domingo, março 09, 2025

Giorgio Scerbanenco: o pai ucraniano da literatura policial noir italiana

Giorgio Scerbanenco é um escritor italiano com a biografia bastante invulgar: nascido na Ucrânia, com o nome italiano e apelido ucraniano, considerado, por muitos, de pai-fundador da literatura policial noir italiana. 

Na Itália foi publicado um livro sobre Giorgio Scerbanenco. O seu autor é um jornalista milanês – Alessandro Trocino. Chama-se: “Scerbanenco em Milão”. Subtítulo: «O pai do noir italiano». 

O maior sucesso de Scerbanenco é a quadrilogia com o detetive milanês Duca Lamberti. São quatro romances: “Uma Vénus Privada” (a edição portuguesa), depois “Traidores por Vocação” (no original – “Traditori di tutti”). 

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O terceiro romance chama-se “Jovens Sádicos” (em italiano “I ragazzi del massacro”, em baixo, o filme, baseado naquele texto, que pode ser visto no YouTube). O último romance, que foi publicado no ano da morte do escritor, é “Os Milaneses Matam aos Sábados” (I milanesi ammazzano al sabato). 

Scerbanenco também se tornou famoso graças à cinematografia. Um filme muito popular dos anos setenta, “Milan Caliber 9”, é sobre o sub-mundo criminoso da cidade de Milão. Tarantino citou este filme de 1972 como um daqueles que fazem parte da genealogia da sua própria obra. 

O autor Alessandro Trocino descreve os locais onde o próprio Scerbanenco viveu, onde o seu herói Duca Lamberti andou e investigou crimes, o que comeu, o que bebeu e em que tabernas, com quem se encontrou. Acontece que há tours que acontecem em Milão e normalmente começam numa praça, a Piazza Leonardo da Vinci. Há uma casa lá onde supostamente viveu o herói de Scerbanenco, Duca Lamberti. Hoje alberga um bar popular, a que os habitantes locais chamam simplesmente “pub”. As excursões pela Milão criminal começam na Piazza Leonardo da Vinci, à partir deste mesmo “pub”. 

Alessandro Trocino, autor de um livro sobre Giorgio Scerbanenco, apresenta o seu herói da seguinte forma: 

Ele dactilografava curvado, com os antebraços pressionados firmemente contra o corpo, os dois dedos indicadores dobrados como martelos, batendo rapidamente no teclado. Na salade estar havia sempre um gira-discos americano ligado, no qual era possível colocar uma dúzia de discos de vinil de 45 rotações de uma só vez. Um gato de Bengala chamado Bellogatto [que significagato bonito] estava sempre presente. Nas estantes há livros de referência sobre armas de fogo portáteis, livros de Bertrand Russell, William Faulkner, um relatório sobre o bombardeamento de Dresden,coleções sobre filosofia e matemática. Fumava exclusivamente cigarros Ed Lawrence, com tabaco egípcio.” 

Claro que, como é habitual, foram feitas várias perguntas ao Alessandro Trocino: por que razão a fama chegou ao escritor só agora e por que razão foi tratado com condescendência na sua época. Trocino explicou que Scerba (esta é a versão abreviada, Scerbanenco é difícil para os italianos) alcançou a fama e o sucesso comercial só agora, pois surgiu no momento errado e com os textos «errados». 

Como deve ser entendido? O seu último livro publicado em vida, um livro muito popular, saiu em 1969. A revolução europeia de 1968 ainda estava a acontecer. Por isso que a geração italiana da década de 1970 não leu Scerbanenco, que era considerado um autor de direita, quase fascista, o que não é verdade. Depois ele não entrou no clube dos grandes e maravilhosos escritores italianos daquela época, como Alberto Moravia ou Leonardo Sciascia, porque escreveu literatura de género, que era então considerada “quase literatura”, paraliteratura. Escreveu romances, ficção científica e westerns. Bem, é claro que se tornou famoso como escritor de romances policiais. Além disso, chegou à literatura vindo do jornalismo, e os jornalistas, em geral, não eram muito bem-vindos no Olimpo literário italiano. 

O seu pai, morador de Kyiv, era professor de latim no ginásio e ainda jovem, em Roma, em viagem de negócios, apaixonou-se por uma mulher romana, Leda Giulivi, casando-se na Igreja Ortodoxa russa em Roma em 1909: Valerian Scherbanenko, cidadão russo, estudante ortodoxo, pertencente à pequena burguesia, casou com uma mulher católica romana, Leda-Maria Giulivi. O próprio Giorgio, no entanto, nasceu três anos depois em Kyiv e foi batizado nas margens do rio Dnipro com o nome de Volodymyr. 

O filho do escritor, Alberto Scerbanenko, que vive na Suíça, explica que, de facto, não se ver a herança ucraniana na obra de Scerbanenco, embora o próprio Giorgio, no seu curto ensaio autobiográfico, tenha descrito os anos trágicos da revolução bolchevique no império russo.

Em 1920, Leda Giulivi, quando perdeu o marido nesse turbilhão revolucionário, decidiu ir para a cidade de Kyiv, já sob ocupação soviética, levando consigo o pequeno Giorgio. Na verdade, de acordo com o seu passaporte, ele nasceu Volodymyr. Por vezes, assinava a sua correspondência como Volodya – o seu primeiro nome diminuitivo, já que Giorgio é um pseudónimo literário, que tem o nome do seu falecido irmão. 

Leda Giulivi, chegou a Kyiv, onde soube que o seu marido tinha sido executado. Não é muito claro quem o matou, mas, segundo testemunhas oculares, terão sido os bolcheviques. Regressaram a Itália, no clima de uma grande aventura (ficaram num campo de refugiados em Odessa, não eram libertados, já que não tinham os documentos apropriados e foram parar a Constantinopla). Scerbanenco já tinha 8-9 anos e mais tarde descreveu isso tudo num ensaio. Este, de facto, é o seu único texto sobre as suas raízes ucranianas.

O filho do escritor, Alberto Scerbanenko, também escreveu um livro sobre o pai. Em particular, o Alberto publicou um documento incrível sobre a questão das raízes. Acontece que após a morte de Giorgio, em 1971, a sua viúva dirigiu-se ao consulado soviético em Milão e deixou um pedido para procurar familiares do marido. Ela não recebeu qualquer resposta. Ainda hoje não se sabe ao certo que aconteceu ao pai do Giorgio, nem porque é que o futuro escritor se quis repatriar para a URSS em 1933 (aos 22 anos de idade), o que felizmente foi lhe negado. 

Alberto Scerbanenko: «As Cinco Vidas de Giorgio Scerbanenco» (2019).
Os apelidos do pai e filho se escrevem de forma diferente.

Durante a apresentação do seu livro, Alessandro Trocino utilizou constantemente o termo literário “giallo”, chamou “giallista” a Scerbanenco. Em Itália, “giallo” é um termo exclusivamente literário. Foi assim que começaram a chamar às histórias de ficção policial, que a maior editora, a Mondadori, começou a publicar em capa mole amarela no final da década de 1920. À partir dos anos 1930, todos as histórias policiais passaram a ser chamados de “giallo”. Sob o regime de Mussolini, o “giallo” foi proibido; só após a queda do regime fascista, o giallo voltou a florescer. 

O surpreendente é que Trocino no seu título, chamou o “giallista” Scerbanenko do pai do noir italiano. O noir em Itália é novamente um género literário que difere do género policial habitual, pois a personagem principal não é necessariamente um investigador criminal, um detetive, mas, as vezes é uma vítima ou até um assassino. 

O livro do filho do escritor continha muitas informações úteis, Alberto realizou uma catalogação completa dos pseudónimos do seu pai. Acontece que o nosso prolífico autor usou 45 pseudónimos! Alberto compilou então, as suas estatísticas — o que o seu pai tinha publicado.  

Giorgio Scerbanenco ao trabalho

Categoria: romances: 92 romances, 26 foram publicados sob pseudónimos. A seguir estão os contos, mais uma vez, um número surpreendente – 1380 histórias! Depois, há categorias como ensaios filosóficos, coletâneas de poesia, peças de teatro, radionovelas, fotonovelas, histórias televisivas e, no total, o filho contou 4.016 obras do pai. 

Do livro de Alberto Scerbanenko: “As cinco vidas de Giorgio Scerbanenco”, Milão, Editora Feltrinelli, 2019: 

«Para ganhar a vida, Giorgio Shcherbanenko trabalhou em diversas áreas, tendo depois entrado no mundo editorial, colaborado com grandes jornais e editado as revistas femininasBella e Novella. Os seus romances estabeleceram-no como um dos maiores contadores de histórias do género, com contos de negócios obscuros e mortes estranhas, de casos sombrios e desesperadores que inspiraramos melhores filmes italianos. Neste livro, o autor encontra um homem, um exilado e possivelmente um espião. O principal é que ele encontre o Pai

Alberto Scerbanenko, dividiu a vida do pai em cinco períodos, daí o título do seu livro: “Cinco Vidas”. A primeira vida – do nascimento à fuga do colapso do império russo para Itália. Assim, a sua segunda vida foi estabelecer-se em Milão em 1927 e trabalhar em áreas completamente diferentes: em bazares, como varredor e como barman, mas depois gradualmente entrou para o jornalismo. Esta é a segunda vida. A terceira vida é a fuga para a Suíça e o período do pós-guerra. Fugiu do fascismo, refugiou-se na Suíça neutra em 1943, depois regressou e continuou como jornalista. A quarta vida é a vida burgesa. Esta foi a década em que Scerbanenco se tornou uma figura literária bastante abastada, embora ainda fosse difícil chamar-lhe escritor. A última, quinta vida, é a fama internacional, já como escritor, desde 1960 até à sua morte em 1969, quase 10 anos. Na auge da sua fama internacional, com apenas 58 anos, Giorgio Scerbanenco morreu, tendo mal conseguido publicar o seu último e quarto romance sobre Duca Lamberti. 

Na Internet, nas publicações, em vários sites, aparece um nome de Cecilia Scerbanenco, a sua filha. Acontece que após dez anos de casamento, o escritor deixou a sua esposa Teresa Scerbanenco-Bandini, a mesma que mais tarde foi para o consulado soviético, e o filho pequeno. E depois teve, uma outra mulher; mas não conseguiu divorciar-se da sua primeira e formalmente última mulher. Casaram-se na igreja católica; praticamente não havia divórcios naquela época. 

Como resultado, viveram juntos durante muito tempo e desta parceria nasceram duas meninas, que Giorgio adotou legalmente. Isso não foi fácil, pois exigiu a autorização da sua esposa oficial, Teresa, com quem esteve casado para sempre. Assim apareceram duas meninas com o apelido de Scerbanenco. 

De alguma forma o apelido Scerbanenco é, em geral, também um pseudónimo, uma vez que nos livros se escreve com “c” (Scerbanenco), mas deveria ser como nos documentos, com “k” (Scerbanenko). Descobriu-se que existem realmente duas versões do apelido do escritor escritas em latim. Todos os seus romances começam por “c” (Scerbanenco). E as suas duas filhas foram registadas com “c”. Uma delas, Cecília, que se destacou, publica os romances do pai com o mesmo nome, Scerbanenco. O nosso Alberto publicou a sua obra biográfica, ao que parece, com um apelido diferente, com “k” (Scerbanenko). 

A filha Cecília está à vista de todos. Ela viaja até Kyiv e fundou o prémio literário para o melhor detetive italiano, batizado em homenagem a Giorgio Scerbanenco. Cecília, uns meses antes de Alberto, publicou um livro biográfico sobre o seu pai, que hoje se posiciona em todo o lado como a primeira biografia do escritor. 

O livro de Cecilia Scerbanenco:
«O Fabricante de estórias. A vida de Giorgio Scerbanenco», 2018.

Alberto Scerbanenko publicou um documento impressionante, com o qual começa realmente o seu livro, que impressiona o leitor. Um texto estranho que Giorgio Scerbanenco escreveu quando tinha 27 anos. Neste texto descreve a sua autodestruição. E retrata-se pessoalmente como uma espécie de robô, que se está gradualmente a desintegrar em pó, pedaço a pedaço. 

Uma nota de 1938, descoberta por Alberto Shcherbanenko no arquivo do seu pai.

A destruição de Giorgio Scerbanenco começou a 19 de novembro de 1929.

Scerbanenco, construído em 1911 segundo o modelo linear-linfático longo, com um intelecto pronto, ainda não estava concluído em todos os detalhes (os seus instintos e estrutura musculoesquelética não receberam os certificados necessários). (...) Um dia, a senhora Della Falce, ao passar pela casa onde vivia Giorgio Scerbanenco, viu o seu esqueleto envolto num tecido precioso e levou consigo esse tecido. Estávamos a 6 de dezembro de 1969.”

É surpreendente que o autor desta nota tenha mencionado o ano exato da sua morte, tendo-se enganado em apenas alguns meses. As datas fornecidas para o início da destruição – 1929, e a renúncia à consciência em 1938 – não são explicadas na publicação. 

O destino do Giorgio Scerbanenco é muito interessante. Um estudante apaixonado, em Roma, numa igreja russa casa com uma mulher romana, regressam juntos a Kyiv, e depois – uma história quase policial. A sua mulher, juntamente com o pequeno Volodya, regressa a Itália, por algum motivo desconhecido, e a ligação com Valerian Afanasyevich Shcherbanenko é quebrada para sempre. Não responde a cartas, não sabemos mais nada sobre ele. A esposa dele está à sua procura. 

Leda Giulivi chegou à contactar a embaixada soviética em Roma, com um pedido para encontrar o marido. E em Kyiv, em 1916, foi publicada um pequeno anúncio nem jornal local, dizendo que uma esposa italiana estava à procura do seu marido de Kyiv, e aqueles que conheciam Valerian Afanasyevich, por favor, avisem-no sobre isso. Estamos no final de 1916. Após a revolução, Leda Giulivi chegou a Kyiv já “vermelha” com o seu filho, à procura do marido desaparecido, não o encontrou, regressou a Itália e contou a todos que ele foi brutalmente morto pelos bolcheviques, executado, no pátio do ginásio juntamente com as crianças da escola. Os próprios bolcheviques não admitiram este crime. 

Estranhamente, nunca ninguém investigou as circunstâncias exatas do desaparecimento e morte de Valerian Afanasyevich. Quem o matou e porquê? Vermelhos porque era branco, ou brancos porque era vermelho? Foram os ucranianos? Alemães? Polacos? Talvez tenha sobrevivido e desapareceu adotado um pseudónimo? Fugiu com uma nova mulher, com a nova companheira? Ainda não sabemos nada sobre isso, e talvez um novo «giallo» ou noir seja lançado sobre o caso.

sábado, março 08, 2025

A Guerra de Outros: mercenários ao serviço da rússia

O documentário do Daniel Berger relata histórias de duas famílias quirguizes cujos filhos morreram na guerra colonial russa contra Ucrânia. A sua dor distorce o mundo ao ponto de nada fazer sentido – as atividades manuais têm a sua própria lógica que pode oferecer um alívio quando nada mais o fará. Cada acção quotidiana parece ajudar os pais a esquecer que a morte dos seus filhos na guerra de outros simplesmente foi em vão. 

“Vivemos em silêncio, mas não há alegria, há uma espécie de vazio”, explica o pai de Rustam ao autor silencioso do filme nos bastidores. O filhotinha vinte anos quando se alistou no exército e foi para a frente de combate na esperança de obter a cidadania russa. Vinte dias depois foi morto. 

O pai do falecido deambula sem rumo pelas instalações desertas da escola fora do horário escolar. Preenche o vácuo, criando um verdadeiro altar à memória do filho. «Dever Militar», «Honra e Destino», «Lembramo-nos! Estamos orgulhosos!» — como se estes slogans rotineiros fossem feitiços na iconóstase, pendurados com retratos e medalhas. Não há nenhuma pessoa viva na tela, nem sequer o seu fantasma aparece, apenas um traço quase imperceptível — nas palavras confusas dos pais a tomar chá numa mesa ricamente posta, tendo como pano de fundo um bonito tapete oriental. 

Outro soldado, Egemberdi, conseguiu obter a cidadania russa e foi convocado de imediato. Quatro meses depois, foi obrigado a assinar um contrato e enviado para a frente de combate, onde morreu doze dias depois. Agora a família abate o carneiro e decide quem vai recitar o Corão enquanto o sangue do animal corre. O texto da oração pede “proteger a nossa terra das guerras e dos infortúnios”. 

O 5º Festival Internacional do Cinema documentário Artdocfest ocorrereu em Riga de 1 à 8 de março de 2025. Para mais detalhes, visite www.artdocfest.com 

Blogueiro

Um mercenário do Azerbaijão, ao serviço dos ocupantes russos, que perdeu a perna e as mãos na Ucrânia, queixou-se de que foi enganado e não recebeu a cidadania russa, ora lhe prometida. Agora sobrevive no hospital sem pagamentos, nem benefícios. Os ocupantes russos o usaram e depois simplesmente abandonaram.

@kazansky2017

Crime de guerra russo na cidade de Dobropillya

O exército russo atingiu o centro da cidade de Dobropillya, na região de Donetsk, com dois mísseis balísticos. Depois dos nossos serviços de emergência terem chegado ao local, lançaram outro ataque, visando deliberadamente os socorristas. Esta é uma tática de intimidação vil e desumana frequentemente utilizada pelos ocupantes russos.

Tragicamente, neste momento, foram confirmadas 11 pessoas mortas. Mais de 30 pessoas ficaram feridas, incluindo 5 crianças. Oito prédios de apartamentos de cinco andares, uma instalação administrativa e um camião de bombeiros foram danificados.





Todos os serviços públicos, polícia, pessoal do Serviço de Emergências e médicos que, apesar da ameaça de repetidos ataques, continuam destemidos e estão a salvar as pessoas deste terror, defendendo as vidas enquanto arriscam as suas.

Tais ataques mostram que os objectivos da rússia não mudaram. Por conseguinte, é crucial continuar a fazer o nosso melhor para proteger vidas, reforçar as nossas defesas aéreas e aumentar as sanções contra a rússia. Tudo o que ajude putin a financiar a guerra deve entrar em colapso.

Este é o segundo ataque em dois dias. O primeiro foi anteontem, mas não foi tão devastador. Anteontem os russos atacaram a periferia da cidade. Primeiro, chegaram as bombas guiadas KAB, e depois foram lançados os rockets de munições de fragmentação sobre a cidade, provavelmente um «Tornado». Qual é o sentido de atingir as cidades com sistemas de fogo simultâneo? É uma pergunta retórica.






Ontem, foi atingido o centro da cidade de Dobropillya. Bombas KAB, depois rockets «Tornado». Depois disso algum drone do tipo «Shahed-136» (ou algo parecido), propositadamente para atingir aqueles que estavam a limpar os escombros. Atingiram deliberadamente a área mais populosa e depois atacaram os socorristas. Não é preciso dizer que se trata de um genocídio deliberado de civis ucranianos. 

Mais fotos do Yan Dobronosov

quinta-feira, março 06, 2025

Um prato de borsch ucraniano pela morte do ditador soviético

Foto: cdn-s-static.arzamas.academy
A 5 de março de 1953, o líder soviético Iosif/Jose Estaline morreu. Enquanto os comunistas lamentavam a morte de um dos ditadores mais brutais do século XX, o restaurante «1203», em Washington, servia o borsch gratuito, para celebrar este acontecimento.

As fotografias foram tiradas no restaurante em Washington, DC, propriedade de Robert «Bob» Siedel. O seu restaurante ficava na Avenida Pensilvânia, 1203, daí o nome. O cartaz foi colocado após a morte do ditador soviético, ocorrida a 5 de março de 1953. Um fotógrafo da imprensa tirou as fotografias da empregada de mesa Eileen Keenan a oferecer um prato a um homem à entrada. A foto foi publicada a 9 de março de 1953, no jornal The News-Herald, publicado em Franklin, Pensilvânia.

Foto: cdn-s-static.arzamas.academy

Apesar da versão popular na Internet, Bob Seidel não pertencia à diáspora ucraniana. Simplesmente revelou-se um empresário inteligente que decidiu celebrar a morte do tirano soviético oferecendo um prato gratuíto de borscht aos clientes do seu restaurante. Em 1953 ele avisou os meios de comunicação locais, que registaram aquele dia para a história. Siedel também usuou vários outros esquemas das RP para chamar a atenção para o seu negócio. Morreu em 1970.

Ler mais sobre a promoção organizada pelo proprietário do restaurante «1203» em Washington no texto em ucraniano → https://bit.ly/4bpkOKE

segunda-feira, março 03, 2025

Donald Trump na sua luta contra a ciência: o caso Sharpiegate

A 1 de setembro de 2019, quando o furacão Dorian se aproximava dos Estados Unidos, Trump decidiu alertar as pessoas. No Twitter, escreveu heroicamente que o perigo aguarda a Florida, a Carolina do Sul, a Carolina do Norte, a Geórgia e... ao Alabama. O único problema era que o Alabama não corria qualquer perigo naquela altura. Mas quem vai verificar as pequenas coisas?

Habitantes do Alabama, claro! Começaram a ligar em massa para o serviço meteorológico local a perguntar: «Isto é verdade?!» Ao que os meteorologistas responderam educadamente: «Olá, não! O Alabama está fora de jogo!».

Em vez de o admitir calmamente o seu erro, Trump decidiu agir. Poucos dias depois, mostrou aos repórteres um mapa de previsão de furacões no qual alguém tinha desenhado um arco para que o Alabama ficasse abrangido pela zona de furacões.

Houve até um funcionário da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), Neil Jacobs, que fez uma declaração dizendo: «Bem, teoricamente, pode haver alguns ventos ali». A comunidade científica não gostou da ideia, e começou uma investigação dentro da agência: quem obrigou os cientistas a encobrir as previsões com um marcador? Porque falsificar previsões meteorológicas oficiais nos EUA é punível com multa ou até 90 dias de prisão. Em junho de 2020, uma investigação interna descobriu que Neil Jacobs violou o código de ética da NOAA ao apoiar a declaração de Trump (ver Sharpiegate).

Em 2025 há despedimentos em massa na NOAA  800 funcionários já perderam os seus empregos, e isto é apenas o início. Quase todos os departamentos da agência foram afetados: especialistas em clima, investigadores de furacões, oceanologistas, investigadores de ondas de tsunami, especialistas em biodiversidade, investigadores climáticos, engenheiros e programadores.

Sabem quem é o novo lider da NOAA? Acho que já adivinharam: o herói de Sharpiegate, Neil Jacobs.

Teme-se que, à partir de agora, a metodologia do marcador preto se torne, nos EUA, a principal ferramenta para a previsão de furacões, tsunamis e alterações climáticas.

domingo, março 02, 2025

Zelensky na Casa Branca: o confronto entre um herói e um covarde

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky escolheu uma posição de princípio sobre a paz e não concorda com «acordo de rendição» que possa dar uma vantagem injusta à rússia. Zelensky defende uma paz justa e duradoura que tenha em conta os interesses dos ucranianos.

Após o encontro falhado com Trump, os líderes mundiais manifestaram apoio ao Zelensky e à Ucrânia, sublinhando a necessidade de continuar a assistência e combater a agressão russa.

No meio da intensa pressão dos políticos norte-americanos, o presidente da Ucrânia não se permitiu ditar condições a partir de uma posição de força, enfatizando a experiência histórica de fracassos nas negociações com a rússia.

Até os políticos nos EUA vêem Zelensky como um líder forte. O senador norte-americano Adam Schiff da Califórnia caracterizou a reunião na Casa Branca como um confronto entre um herói (Zelensky) e um covarde (Trump).

A Europa, como sempre, demonstra a sua unidade. Os líderes da Alemanha, França e Polónia declararam firmemente que a Ucrânia não será deixada sozinha, mesmo apesar das possíveis mudanças no rumo político dos EUA.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, está do lado da Ucrânia. Portugal e Lituânia ocupam as mesmas posições.

Josep Borrell: “Trump e Vance fizeram um espetáculo vergonhoso. Tenho vergonha deste comportamento. Os EUA merecem algo melhor. O mundo livre deve apoiar a Ucrânia. «Fui e continuo a apoiar Zelensky.»
Como os americanos atribuem as responsabelidades ao sucedido na Casa Branca

Zelensky não cede à exigência de garantias de segurança para a Ucrânia, entendendo que um simples cessar-fogo sem compromissos por parte da Rússia é inaceitável e levará ainda mais à continuação da guerra. Apesar do conflito diplomático, Zelensky continua o diálogo com os parceiros ocidentais, incluindo conversações planeadas em Londres.

Sir Winston Churchill na Casa Branca, 1943

A visita de Zelensky a Washington, apesar das tensões, não fechou a porta a novas negociações com os Estados Unidos. Zelensky provou que não sucumbe à pressão mesmo em negociações difíceis e continua a lutar pela Ucrânia em todas as frentes diplomáticas.

Durante o seu encontro com Trump, Zelensky explicou claramente que a diplomacia com a rússia não funciona desde 2014. Além disso, o Presidente da Ucrânia (mesmo sob intensa pressão) não permitiu que os crimes da federação russa fossem minimizados, explicando que putin odeia a Ucrânia.

O ex-conselheiro do presidente dos EUA, John Bolton: Trump e Vance não refletem a opinião da maioria dos norte-americanos. A posição expressa a favor da Rússia é apenas uma opinião pessoal.

Bónus

A grande petrolífera norueguesa, a Haltbakk Bunkers, deixou de servir navios da Marinha dos EUA e está a pedir às empresas europeias que façam o mesmo.

«Hoje assistimos à maior farsa alguma vez transmitida 'em directo' pelo actual presidente dos EUA e pelo seu vice-presidente. Grande respeito pelo Presidente da Ucrânia pela sua resistência e calma, mesmo apesar do facto de os EUA terem feito um espectáculo televisivo furtivo. Isso deixou-nos enojados. 

Resumidamente e directamente ao assunto: decidimos INTERROMPER imediatamente o fornecimento de combustível às forças dos EUA na Noruega e aos seus navios que atracam nos portos noruegueses.

«Não há combustível aos americanos!»

Apelamos a todos os noruegueses e europeus para que sigam o nosso exemplo. GLÓRIA À UCRÂNIA!

sábado, março 01, 2025

⚡ Volodymyr Zelensky numa entrevista exclusiva à Fox News

Após o comportamento incrivelmente baixo e desrespeitoso, por parte da dupla dos inquilinos da Casa Branca, o Presidente da Ucrânia deu uma entrevista ao canal americano Fox News, onde mais uma vez tentou explicar a posição ucraniana.

«Quando se fala de um milhão de perdas, não temos um milhão de perdas. E quando se mencionam territórios, sim, algumas áreas foram tomadas, mas não é só terra. Estas são casas. Estas são as vidas das pessoas, os seus pais, mães, familiares, avôs, muitos dos quais morreram. Durante esta guerra, ninguém quer perdoar Putin. Isto não é uma piada, não é um conto de fadas. Isto é a vida real. Foi o que eu disse. E ainda assim, mesmo depois de discutir vezes com os meus amigos próximos que estavam aqui hoje, continuam a dizer as mesmas coisas.

A postagem do presidente da Ucrânia já após a «recepção» na Casa Branca

A nossa relação vai para além do Presidente — está enraizada nos laços profundos e históricos entre as nossas nações. É por isso que começo sempre por expressar gratidão ao povo americano em nome do povo ucraniano. Isso é o que mais importa. E, claro, estamos gratos ao Presidente e ao Congresso, mas antes de mais — ao povo americano. O seu povo ajudou a salvar o nosso povo. As pessoas estão em primeiro lugar, os direitos humanos estão em primeiro lugar. Isso é incrivelmente importante, e estamos muito gratos», Volodymyr Zelensky, respondendo à pergunta de Bret Baier sobre relações com Trump podem ser salvas após a reunião de hoje.

Blogueiro

Como escreveu o blogueiro ucraniano Max Kolesnikov (@mx_kolesnikov , o militar ucraniano, que passou 1 ano nas masmorras russas, o famoso jovem da foto no dia da troca dos POW que ficou emocionado à ver uma maça):

Você entende que um aliado ou parceiro ou pelo menos um mediador não se comporta assim nas negociações? O aliado, o parceiro não fala publicamente na presença da imprensa que você é fraco, que você não tem cartas nas suas mangas, que você não aguentará sem ajuda.

Foi uma tentativa de capitulação coercitiva.

sexta-feira, fevereiro 28, 2025

As purgas soviéticas da liderança comunista da Ucrânia

A 26 de fevereiro de 1939, em Moscovo, na sequência das decisões do Colégio Militar do Supremo Tribunal da URSS, foram executados os mais proeminentes dirigentes da Ucrânia Soviética e do partido comunista (bolchevique) da Ucrânia Soviética do início da década de 1930: Pavlo Postishev, Stanislav Kossior e Vlas Chubar.

Foram figuras centrais da política soviética e de russificação na Ucrânia durante o Holodomor de 1932-1933, a coletivização e as repressões em massa. Todos os três foram acusados ​​de “atividades contrarrevolucionárias”, “participação em organizações anti-soviéticas” e “atividade criminosa”. Foram presos em 1938 como parte da “grande purga” iniciada por Estaline para eliminar quadros-chave do partido.

A execução fez parte de uma campanha de grande escala para minar a elite do partido, que participou nas repressões, mas que se tornou vítima das mesmas. A estratégia de eliminação do polaco/polonês Kosior, russo Postishev e ucraniano Chubar tornou-se a fase final das represálias contra a maioria dos líderes da Ucrânia Soviética, entre os quais Mykola Skrypnyk, Panas Lyubchenko e outros que já tinham sido fuzilados. Em 1956-1957, durante a política de desestalinização, todos os três foram reabilitados postumamente e, em 2010, foram considerados, pela Procuradoria-Geral da Ucrânia, os responsáveis de genocídio (Holodomor) na Ucrânia.

terça-feira, fevereiro 25, 2025

Perdas russas na Ucrânia: 10 vezes mais do que a URSS no Afeganistão

A guerra russa em grande escala contra Ucrânia dura há exactamente três anos. A rússia paga um preço elevado pela guerra colonial iniciada por regime do Putin. Cerca de 160–165 mil soldados, oficiais, militares contratados, mobilizados e outros russos já morreram nessa guerra. 

Este número é uma estimativa estatística do excesso de mortalidade masculina durante a guerra, obtida pelas equipas Meduza e Mediazone. É o resultado da comparação e análise de documentos específicos: as listas de nomes dos mortos, compiladas pelos voluntários desde o início da invasão, e o Registo de Casos de Herança, que publica informação sobre todos os testadores russos. A estimativa não inclui cidadãos de outros países que lutaram ao lado da rússia, incluindo residentes de Luhansk, Donetsk e outras regiões ocupadas da Ucrânia. O número também se limita aos mortos e não inclui os feridos: mesmo os ferimentos graves, se não levarem à morte, não estão refletidos nas estatísticas de casos de herança e nas listas memoriais. Apesar de todas as limitações, esta estimativa é a mais fiável que se pode dizer sobre as perdas totais da rússia até à data. 

A que levaram três anos de invasão da Ucrânia? Principais conclusões do estudo 

Ao longo dos três anos de guerra, o seu carácter alterou-se muitas vezes, o que se reflectiu tanto na dinâmica do avanço das partes como nas perdas que o acompanharam. 

A conclusão mais geral que se pode retirar dos resultados do confronto de três anos é que as perdas do lado russo aumentaram de ano para ano. Durante os primeiros três meses da guerra, as forças armadas russas perdiam cerca de 40 a 60 pessoas por dia e, no mesmo período de 2024, já eram 250 pessoas. Esta dinâmica de perdas praticamente não se refletiu no mapa das operações de combate. No total, a rússia perdeu quase o dobro de pessoas mortas em cada ano subsequente do que no ano anterior. 

  • Em 2022, cerca de 20.000 russos morreram na guerra.
  • Em 2023, a estes juntam-se aproximadamente 50 (de 47 para 53) mil mortes.
  • Em 2024, o número de perdas aproxima-se dos 100 mil.

A última estimativa, a menos precisa de todas as fornecidas, poderá ser ainda mais refinada no futuro - isto deve-se às especificidades do método. Em suma, quanto mais tempo passa desde os combates, mais dados se acumulam e com mais precisão podemos estimar o excesso de mortalidade masculina. Os menos precisos são os seis meses mais próximos da data da análise, quando os nomes dos falecidos no Registo de Casos de Herança ainda estão muito incompletos. Embora neste caso possamos estimar com relativa precisão a alteração da dinâmica de acumulação de perdas. 

Além disso, o serviço russo da rádio BBC identificou os nomes de 95.026 ocupantes que foram eliminados na frente de batalha na Ucrânia desde fevereiro de 2022. São aqueles que foram identificados pelos seus nomes. Esta lista não inclui militares russos desaparecidos.

Em cada 10 militares liquidadas que combateram ao lado da federação russa, três vem do sistema prisional russo e outras duas são residentes nos territórios ocupados pela rússia nas regiões de Donetsk e Luhansk. Algures aqui está a resposta para o motivo pelo qual as grandes perdas não são tão dolorosas para a federação russa. Regime russo descarta aqueles de quem não sentem pena.

As perdas reais da federação russa são, obviamente, muito superiores às que podem ser estabelecidas através de fontes abertas. A análise de cemitérios russos, memoriais de guerra e obituários pode cobrir entre 45% e 65% do número real de mortes.

Com base na estimativa acima, o número real de baixas militares russas pode variar entre 146.194 e 211.169. E tendo em conta as perdas das partes ocupadas das regiões de Donetsk e Luhansk, o número total de mortes do lado russo pode variar entre 167.194 e 234.669 pessoas.

Em três anos da guerra na Ucrânia, a rússia perdeu sensivelmente 11 vezes mais pessoas que a União Soviética perdeu em 10 anos da sua guerra no Afeganistão. 

Oficialmente, a rússia reportou as suas perdas pela última vez em setembro de 2022. O Ministério da Defesa russo reconheceu a perda de quase 6 mil mortos. 

Ucrânia reportou as suas perdas pela última vez em dezembro de 2024. O Presidente Volodymyr Zelensky reconheceu a morte de 43 mil soldados e oficiais ucranianos. Os especialistas ocidentais acreditam que este número está provavelmente subestimado. 

O site anónimo, possivelmente russo, Ukraine Losses mantém uma lista de perdas ucranianas com base em fontes abertas. Atualmente contém cerca de 70.400 nomes. O serviço russo da BBC verificou esta base de dados através de uma amostragem aleatória de 400 registos e descobriu que é bastante fiável. A lista de vítimas ucranianas é provavelmente mais completa do que a lista semelhante russa, porque os decretos do presidente da Ucrânia sobre condecorações póstumas dos militares não são confidenciais, ao contrário do que acontece na rússia.

Militares ucranianos regressaram ao campo de batalha após amputação

O militar ucraniano Andrii Rubliuk dos serviços de informação militares não sabe quanto tempo durou a sua morte clínica após a detonação de um explosivo por baixo dele.

Tudo o que Andrii Rubliuk se lembra é de frio, escuridão e medo avassaladores. Quando recuperou a consciência no seu corpo despedaçado — sem os dois braços e a perna esquerda — uma dor excruciante apoderou-se dele, e as alucinações toldaram-lhe a mente.







Dois anos depois, Rubliuk está novamente vestido com um uniforme militar, os seus membros perdidos foram substituídos por próteses — ganchos no lugar dos dedos, uma perna firmemente plantada num membro artificial.

Desde o momento da explosão, Rubliuk sabia que a sua vida tinha mudado para sempre. Mas uma coisa era certa: jurou regressar ao campo de batalha.

Muitas brigadas ucranianas têm pelo menos um, e muitas vezes vários, soldados amputados ainda em serviço activo — homens que regressaram ao combate por sentido de dever no meio das perspectivas sombrias para o seu país.











Para estes soldados, estar deitado numa cama de hospital era insuportável comparado com estar ao lado dos seus irmãos de armas para defender a Ucrânia. Mas todos concordam numa coisa: quando a guerra terminar, já não passarão um dia fardados; ingressar no exército nunca foi a sua primeira escolha.

Fotos: Evgeniy Maloletka