quinta-feira, maio 15, 2014

«Isso não é o resgate, é a sua contribuição para a nossa guerra»

A história do rapto do correspondente especial do jornal russo «Novaya Gazeta», Pavel Kanygin, contada por ele próprio após a libertação, sem muita emoção e sem atribuição das avaliações (versão curta).

Com colega Stefan Scholl da publicação alemã Südwest Presse, fomos detidos à tarde, na pizzaria, onde jantamos, após escrever para os nossos jornais sobre o referendo. Quatro homens sentaram na nossa mesa e um deles afirmou que aos matérias do Stefan não há reclamações, mas de mim eles querem as explicações.

[Após a conversa em que o jornalista é acusado de escrever de maneira “dúbia” e sem agradar os separatistas, ele e o seu colega alemão foram levados à praça central da cidade de Artemovsk].

A praça principal de Artemovsk era barulhenta. Algum dos ativistas achou na publicação ucraniana lb.ua a republicação do meu artigo sobre o desaparecido do prefeito de Artemovsk, à que os colegas ucranianos deram o título: «Os separatistas raptaram o prefeito». «Então ele escreve para os nacionalistas!», «Nos para ti somos separatistas, puta?», «Canalha infiltrada!»

As pessoas cercaram apenas à mim, não tocaram no colega Stefan Scholl. [...] Stefan tentava persuadir as pessoas para alguma resolução “pacífica”. Mas não ouviam ele. Em algum momento o ameaçaram: vai se meter mais, ele também será fuzilado aqui mesmo.

[...] “Linchar” vieram principalmente os moradores simples. Mas explicar lhes algo não havia sentido – as pessoas não queriam ouvir.

Como do espião, eles exigiam as confissões que eu trabalho para o “Setor da Direita”, alguém disse que é necessário receber os meus arrependimentos e os gravar em vídeo, alguém dizia que eu agora mesmo deveria publicar os desmentidos.

À cada minuto os meus crimes tornavam-se mais e mais fantásticos e as intenções das pessoas da multidão mais e mais sérias.

Não me deixavam se explicar. À volta, se reuniram, provavelmente, cerca de cinquenta pessoas. Finalmente as pessoas na praça começaram dizer que eu estou trabalhando para o SBU, a CIA, os EUA, o homem que arrancou o meu cartão de imprensa disse que eu sou um americano que aprendeu a língua russa e forjou a identidade da "Novaya Gazeta". Alguém me pegou pela mochila.

Tapei a cabeça com as mãos – os golpes choveram de diferentes direções, da onde era possível chegar, e eu me sentei no chão. Batiam as mulheres e os homens. Alguém disse que era “a vingança pelos nossos filhos, que morrem nos arredores de Sloviansk e Kramatorsk pela liberdade”; as pessoas gritavam que eles não são ouvidas e “não foram ouvidos todos esses anos”. Alguém desferiu-me o golpe dizendo: “Mas que terroristas nos somos, sua puta!”

[Após calar a multidão enfurecida, um tipo baixinho, chamado pelos separatistas de “Bashnia” (Torre) ou Leonidych (Leonidão), com cerca de 45 anos, armado com dois AKSM, decidiu levar o jornalista ao edifício do SBU na cidade de Slovianks. Mas após a conversa com um tipo educado, com cerca de 50 anos, de óculos escuros e bem penteado, chamado Sergey Valerievich, o jornalista foi entregue aos separatistas armados da aldeia de Volodarka (localidade entre Sloviansk e Artemovsk).

Já em Volodarka, “Bashnia” exigiu que jornalista se despe, entregue todos os seus pertences aos terroristas, retire os atadores e cinto. Os separatistas exigiram a palavra-passe do notebook e do telefone, batendo-o após a primeira recusa. Abrindo o computador (depois de ameaçar lhe quebrar os dedos), os separatistas começaram ver as fotografias nos álbuns, perguntar para quem trabalhava, chamando-o de “canalha da CIA”. Quando os terroristas viram as fotos e vídeos da Maydan de Kyiv de dezembro de 2013, o destino do Pavel Kanygin foi traçado].

— Homens, está tudo claro! É infiltrado!
— Então é assim, de manha, vivo em Sloviansk. Por agora o amarrem e o (coloquem) na bagageira (do carro). Não bater, — disse “Bashnia”.

[Durante cerca de uma hora os separatistas continuavam a interrogar o jornalista, para depois o entregar à outra base dos terroristas].

Os meus novos donos sabiam muito pouco sobre mim e não estavam particularmente interessados. Sabiam apenas que “o cliente deve ser entregue da manhã no (edifício do) SBU em Sloviansk”. Eles não estavam nada interessados em fazer isso. Alguém sugeriu esconder-me aqui e exigir o resgate – falou-se no valor de 30 mil dólares.

[...]

Eu disse que consigo arranjar o dinheiro em Moscovo, mas é necessário pelo menos ligar aos colegas. Pedi o telefone. Mas após a reunião, os rapazes decidiram que não vale a pena me dar o telefone nas mãos: “O tipo é perigoso, vai ligar ao sítio errado”. Um minuto mais tarde surgiu o novo plano: os raptores disseram que arrancarão tudo o que eu tenho: objetos e dinheiro e me libertarão. Mas tirando tudo da carteira, os raptores ficaram muito enfurecidos – lá estava 39.000 rublos em dinheiro (cerca de 1000 Euros). Eles não ligaram aos cartões.

Depois os militantes perguntaram se eu tenho os conhecidos e amigos em Artemovsk, que poderiam “aumentar a molhinha”. [...]

Usando a voz alta do meu telefone nos ligamos ao Stefan. Ele disse que tem 600 Euros e 2.000 UAH (190 USD), que poderá levantar na ATM. Quase mil dólares. Combinamos se encontrar às 4h00 de manha no hotel.

— Mas isso não é um resgate, é a sua contribuição para a nossa guerra, — disse me um homem mascarado, que todos os outros chamavam de “Sever” (Norte).

[Após receber o dinheiro, os terroristas disseram ao Pavel e ao Stefan que levarão o jornalista à cidade de Horlovka. Na entrada da cidade, o mesmo “Sever” exigiu ao Pavel mais 20.000 rublos por causa dos “buracos na estrada”. A ATM não entregou o valor, devido ao limite diário, e os separatistas mudaram de viatura.]

Eu me lembro como me colocam no carro e “Sever” acende um cigarro, eu fecho os meus olhos, e me acorda a menina que diz que é preciso estender a minha estadia ou libertar o quarto. No relógio são 11h45 horas da manhã, o hotel “Liverpool”, Donetsk. Eu estou deitado vestido na cama. O administrador disse que eu foi trazido pelas pessoas de carro, eu não estava bêbado, mas era como um lunático e caminhei pelos próprios pés.

Sapatos sem os atacadores, jeans sem cinto, o cartão SIM está na mesa, a pasta remexida é deitada no chão.

***

P.S. Stefan Scholl, entregando o resgate, também deixou a região de Donetsk e agora se encontra na Rússia (onde morra nos últimos 16 anos).

Ler a história completa (em russo):
http://www.novayagazeta.ru/politics/63567.html

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