segunda-feira, abril 30, 2007

O dia em que conheci Boris Yeltsin

Boris Yeltsin e Mstislav Rostropovich: síndroma do Big Brother
Normalmente, quando morre uma grande pessoa, logo aparece meia – dúzia ou até uma dúzia de personagens, que reclama conhecer defunto de alguma maneira. Colegas e adversários, amantes, esposas e jardineiros correm contra o tempo para contar sobre a sua experiência íntima com a tal pessoa.

Na semana passada, morreu Boris Yeltsin, por isso decidi contar a minha própria experiência de um belo dia conhecer o homem, que para sempre ficará na história...

Pela primeira vez ouvi falar de Boris Yeltsin, quando em Novembro de 1987 ele foi expulso e destituído da chefia do Comité do PCUS da cidade de Moscovo, na sequência da sua intervenção crítica no Plenário do Comité Central do PCUS em Outubro do mesmo ano. As pessoas diziam que entre a nomenclatura soviética existe uma única pessoa honesta e essa pessoa é Boris Yeltsin. Para suavizar a queda, Gorbatchov cria um posto especialmente para Yeltsin, ele torna-se Ministro da URSS, Primeiro Vice – Director do Comité de Construção Estatal. Yeltsin sobrevive o ataque cardíaco.

Na noite entre 8 à 9 de Abril de 1989 na capital de Geórgia, cidade de Tbilissi, as tropas soviéticas, recém – saídas de Afeganistão e armadas com as pás de sapadores (quer a polícia, quer a KGB geórgicas não pretendiam reprimir o seu povo), foram lançadas para dispersar um dos primeiros comícios da oposição geórgica. Como resultado – 19 mortos, na maioria mulheres e crianças. Gorbatchov disse que não sabia de nada, desde ai, nunca mais consegui ter o respeito ou gostar dele.

Março de 1989, eleições para o Congresso dos Deputados do Povo da URSS. Entre 750 delegados, são eleitos Boris Yeltsin e Académico Andrei Sakharov, ambos pela cidade de Moscovo. Yeltsin ganha com 90% dos votos. O pai da bomba de neutrões soviética, Andrei Sakharov é como um Deus vivo para todos nós. Homem de ciência que desafiou o poder soviético, tornou-se maior que o próprio poder, quase intocável, ele passou algum tempo no exílio forçado na cidade de Gorki (o seu nome original, Nizhni Novgorod foi lhe restituído em 1987).

Em Maio – Junho de 1989 iniciam-se os trabalhos do plenário no Congresso dos Deputados do Povo, inteligentíssimo Sakharov fala sobre o falhanço soviético no Afeganistão, Gorbatchov interrompe o brutalmente, não deixa de acabar a sua intervenção. No fim do ano, no dia 14 de Dezembro de 1989, com a idade de 68 anos, Sakharov morre do ataque cardíaco. Acredito que Gorbatchov têm a sua quota parte nesta morte prematura.

Depois, em 12 de Junho de 1991, Yeltsin é eleito como Presidente do Parlamento da República Federativa Socialista Soviética da Rússia, contra a vontade de Gorbatchov. Concorrendo contra meia – dúzia de adversários, Yeltsin ganha ainda na primeira volta, com 57% dos votos.

Nesta qualidade, ele visita a Ucrânia em 1991, e eu estou naquilo que hoje é a Praça de Independência em Kyiv, numa enorme multidão que saúda Boris Yeltsin. Queria pedir o seu autógrafo, mas não tinha comigo nenhum livro seu, nenhum jornal com a sua foto, nada que valia a pena e não queria dar lhe assinar um simples papelinho. A praça estava cheia de gente, Yeltsin aparentemente não tinha guarda costas, me pareceu um homem forte e seguro, estava eu numa distância de não mais de meio – metro, setenta centímetros ao lado dele. Outra coisa que lembro claramente, eram os seus cabelos, um pouco soltos e a sua altura, ele era pelo menos uma cabeça mais alto, que toda a gente a sua volta (na universidade Yeltsin jogava basquete, embora tinha perdido um dedo na meninice). Era o tempo maravilhoso, todos democratas eram os irmãos, único alvo a abater era o comunismo.

Cerca de um mês depois, no dia 19 de Agosto de 1991, em Moscovo sucede o golpe do Estado, os golpistas do Comité Estatal tentam reanimar o comunismo. Yeltsin sobe no tanque e proclama o Comité Estatal ilegal. Nos jornais ucranianos volta a censura estatal, o chefe do parlamento ucraniano, Leonid Kravchuk pede a calma e diz que a república “têm que preparar-se para o inverno”. Yeltsin comanda a resistência em Moscovo, povo sai à rua para defender o Edifício do Governo Russo, “a Casa Branca”, entre eles “Centena Ucraniana”. Até agora, na crónica daqueles dias, eu vejo imensidade das bandeiras da Ucrânia independente, azul e amarelas. O exército soviético avança contra a população desarmada, que usa os carros eléctricos para barrar o caminho dos tanques. Toda a gente teima o pior, morrem três resistentes, um dos quais é ucraniano. Mas no dia 21 de Agosto de 1991 tudo está acabado, Comité Estatal é derrotado e preso, Gorbatchov sai do seu “exílio” na Criméia ucraniana.

24 de Agosto de 1991. O Parlamento da Ucrânia proclama a Independência nacional, sujeita a um referendo de confirmação, marcado para o dia 1 de Dezembro de 1991.
Mas já alguns dias mais tarde, um dos secretários de imprensa do governo russo surpreende todo o mundo, proclamando que “Rússia não pode garantir a integridade territorial dos países que optaram pela independência”. Primeiros sinais de resfriamento.

Em 1992 em Moscovo, foram vistos os dísticos que diziam “Yeltsin, obriga os ucranianos alimentar a Rússia”, onde a palavra ucraniano era substituída por um termo quase racista, colonial e pejorativo.

Bom, depois eram a guerra e paz na Chechênia, muito álcool, problemas da saúde, combates de rua em Moscovo em 1993, eleições de 1996 com a leme “Vota ou perderas” (existia a possibilidade real da vitória comunista), etc. Tudo terminou em 1999, quando Yeltsin passou a totalidade do seu poder ao primeiro – ministro do então, V. Putin, o resto poderá ser lido nos livros da história, posso acrescentar mais um pouco, mas já não importa.

E qual é a moral disso tudo? Bom, não sei muito bem... Um homem que começou como funcionário da partido comunista, passou por ser o seu alto dirigente, tornou-se o coveiro do comunismo e da URSS, acabou por cair no ridículo e já era visto como uma espécie do Leonid Brejnev 2.0. O seu maior adversário, Mikhail Gorbatchov que nunca era tão amigo de álcool, anda muito mais saudável, faz publicidade das “Pizza Hat”, cobra chorudos caches pelas palestras dadas mundo fora, continua ter muita graça entre os ocidentais e quase nenhuma na Rússia.

P.S.Mal a Rússia diz adeus ao Yeltsin, quando morreu violoncelista Mstislav Rostropovich, expulso da URSS em 1974, mundialmente famoso, homem que tocou na noite de desmontagem do murro de Berlim. Nos canais internacionais de notícias, Rostropovich já vezes sem conta foi chamado de lutador pelos direitos humanos, eu apenas não consigo entender o que têm os russos, porque todos os direitos humanos lhes acabam, onde inicia-se a Ucrânia. Uma verdadeira prova para um verdadeiro democrata...

Rostropovcih, assim como a sua esposa, Galina Vishnevskaya eram pessoas muito queridos para mi e para o meu meio. Democratas da primeira, desafiaram o comunismo, voltaram à URSS em Agosto de 1991 para defender a democracia. Que bom!

Qual foi o meu espanto, quando vejo por volta de 1992 uma entrevista conjunta do casal, onde o democratíssimo Rostrapovich, aquela pessoa cristalina e amante dos direitos humanos, diz alguma coisa do género: “Nós fomos convidados para actuar na Ucrânia, mas quando soubemos que a Ucrânia têm as fronteiras, que terei que mostrar o meu passaporte, logo recusamos a ideia. Nós, somos as pessoas russas e vemos a ideia de fronteira com a Ucrânia como um insulto. Não, quando existir a fronteira, nós não vamos à Ucrânia”. Cito obviamente pela minha memória.

Portanto, homem vai à França, mostra o passaporte, não há problema, mostra o passaporte em Canada, no Japão, na Austrália, mostra em todo o lado, carimba e responde às perguntas dos funcionários das alfândegas, numa boa. Mas na Ucrânia já não pode, não pode porque é um país irmão, onde também vive monte da “gente russa” e não se percebe porque ele terá que mostrar o seu passaporte para os pequenos irmãos, aqueles ucranianos incultos que exigem o passaporte ao democrata deste gabarito...

Bom, se alguém me consegue explicar o caracter secreto dessas crenças, ficaria muito agradecido. Não quero fazer conjugações sobre o imperialismo e a síndroma do Big Brother, senão alguém vai me acusar de nacionalismo e de falta de amor para com os nossos amáveis irmãos e vizinhos: Yeltsin e Rostropovich.

P.S. neste aspecto só posso citar as palavras do general russo Anton Denikin, que combateu o bolchevismo nos anos 20, exilando-se mais tarde na França: “Nenhuma Rússia, nem a branca, nem a vermelha, nem a monárquica, nem a republicana permitirá que a Ucrânia se separa dela”. Precisam-se mais comentários?...

Fotos do Rostropovich e do Andrei D. Sakharov

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