quinta-feira, janeiro 20, 2011

O perigo de celebrar o Natal

Durante mais de 70 anos da ocupação soviética, a celebração pública do Natal na Ucrânia revelava-se uma actividade bastante perigosa. Os adultos eram perseguidos pela polícia e pelo KGB, as crianças eram vigiadas pelo corpo docente.

Desde a época do “comunismo militar”, durante as purgas de Stalin e mais tarde, nos “anos de chumbo” de Brejnev, os cidadãos arriscavam as suas vidas, a sua liberdade e o seu bem-estar pelo simples desejo de seguir as tradições populares ucranianas.

por: Maria Hryciv *

Ucrânia de 1972. Aproxima-se o 50° aniversário da criação da URSS. O KGB inicia a operação de neutralização dos cidadãos que possuem uma posição cívica activa. Podemos supor que o alargamento do movimento de dissidentes era comprometedor para o sistema soviético.

O ataque massificado do KGB contra a elite intelectual da Ucrânia levou à detenção de centenas de intelectuais ucranianos, cerca de duas dezenas de condenações, com as penas mais pesadas, em relação às praticadas nos meados dos anos 1960 (durante a “primavera de Khrushev”).

KGB vigiava de perto dois grupos de jovens – dissidentes de Kyiv e Lviv, que pretendiam festejar a Kolyada, a festa tradicional ucraniana de origem pagã, celebrada na altura de ano novo e do Natal. Os jovens pretendiam desafiar a política soviética de proibição das tradições nacionais ucranianas, nomeadamente a proibição de celebrar as festas religiosas como o Natal.

A iniciativa de organizar o Vertep em Lviv partiu da Dra. Olena Antoniv, os ensaios se realizavam na sua casa que era uma espécie do “ponto de resistência”, onde os prisioneiros políticos ucranianos que voltavam dos GULAGes siberianas encontravam apoio material (roupas, dinheiro, comida), mas também o calor humano.

Os participantes aprendiam as canções de Natal (koliadky e shedrivky), depois iam actuar nas ruas de Lviv na noite de ano novo, para fugir da perseguição do poder soviético.

Sabendo de antemão sobre as actividades dos intelectuais, os quadros do partido comunista preparavam as provocações, o KGB infiltrava no movimento dissidente os seus agentes, para “revelar as actividades anti-soviéticas”. Por exemplo, Borys Kovhar, o funcionário do Museu da Arquitectura Popular de Pyrohiv, foi incumbido pelo KGB de ganhar a confiança dos dissidentes durante os preparativos de Vertep. Conhecendo melhor os dissidentes, ele passou para o seu lado, recusando-se a colaborar com KGB. Como vingança pela “traição” KGB o castigou com o internamento compulsivo no hospital psiquiátrico.

O Vertep era bastante concorrido entre a elite intelectual ucraniana, algumas fotos originais dos activistas e organizadores, feitas na noite do ano novo de 1972 sobreviveram até os nossos dias (são preservados no espólio do Museu Nacional Cadeia na Lonckoho).

Cerca de 45 pessoas participaram activamente na celebração de Natal de 1972 em Lviv, entre eles o poeta Vasyl Stus que nas vésperas do ano novo estava em tratamento médico na região. O Poeta formulou os seus sentimentos de seguinte forma: “Vocês conseguiram se preservar. Nisto reside a vossa força”.

Durante as festividades de Kolyada, os seus participantes recebiam algumas oferendas, geralmente em forma do dinheiro. Os dissidentes planeavam usar estes fundos para ajudar os prisioneiros políticos ucranianos e às suas famílias, uma parte deveria ser aplicada na edição do jornal “O Noticiário Ucraniano”, editado clandestinamente pelo jornalista Viacheslav Chornovil. Mas em breve os fundos colectados (250 rublos ou cerca de 424 USD pelo câmbio oficial da época), tinham que ser usados para o pagamento de advogados durante as perseguições judiciais desencadeadas contra os participantes da Kolyada.

O poder comunista sentia que acusação dos dissidentes em o não seguimento dos princípios ateístas do estado soviético e de celebração das festas religiosas era bastante mesquinha. Para desencadear a onde massificada das prisões era necessário um argumento mais válido, como por exemplo “a revelação da ligação entre a resistência clandestina nacionalista na Ucrânia com as organizações e centros ucranianos no exterior”.

Para o efeito, o KGB desencadeou a operação secreta contra o estudante belga de origem ucraniana, Yaroslav Dovbush. Durante a sua visita a Ucrânia, ele tentou colectar em Kyiv e Lviv samvydav ucraniano, nomeadamente o jornal “O Noticiário Ucraniano” (1970 – 1989), para a sua divulgação na Europa Ocidental, junto do Comité Ucraniano de Auxílio (fundado em 1945 em Bruxelas) e da União da Juventude Ucraniana (SUM), as organizações ucranianas da sua militância cívica.

No dia 4 de Janeiro de 1972 Yaroslav Dovbush foi detido pelo KGB no posto fronteiriço de Chop e acusado de “condução das actividades anti-soviéticas clandestinas agudas”. A notícia sobre a sua detenção foi publicada no diário do partido comunista da Ucrânia, “Ucrânia Soviética”, apenas no dia 11 de Janeiro. Era o tempo necessário para “tratamento” da vítima e a obtenção da “confissão”. Yaroslav Dovbush se declarou oficialmente como agente da OUN e dos serviços secretos ocidentais, foi julgado, fez o pedido da clemência, foi imediatamente perdoado pelo Presídio do Soviete Supremo da URSS e deportado para a Bélgica.

Na Ucrânia a sua “confissão” já no dia 12 de Janeiro de 1972 desencadeou uma acção gigantesca contra os principais líderes da oposição ucraniana. Em Kyiv foram detidos Ivan Svitlychny, Vasyl Stus, Yevhen Sversyuk, Leonid Plyushch e outros. Em Lviv foram levados para a cadeia do KGB na rua da Paz (hoje rua Stepan Bandera, onde funciona o Museu Nacional “Cadeia na Lonckoho”): Viacheslav Chornovil, Iryna Stasiv-Kalynets, Stefania Shabatura, Ivan Hel, Mykhailo Osadchy, Yaroslav Dashkevych. No total, entre os dias 12 – 14 de Janeiro de 1972 foram presas 19 pessoas: onze em Kyiv e oito em Lviv.

Durante as buscas o KGB apreendia os livros, materiais dactilografados, samvydav ucraniano e russo, apontamentos, máquinas de escrever, rádios, bobinas com as gravações, etc. Os detidos eram ameaçados com o fuzilamento, torturas físicas, repressões contra os amigos e familiares. Largamente foi usado o sistema da psiquiatria repressiva, as pessoas que dificilmente poderiam ser acusados judicialmente, eram declaradas loucas e compulsivamente internadas em hospitais psiquiátricos especiais. Também se praticavam os despedimentos laborais e expulsões dos estabelecimentos de ensino.

Mais tarde, o tribunal provincial de Lviv acusou os detidos de “preparação, divulgação e armazenamento da literatura do carácter calunioso, participação no Vertep, o sentimento de inimizade (!) contra o sistema soviético, iniciativa de criação do Comité da defesa da Nina Strokata”.

A maioria foi condenada às penas entre 5 à 7 anos dos campos de concentração em regime fechado, mais três anos de exílio. A pena máxima foi aplicada ao Ivan Hel: 10 anos de campos de concentração, mais cinco anos de exílio, pois essa foi a sua 2ª condenação.

A meta principal das repressões de Janeiro de 1972 era a neutralização da elite intelectual do movimento dissidente, repressão brutal contra os líderes mais activos, no intuito de amedrontar os restantes activistas. No total, em 1972 na Ucrânia foram presos 89 dissidentes (55 deles naturais da Ucrânia Ocidental). Como escreveu a estudiosa do movimento dissidente da URSS, Lyudmila Alexeyeva: “As prisões pareciam como a parte de um plano mais largo de eliminação de identidade nacional dos ucranianos”.

A repressão de 1972 quebrou o hábito de celebrar as tradições ucranianas publicamente, assim como interrompeu a edição massificada do samvydav ucraniano. Mas já na segunda metade dos anos 1970 o movimento dissidente se renovou com a nova dinâmica, optando na sua luta contra o sistema soviético pela defesa pública dos direitos de homem no âmbito dos Acordos de Helsínquia.

* Maria Hryciv é investigadora do Museu Nacional das Vítimas dos Regimes de Ocupação Cadeia na Lonckoho.

Fontes (com fotos e documentos da época digitalizados):
http://www.istpravda.com.ua/articles/2011/01/12/13866
Museu do Movimento Dissidente da Ucrânia

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