O filme documental francês Les Convois de la Honte (Os Comboios da Vergonha, realização do Raphaёl Delpard), exibido recentemente pelo Eurochannel, revela o papel da Société National des Chemins du Fer (SNCF) na deportação de 78.000 judeus (entre eles 11.000 crianças), 38.000 membros da resistência francesa e 20.000 ciganos para os campos de extermínio nazis.
Após a ocupação da França pela Alemanha nazi e consequente criação do estado francês de Vichy, os caminhos de ferro franceses asseguravam a logística do transporte de pessoas indesejadas (judeus, resistentes e ciganos), através do território francês até a fronteira da Alemanha, da onde estas pessoas eram conduzidas para os diferentes campos de concentração nazis espalhados pela Europa.
Em 1940 – 1944 SNCF contava com uma força laboral estimada em 410.000 empregados. Informalmente, os historiadores avaliam que cerca de 10% destes funcionários colaboravam activamente com os nazis, cerca de 10% militavam na resistência gaulista e comunista e a restante “maioria silenciosa” desempenhava as suas funções profissionais sem fazer perguntas e sem se preocupar com o destino das pessoas transportadas.
Não se pode esquecer que os ferroviários franceses eram vigiados de perto por cerca de 6.000 funcionários alemães e que durante a II G. M. os nazis executaram 1.700 trabalhadores de SNCF. Apesar disso, durante toda a operação de deportação apenas um maquinista francês se recusou a cumprir as ordens. No dia 31 de Outubro de 1942, Léon Bronchart se recusou conduzir o comboio que levava as pessoas para uma morte certa. O maquinista foi sancionado economicamente, foi lhe retirado o prémio do desempenho anual, mais tarde ele se juntou à resistência, conseguindo sobreviver a guerra.
Igualmente, em quatro anos de deportações, a resistência franco – belga organizou um único (!) ataque conta o comboio da morte. Aconteceu em 19 de Abril de 1943 em Flandres na Bélgica, quando três (!) jovens estudantes, armados apenas com dois revólveres e uma lanterna interceptaram o comboio de deportados judeus, que transportava 1.636 pessoas. Yora Livschits, Jean Franklemon, Robert Maistriau possibilitaram a fuga dos 232 passageiros, ou seja 1/7 de todas as pessoas transportadas. Eles não eram nem os sacanas, nem sem lei, nem mereceram (até agora) um filme sobre o seu acto real.
Isso por sua vez leva a fazer uma pergunta simples. Será que a resistência francesa ou os aliados sabiam sobre o Holocausto em curso? Membro da resistência não comunista polaca, Jan_Karski, duas (!) vezes conseguiu entrar no gueto da Varsóvia, depois atravessou toda a Europa em guerra e em 1943 se reuniu durante duas horas com o presidente dos EUA Franklin Roosevelt. No mesmo 1943, a resistência não comunista polaca elaborou o documento, que apontava para cerca de 3 milhões de judeus, exterminados até aquela data pela Alemanha nazi. O documento foi enviado para o Governo de França Livre do General de Gaulle e para todas as publicações clandestinas da resistência gaulista. Nenhuma publicação divulgou aquela informação...
Historicamente, é possível explicar a indiferença e a falta de acção da resistência gaulista por três pontos essenciais: a) fraco poderio militar nos territórios ocupados; b) opção ideológica em não distinguir os judeus entre a restante população francesa; c) medo do que a distinção especial das vítimas judeus poderia reforçar a propaganda anti-semita nazi.
Após o fim da II G. M., o estado francês criou o conceito de “parênteses de Vichy”, que consistia em declarar que a “França de Vichy é nula, nunca existiu (juridicamente)”, nas palavras do de Gaulle. Desta maneira França pretendia reforçar a unidade nacional, apagar a diferença aqueles que colaboravam com os nazis, os que militaram na resistência e a “maioria silenciosa”, cujo comportamento era pouco heróico.
Do mesmo modo, nenhuma palavra sobre o extermínio dos judeus foi publicada em toda a imprensa clandestina comunista, à começar pela L’Humanité, a voz oficial do partido comunista francês. Alias, a central sindical Confédération Général du Travail (CGT), na altura controlada pelos comunistas e muito activa na SNCF, recebeu em 1940 a ordem expressa do PC francês em não se envolver na lógica geral da resistência. Por sua vez, os comunistas receberam essa ordem directamente de Moscovo, após a assinatura do Tratado de não agressão germano – soviético. Apenas após a entrada da URSS na II G. M., as estruturas da CGT e toda a rede comunista francesa receberam a permissão de Stalin em se juntar na luta conjunta contra a Alemanha nazi. Após o fim da II G.M., os comunistas bloqueavam os inquéritos sobre o papel da liderança da SNCF na colaboração com a Alemanha nazi à troca de quatro lugares extras no Conselho Directivo da empresa.
O último comboio de extermínio (autorizado pelo responsável de Vichy Maurice Papon e tecnicamente assegurado pela SNCF) partiu da França no dia 9 de Agosto de 1944. No dia 12 de Agosto SNCF apresentou a factura deste transporte ao governo de Vichy, que acabou por ser paga em 1945...
Nenhum responsável do SNCF foi julgado ou responsabilizado pelos seus actos judicialmente. Algumas vezes os tribunais franceses declaravam ser fora da sua competência julgar este tipo de casos, outras vezes declaravam estes casos como proscritos.
@ Ucrânia em África
(Entre parênteses: não devemos esquecer que neste momento decorre o julgamento do John (Ivan) Demjanjuk, soldado ucraniano do exército soviético, acusado pelo tribunal alemão de colaboração no extermínio de judeus pelos nazis alemães. Como exactamente ele colaborava nisso? Alegadamente, Ivan Demjanjuk operava o gerador, que produzia CO2, que sufocava as pessoas até a morte. Escusado será dizer que a empresa que montou este gerador dentro do campo de concentração nazi, que prestou a assistência técnica e afim, não está presente no julgamento).
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