segunda-feira, novembro 26, 2012

O borsch verde do Holodomor


Entre as coisas que a minha mãe não gostava, estavam o borsch verde de urtica, águas-neves e os alemães. Porquê os alemães, eu entendia desde pequeno. Sobre o borsch e águas-neves mãe explicou quando eu comecei a ganhar o cabelo grisalho e ela deixou de ter medo.

De borsch de urtica ela ficou saciada desde 1933. As águas-neves faziam ninhos na estepe, os ninhos tinham muitos ovos que eram tão amargos, que a mãe, os lembrando muitos anos depois, cuspia à maneira masculina. Tantos ovos que ela bebeu.

E mais algumas coisas, vindas daqueles tempos, que a mãe não gostava e não sabia explicar porquê. Um deles era Demyd, o nosso vizinho. Vivíamos apertadinhos, as nossas janelas olhavam para as janelas dele. Numa das janelas eles tinham um brinquedo – comboio com as rodas vermelhas. E as nossas crianças invejavam os deles.

Quando os nossos comiam borsch de urtica, Demyd não quis. Ele levou a sua família, nove almas, para o quintal e lhes disse que sabia onde existia uma maquina-maravilha: bastava se deitar debaixo dela que os ravioli cairão na sua boca. O brinquedinho – comboiozinho levaram consigo. Chegaram à aldeia vizinha, se deitaram uns ao lado dos outros no campo pastorício e morreram lá mesmo, todos os nove.

Naquele ano na aldeia morreram duas mil pessoas.

A mãe contava sobre isso de uma maneira zangada. Como se fosse uma morte errada, inalcançável, como se fosse aquele brinquedo na janela do vizinho. A mãe dizia: “Estúpido Demyd!” – muito diferentemente de todos os outro. Embora sabia os nomes de todos os aqueles que morreram naquela ano. Eram dois mil, dez vezes mais dos que desapareceram mais tarde na II G.M. E ai eu perguntava:

— Mamã, porquê você não gosta dos alemães, se os nossos mataram dez vezes mais?
— Mas foram os nossos! – respondia a mãe candidamente.

Eu dizia que estes “nossos” deveriam ser enforcados e ai ela chorava. Agora não a pergunto sobre isso. Ela me visita nos sonhos raramente e eu não quero ver ela a chorar.

por: Valeriy Zhezhera   

Fonte: Gazeta.ua

Bónus

Este vídeo faz parte do drama “Grande Deus”, abordando a história da criação do hino religioso “Quão Grande Tu És”. O texto foi retirado do diário e das anotações do jornalista britânico Gareth Jones, que denunciou Holodomor ao mundo.

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