O historiador Timothy D. Snyder que lecciona a historia na Universidade Yale (EUA), apresentou na Ucrânia o seu último trabalho académico, o livro “Bloodlands: Europe Between Hitler and Stalin”.
Publicado em Outubro de 2010, o livro se tornou best-seller, dez publicações de renome o consideraram “Livro do ano”, como Financial Times, The Economist e Daily Telegraph.
No livro com mais de 400 páginas o autor não descreve apenas os acontecimentos, mas também explica a razão da sua interligação. O livro já foi publicado na Ucrânia pela editora Grani-T, juntamente com um outro livro do autor – “The Red Prince: The Secret Lives of a Habsburg Archduke” (dedicado à vida do arquiduque Wilhelm da Áustria, que adaptou a identidade ucraniana e se tornou conhecido como poeta, militar e estadista ucraniano, Vasyl Vyshyvaniy).
Professor Timothy Snyder visitou Ucrânia para estar presente na apresentação da edição ucraniana do seu livro, aproveitando a ocasião para preferir algumas palestras sobre o tema. A agência ucraniana UNIAN publica o resumo autorizado das passagens mais interessantes.
“Bloodlands” é o livro sobre as pessoas concretas. Por exemplo, sobre ucraniano Petró Valdiy, que em 1933 cavou a sua própria sepultura, pois sabia que irá morrer de fome, como milhões de outros ucranianos. Ele queria evitar a desonra, não quis ser atirado por dentro de uma carroça e sepultado na vala comum. Quando sentiu que a hora chegou, se deitou na campa e morreu.
É sobre oficial polaco Adam Solski, prisioneiro dos soviéticos, ele mantinha o diário em 1939-1940, até a morte em Katyn. A sua última anotação diz: “Eles pediram a minha aliança, que eu...” Escrita foi interrompida e nós compreendemos, o mais provável que aliança foi levada pelos seus carrascos.
É sobre jovem judia Dabtsya Kagan, que em 1942 escreveu na parede da sinagoga de Kovel o bilhete de despedida para a sua mãe: “Tenho muita pena que eu não posso estar consigo. Te beijo muitas – muitas vezes”.
Entre 1939 e 1945, durante a dominação do Hitler e Stalin, foram assassinados cerca de 14.000.000 de civis que não participaram em combates militares, este número diz muito sobre o sistema político nazi e soviético. No mesmo período, na Europa foram assassinados 17 milhões de civis, mas 14 milhões foram exterminados no território da Rússia Ocidental, Ucrânia, Belarus, Estados Bálticos e da maior parte da Polónia, estas terras que eu chamo de Sangrentas. Nestas terras estava presente a administração nazi e soviética. Isso não acontecia na França, nem na maior parte da URSS, mas aqui, onde morreu a maioria das vítimas da II G.V., estes dois regimes estavam no poder.
“Terras sangrentas” é o território onde decorreu o Holocausto. Aqui morreram 5,5 milhões de judeus e 8,5 milhões de pessoas de outras nacionalidades. [...] É possível ler muito sobre a Alemanha nazi e sobre URSS comunista e não saber que eles executavam os assassinatos nos mesmos territórios. Ambos os regimes pretendiam dominar o mesmo espaço. É complicado responder como os regimes que cometiam estes crimes cooperavam entre si, eu tentei responder à essa questão:
1) Nada de metafísica, ou seja, nada de exclusões nacionais. Não se trata de que morreram 5,5 milhões de judeus ou 3,5 milhões de ucranianos. Se trata da morte dos 14 milhões de seres humanos. Uma parte deles foi exterminada exactamente por serem ucranianos ou judeus, mas o mais importante, eles eram pessoas.
2) Nada da dialéctica, que me perdoam este termo marxista. Stalin e Kaganovich afirmavam: “Sim, nós matamos alguns milhões de pessoas na década de 1930, mas nós ganhamos a II G.M.”. Mas ganharam não por se prepararem à guerra com Holodomor e as repressões.
Eu tentei evitar o estereótipo constantemente evocado do que o 3° Reich e a URSS eram opostos. Eles deferiam na ideologia, mas não eram opostos. Os soviéticos não corrigiram aquilo que faziam os nazis e os piores lugares no mundo em 1930-40 eram aqueles, onde estavam presentes quer os nazis, quer os estalinistas.
3) [...] Porque os nazis e comunistas mataram tanta gente? Quando pergunto isso no Ocidente, geralmente respondem: “Pela ideologia, pelas ideias erradas”. Ideias erradas existem nos dias de hoje, mas elas funcionam apenas em circunstâncias muito concretas – quando são realizadas pela administração estatal. Nazismo matou muita gente depois de os alemães começaram a guerra mundial. Marxismo é uma ideologia pacífica, mas se torna perigosa quando se transforma na ferramenta nas mãos das instituições estatais leninistas.
[...] Aquilo que aconteceu, tem a base não apenas na ideologia, mas em grande parte, na economia. O triunfo da raça ou da revolução mundial não eram os factores mais importantes que trouxeram ambas as ideologias à Ucrânia. Os alemães queriam as terras ucranianas para construir o império agrário no Leste. A URSS quis as terras ucranianas para as usar na industrialização, aquilo que Stalin uma vez chamou imprudentemente de “colonização interna”. [...] Nazis e bolcheviques podiam se entender quando aos polacos, mas não podiam se entender quando aos ucranianos. Por isso entraram em guerra por eles.
Existem três períodos dos assassinatos em massa na Terra Sangrenta. Em 1933-38 a URSS lidera, nazis matam centenas, Stalin – milhões. Em 1939-41, quando URSS e nazis eram aliados, eles matavam, sensivelmente, em quantidade e na velocidade igual. Em 1941-44 os nazis se tornam os líderes dos extermínios em massa.
[...] O meu livro descreve Holodomor, que eu vejo como a parte integral da campanha de colectivização. É possível não concordar que a fome era planeada, mas fome, de certeza, era propositada. [...] Stalin sabia que a execução da sua política irá trouxer a morte aos ucranianos. Ele sabia disso, pois dois anos antes a mesma política implementada no Kazaquistão levou à uma catástrofe. Entre Outubro e Dezembro de 1932 ele executava a política que transformou a fome de um acontecimento que poderia ceifar a vida de alguns milhares, naquele que levou alguns milhões.
O meu livro fala sobre o Grande Terror estalinista. O Grande Terror não era uma questão do partido ou dos militares, essas acções eram conduzidas contra os civis. São acções contra os kurkuls (proprietários rurais fortes), contra os camponeses “politicamente incertos” (que passaram pelos menos 5 anos no GULAG).
Os bolcheviques matavam não apenas pela pertença à classe, mas pela pertença nacional. Durante o Grande Terror, 200 mil pessoas morreram por causa da sua etnia, na sua maioria na Ucrânia e na Belarus. Em 1937-38, os 110 mil cidadãos soviéticos foram fuzilados por motivos nacionais, como espiões polacos.
[...] Eu não olho o 3° Reich e a URSS separadamente, eu olho os territórios e as pessoas tocadas por estes sistemas. A verdade reside no facto do que ambos sistemas coexistiam e colaboravam na mesma época, no mesmo local.
Um dos exemplos dessa cooperação – como Hitler chegou ao poder em 1933. Isso aconteceu porque Partido Comunista da Alemanha não podia cooperar com o Partido Socialista da Alemanha. Porque? Por causa do Holodomor. No Internacional Comunista controlado pelo Stalin, os acontecimentos de 1932-33 na Ucrânia eram encarados como a guerra de classes, por isso os comunistas não podiam denunciar essa fome, que teve a repercussão considerável na Alemanha. [...] Três milhões dos prisioneiros da guerra soviéticos morreram em 1941 da fome orquestrada pelos nazis. Eles morreram nos campos de concentração nazis, onde caíram porque Stalin não permitia ao exército recuar para fazer as manobras tácticas.
Na Ucrânia foram executadas duas políticas de Holodomor, um soviético de 1932-33 e outro alemão de 1941. Mas a história não se esgota na morte. A história é a vida. Todos os 14.000.000 tiveram a sua vida. E tiveram os seus nomes próprios. Tiveram os nomes aqueles que eu recordei no início da palestra: ucraniano Petró Valdiy, polaco Adam Solski, judia Dabtsya Kagan...
Anotado por Pavlo Solodko, Verdade Ucraniana & Verdade Histórica:
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