.
Segundo
relata a jornalista Joana Gorjão Henriques (Publico,
10 de maio de 2020): «O cidadão ucraniano que morreu no SEF do aeroporto
esteve 15 horas manietado com fita-cola e algemas. Foi visto assim por
enfermeiros, inspetores, chefes. Ficou numa sala preso, durante horas, com as
calças pelos joelhos e cheiro a urina. O médico que passou o óbito não viu
agressões e deu-a como morte natural. Auto de óbito do SEF também não refere
qualquer lesão.»
No
Observador
de 1 de Abril de 2020,
Sónia Simões e Kimmy Simões escrevem sobre as provas recolhidas pela PJ:
«Ucraniano esteve fechado numa sala, após ter sido brutalmente agredido por
três inspetores do SEF, durante 8 horas, segundo as provas recolhidas pela PJ.
E foi encontrado já morto.» Continuam: «O corpo de Ihor Homenyuk, o ucraniano
assassinado no aeroporto de Lisboa, apresentava tantos hematomas e tantos
sinais de ter sido barbaramente espancado que quase não seria necessária uma
autópsia para perceber qual tinha sido a causa da sua morte.»
Muitas
questões se levantam se um cidadão que entra em Portugal com um visto de
turista é torturado até à morte numa sala do aeroporto de Lisboa. Torturado,
segundo a acusação, espancado e com alguém o esmagando, sentando-se, repito,
sentando-se em cima do seu tórax até o esmagar. Tudo segundo a acusação ou a
PJ.
No
seguimento das notícias de alguns jornais, o ministro da Administração Interna
foi chamado ao Parlamento e manifestou justas palavras de vergonha pelo
sucedido. Os três inspetores foram detidos e seguiram para casa, em razão do
covid-19. Sabe-se também que o diretor do SEF no aeroporto foi substituído.
Reconheçamos
que é muito pouco.
Assassinar
barbaramente, por tortura, no aeroporto de Lisboa, um cidadão ucraniano,
refugiado ou emigrante ilegal, é um sobressalto em qualquer Estado de direito.
No entanto, não tenho notícia de nenhum sobressalto cívico em Portugal. Nada.
Nenhuma manifestação no aeroporto, nenhuma homenagem, nenhum memorial, nenhum
voto (que eu saiba) no Parlamento, nenhuma palavra do Presidente da República,
nenhuma palavra do primeiro-ministro. Que tristeza.
E
das organizações de direitos humanos? Onde estão as ONG’s, a Amnistia
Internacional e o SOS Racismo? Que fizeram os Médicos do Mundo, que têm
intervenção no aeroporto de Lisboa? E a Ordem dos Médicos? Será verdade que um
médico assinou uma declaração em que consta «morte natural»? Fez-se-lhe um
inquérito? E o SEF é tutelado por quem? Os inspetores, que estavam em casa,
continuam lá? E todos os funcionários e inspetores zelosos que passaram por lá foram
acusados? E o sofrimento e medo das pessoas que estavam nas instalações,
emigrantes com filhos, foram ouvidos os seus testemunhos? Havia, dizem,
crianças por lá. Alguém afagou o seu medo e lhes deu colo?
Muito
mais perguntas poderiam ser feitas e devem ser feitas para que seja feita
justiça.
O
polícia que nos Estados Unidos asfixiou um cidadão é uma imagem tão brutal que
sempre que as nossas televisões o mostram não consigo ver nem imaginar o
sofrimento de uma morte assim. Mas quando li e comecei a acompanhar as notícias
da tortura até à morte de Ihor também não consegui imaginar o sofrimento deste
ucraniano, que chegou a Portugal à procura de uma vida melhor.
Mas,
excluindo a preocupação de um punhado de jornalistas (homenagem lhes seja
feita), a sua morte passou – quase – em silêncio.
Ao
tentar perceber as razões, só encontro uma: que interesse pode ter a morte de
um ucraniano? Os ucranianos são sempre números. Morreram milhões de fome no
Holodomor ou «Holocausto Ucraniano». Estaline matou milhões, cinco milhões,
durante os anos de 1932 e 1933. Estão habituados
Mortos
pelos comunistas soviéticos, entre 1932 e 1933, não existem, não contam. São
números. Aliás, as vítimas do comunismo não são iguais às vítimas do nazismo.
São apagadas da História.
Que
importância tem para o mundo um ucraniano torturado e morto no aeroporto de
Lisboa? E que, segundo a acusação, alguém se tenha sentado em cima do seu tórax
e que tenha ficado em agonia horas, sem ser levado ao hospital? Algum deputado
europeu se preocupou com isso e interrogou o governo português? Algum deputado
português levou um voto ao Parlamento?
Importantes
são as vítimas que possam ser usadas para fins políticos, que interessem a
agendas da esquerda. Os outros apagam-se.
Chama-se
a isto relativismo.
Mas o mundo só será
melhor se uma vítima na América for igual a uma vítima em Portugal,
independentemente de ser preto, branco ou amarelo. Morra em Hong Kong, em
Minneapolis ou no aeroporto de Lisboa.
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