O jornalista português João de Almeida Dias escreveu uma série de
reportagens sobre a Belarus, liderada com os punhos de ferro pelo Alexander Lukashenka,
o último ditador da Europa, expressão cunhada em 2006 pela Secretária de Estado
norte-americana, Condoleezza Rice. Já os seus apoiantes caraterizam batska
(paisão) como um homem justo e um líder carismático, o único que foi capaz de
unir o país. No meio, é o facto: Lukachenka é o líder europeu que está há mais
tempo no poder, precisamente 20 anos.
Poderes ditatoriais
Em 1996 (Lukashenka) lançou um referendo com sete questões que o tornou,
legalmente, um ditador. O sistema político passou a ser divido em duas câmaras:
o Palácio dos Representantes (a mais baixa) e o Conselho da República (mais
próximo de Lukashenka). Metade dos nomes de cada um destes órgãos, tal como no
Tribunal Constitucional e na Comissão Eleitoral, seriam escolhidos pelo
Presidente. No Tribunal Supremo e no Tribunal de Contas, a escolha passou a ser
exclusiva de Lukashenka. Além do mais, todos os seus decretos teriam valor de
lei, dispensando aprovação parlamentar.
[Desde cedo] tornou-se claro que [Lukashenka] tinha sede de poder. Da mesma
maneira que um rapaz de 16 anos deseja intimidade com uma mulher, Lukashenka,
com cada fibra do seu espírito, com cada célula do seu organismo, queria ter
poder.
Alexander Feduta, jornalista e antigo ministro de Lukachenka
Aniquilamento da oposição em 19-20 de dezembro de 2010
“Depois eles atacaram.” Andrei Sannikov (candidato presidencial em 2010, os
resultados oficiais atribuíram-lhe 2,56%, fazendo dele o segundo candidato mais
votado. Lukashenko venceu com 79,67%) lembra-se de ver dezenas de polícias a
avançar atrás de enormes escudos cinzentos, quase da altura deles, munidos de
um bastão. Uma mão cheia deles correu na sua direção e pontapearam-no até ele
cair. Depois, colocaram um escudo por cima do seu corpo e saltaram-lhe em cima
repetidas vezes. Ao mesmo tempo, a sua esposa, Irina Ralip (a jornalista de
investigação), tentava salvar o marido, que ficara inconsciente durante o
ataque. Quando recuperou os sentidos, percebeu que tinha a perna partida.
https://www.youtube.com/watch?v=R2IjKa-Gi9A
Detidos no caminho à hospital pela polícia, Sannikov e Ralip, pararam
nos calabouços do KGB, juntamente com cerca de 700 outros ativistas
pró-democracia.
Irina Ralip esteve encarcerada durante um mês. Depois seguiram-se quase
cinco meses de prisão domiciliária — durante este tempo todo, em que quase
perdeu a custódia do filho de três anos, viveu com dois agentes dos serviços
secretos permanentemente dentro de sua casa.
Andrei Sannikov foi condenado à cinco anos de prisão por organizar as “manifestações
violentas”. Ao fim de um ano e seis meses, com a saúde em risco, foi amnistiado
pelo próprio Lukashenko. Nada que o faça esquecer a tortura, a negação de
cuidados médicos e as ameaças de morte que recebeu. Ameaçado na TV pelo próprio
Lukashenka, após pedir publicamente a libertação de todos os presos políticos, Sannikov
saiu do país. Hoje vive em Varsóvia, a capital da Polónia, enquanto a mulher e
o filho continuam em Minsk.
Belarus em números
Em matérias de liberdade de imprensa, a reputada associação dos Repórteres
Sem Fronteiras coloca o país em 157º lugar num total de 180. Na corrupção, a
Transparency International, colocou-o em 123º entre 177 países. No Índice de
Liberdade Económica, determinado pela Heritage Foundation, os números são da
mesma ordem: 150º em 178 nações.
O poder da propaganda
No filme documental “Ploscha” (Kalinovski Square),
de 2006, o seu realizador, Yuriy
Khashchevatskiy, visita uma aldeia isolada, de onde os seus habitantes raramente saem. Não
têm televisão nem telefone e a única janela que têm para o resto do mundo é o
rádio. Assim que vêem uma câmara, os aldeões queixam-se das suas condições de
vida. O tom é de revolta. O cineasta pergunta-lhes, então, se acham que
Lukashenko é o culpado da situação deles. “Claro que não!”, respondem-lhe de
imediato. “Eles no rádio dizem que todas as outras aldeias são boas, tudo o
resto na Bielorrússia é perfeito. Só aqui na nossa aldeia é que vivemos na
merda!”
https://www.youtube.com/watch?v=AxdcEQJJido
Ler o texto integral, 1ª parte: “Quanto tempo resta ao último ditador da Europa?”
http://observador.pt/especiais/quanto-tempo-resta-ao-ultimo-ditador-da-europa
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