quarta-feira, dezembro 24, 2014

Belarus ou Bielorrússia, a ditadura que resiste (2)

O jornalista português João de Almeida Dias escreveu uma série de reportagens sobre a Belarus, liderada com os punhos de ferro pelo Alexander Lukashenka, o último ditador da Europa. Hoje publicamos a 2ª parte da reportagem.

Só há Lukashenko, não há mais ninguém

Claro que voto no Lukashenko! Sempre votei e hei de votar. Só há o Lukashenko, não há mais ninguém. Os outros não são opção, porque nunca prometem coisas que a gente quer. Não queremos nada das coisas deles, o Lukashenko é que prometeu sempre as melhores coisas. Por isso as pessoas votam nele.”
Nadezhda Konstantina, reformada

Sobre a vizinha Ucrânia

Sempre que pode (Maria Slonskaya), fala ao telefone com a família que ainda tem na Ucrânia. Uma irmã, que vive no Oeste, longe dos conflitos, diz que “não se passa nada, está tudo bem por cá”. Slonskaya não acredita nela. Além de saber pela televisão que as armas estão quentes e que as coisas não estão assim tão bem por lá, sabe que a irmã tem medo de falar bem dos russos ao telefone. “Nunca se sabe quem nos pode estar a ouvir as conversas.” Já os familiares que tem no Leste detestam o país vizinho. “Isto preocupa-me tanto… Na União Soviética éramos todos irmãos, agora estamos em guerra.”

Lukashenka, admite, “é um ditador”. “Só que eu acho que isso é uma coisa boa, ainda bem que ele é um ditador”. Sempre que o ouve falar na televisão, com a sua voz áspera e algo nasalada, gosta das suas palavras. “Ele era diretor de um kolkhóze [farma coletiva subsidiada pelo Estado, comum na União Soviética e ainda em funcionamento na Belarus]. Ele sabe o que é governar, tem experiência soviética. É o político que nos consegue trazer mais perto daqueles anos. É um homem que sabe fazer as coisas, é um bom dono de casa. E às vezes é preciso um ditador para arrumar a casa como deve ser. Para mim ele é perfeito.
Maria Slonskaya, ucraniana, 72 anos, reformada, viver há 15 anos na Belarus

O poder de propaganda cinematográfica

O regime do Lukashenka decidiu mostrar a sua versão dos acontecimentos de dezembro de 2010, investindo 5 milhões de euros (outros dados apontam para cerca de 2 milhões de dólares em rublos belarusos), no filme “Nós, irmãos” (outro título “Abel”), à estrear em abril de 2015.

Os realizadores prometem no elenco do filme os atores de “classe A”: os americanos Eric Roberts e Sara Kirkland (nos papeis secundários). O papel principal cabe à ex-modelo da Playboy e atriz de séries, nascida em 1983 no Uzbequistão e radicada nos EUA, Natasha Alam (ucraniana de origem, Natalia Shimanchuk, ver FOTOS). A realização ficou a cargo de William DeVital (Vitaliy Vasilkov, nascido na Ucrânia), sem qualquer experiência enquanto realizador, especializando-se no ramo da organização e segurança dos efeitos especiais.

O filme, se baseia na história bíblica de Caim e Abel, onde o Abel é polícia no corpo de intervenção rápida e Caim é um dos manifestantes que protestam contra o resultado das eleições. Um protege o parlamento e a estátua de Lenine. O outro quer atacá-los.

(Aos figurantes no filme que imitavam as multidões no centro de Minsk foi proibido, pelos realizadores, de gritar “Zhyve Belarus!” ou seja, “Viva Belarus!”. Como grito de revolta apenas foi permitida a frase tosca “isso não é assim”, que imediatamente deu origem ao mem “algo não é assim” e aos dezenas de desmotivadores na Internet belarusa. Os figurantes do filme não foram pagos, apenas recebiam lanche, eram estudantes que foram enviados pelas suas instituições à mando do regime. Além disso, a multidão no filme não irá ter as bandeiras brancas e vermelhas, da Belarus independente, nem as bandeiras da União Europeia. Mesmo nas mãos dos “seguidores do Caim”, são objetos demasiadamente assustadores ao regime).
A juventude Lukashenkista

À partir dos 14 e até aos 30 anos, os jovens da Belarus podem ingressar na União da Juventude da República da Bielorrússia (BRSM). A organização segue o molde do Komsomol soviético. Lukashenka, que nos seus verdes anos foi líder daquele órgão juvenil na região de Moguilev, quis ressuscitar a organização em 2002. Poucas coisas mudam além do nome.

Artyom Kyashkin (22) é voluntário na secção da BRSM que ajuda os jovens inscritos na organização a arranjarem emprego. As vantagens de encontrar trabalho através desta organização são óbvias — quem o conseguir, em vez de pagar 12% de impostos de rendimento como qualquer outro bielorrusso, abdica apenas de 4%. Esta quantia nem sequer vai para o Estado. Vai para os cofres da BRSM.

Alexander Griogrievitch é um líder forte e muito carismático. Respeito-o muito enquanto pessoa. Ele conseguiu unir o país em torno das mesmas questões, de objectivos comuns. Se ele aparecesse aqui e agora, eu levantava-me, apertava-lhe a mão e agradecia-lhe, olhos nos olhos, por tudo o que tem feito por nós. Estou-lhe eternamente grato.”
A namorada do Artyom Kyashkin

Ler: “Só há o Lukachenko, não há mais ninguém” (2ª parte)
http://observador.pt/especiais/ha-o-lukachenko-nao-ha-mais-ninguem

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