segunda-feira, novembro 01, 2021

Caso Beilis: libelo de sangue do império russo

Em 28 de outubro de 1913, em Kyiv, foi absolvido e imediatamente libertado, pela decisão do júri popular, Mendel Beilis, acusado de assassinato ritual judaico de uma criança ortodoxa.

No dia 12 de março de 2011, numa caverna nos arredores de Kyiv, as crianças encontraram o corpo morto de um menino com muitas feridas de corpo. O morto foi identificado como Andrei Yuschinsky, um estudante de doze anos da classe preparatória da Escola eclesiástica de Kyiv. A investigação do caso foi confiada ao investigador dos casos criminais ordinários. Mas alguns dias depois, o caso ganhou uma conotação inesperada. O movimento nacionalista monárquico russo, conhecido genericamente como “centelhas negras” afirmou que o assassinato teve o caráter ritual e foi perpetuado pelos judeus para extrair a sangue ortodoxa.

No processo, que decorreu em Kyiv entre 23 de Setembro à 28 de Outubro de 1913, participou, do lado da acusação, na qualidade do perita, Ivan Sikorsky, psiquiatra, ensaísta e professor da Universidade de São Vladimir de Kyiv, membro honorário da Academia Eclesiástica de Kyiv. Polaco/polonês russificado, professor Sikorsky era notório antissemita, anti-ucraniano e nacionalista russo, o pai do famoso criador de aeronaves Igor Sikorsky. 

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Ivan Sikorsky chamou os alegados assassinato rituais de “vingança racialista, ou a vendetta dos filhos de Jacob aos sujeitos da outra raça”. O famoso escritor, jornalista e defensor dos direitos humanos, ucraniano Vladimir Korolenko, que estava presente no processo e no tribunal, avaliou assim o discurso de Sikorsky: “Professor Sikorsky, em vez de uma avaliação psiquiátrica, começou a ler à partir de um caderno a coletânea de contos macabros, que nada tinham ver com a ciência”.

O funcionário do Departamento de Polícia de Kyiv, Venedikt Dyachenko, telegrafava ao São Petersburgo, mantendo a monarquia informada sobre o decorrer do processo: “o povo simples, lendo a peritagem do Sikorsky, expressa grande ódio aos judeus, ameaçando com um pogrom”.

A sociedade russa da psiquiatria deliberou uma resolução especial, dedicada às alegações do Sikorsky: “pseudocientíficas, não correspondem aos dados objetivos do exame forense ao corpo de Yuschinsky e não correspondem às normas da Carta do Processo Penal”. Na primavera de 1913 o XII Congresso médico do império russo “Pirogov” adotou a resolução especial contra o as deliberações do Sikorsky. No outono de 1913 as deliberações do Sikorsky foram condenadas pelo Congresso Médico Internacional em Londres e pelo 86º Congresso de Naturalistas e Médicos alemães em Viena.

Mendel Beilis foi defendido por vários advogados famosos. Entre os seus mandatários oficiais estava o jornalista russo Vladimir Nabokov (o futuro autor da “Lolita”), que estava presente no processo como correspondente do jornal liberal “Rech”.

Após a sua libertação, juntamente com a família Beilis deixou o império russo, mudando-se, primeiramente para a Palestina, e depois aos EUA, onde morreu em 1935. Foi o autor do livro biográfico “História do meu sofrimento”. O livro foi publicado em ídiche, inglês e em russo.

A principal razão da absolvição do Mendel Beilis foram os enormes esforços do investigador da polícia de Kyiv Nikolay/Mykola Krasovsky, despedido e até preso pela sua recusa em cumprir as ordens superiores de confirmar o assassinato ritual, conduzindo uma investigação privada, conseguindo chegar aos verdadeiros assassinos, apresentando aos jurados a versão completa do assassinato, reforçada com diversas evidências e testemunhos.

Mykola/Nikolay Krasovskiy, antes de 1917 @Wikipédia

Em março de 1917 Mykola Krasovsky foi nomeado pela Rada Central da Ucrânia como Comissário-chefe do Departamento de Investigação Criminal da Polícia (Milícia) de Kyiv, que ele liderou até Junho de 1918. Participou da atividade clandestina antialemã, foi detido em julho de 1918 e foi condenada pelo tribunal militar alemão aos 2 anos de prisão. Depois da queda do Estado Ucraniano (Hetmanato) em dezembro de 1918 foi libertado. A partir de 1919 trabalhou no Ministério do Interior / dos Assuntos Internos da República Popular da Ucrânia (UNR), depois foi transferido ao Estado-geral do Exército da UNR, onde desde maio de 1920 encabeçou o Bureau de informação (serviços de inteligência e da contrainteligência). Após a queda e ocupação da UNR pelos bolcheviques e evacuação à Polónia, por algum tempo trabalhou no 2º Departamento (inteligência e contrainteligência) do Estado-maior do exército da Polónia, em novembro de 1921 voltou ao serviço anterior. O seu destino posterior é desconhecido.

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