Disse
Harold Bloom, professor em Yale e crítico literário mais popular das últimas
décadas. Era intransigente na denúncia da perversão dos atuais critérios de
avaliação do valor literário de uma obra. Morreu em 14 de outubro de 2019.
“Agora
temos obras-primas de lésbicas esquimós. A minha mulher não gosta nada que eu
diga isto. É uma coisa que vai chegar aqui. […] Vão dizer muito bem de poemas
terríveis, apenas porque são escritos por lésbicos de Cabo Verde. […] Sou um
dinossauro, uma espécie extinta. Há muito que a guerra nas universidades
está perdida. Vou contar-lhe uma experiência muito interessante. Há três
anos, fui dar umas conferências à Universidade da Califórnia, que é muito
politicamente correcta. […] Estava a dar uma conferência, quando a sala
literalmente explodiu. Queriam mesmo linchar-me, só porque eu, finalmente,
disse a verdade. Virei-me para eles e disse-lhes: ‘Muitos de vocês, nesta sala,
são professores de Literatura, mas não gostam realmente de literatura. Se
comprarem uma mesa a um carpinteiro que por acaso é mexicano-americano, ou
marxista, ou homossexual, e ele vos entrega uma mesa com as pernas a cair,
vocês devolvem-na e exigem o vosso dinheiro. Mas estão mais do que dispostos a
aceitar livros sem pernas. São completamente hipócritas. Há quotas [nos EUA]
para mulheres, negros, mexicanos e homossexuais nas faculdades de Direito e
Letras, mas não na de Medicina. Sabem porquê? Porque se vocês, os politicamente
correctos, estiverem numa mesa de operações para ser operados ao cérebro e a
médica que vai fazer a cirurgia for uma negra lésbica devastadoramente atraente
– tento ser o mais ofensivo possível – que, explicam-vos, se qualificou com
base na sua origem étnica e orientação sexual, todos vocês saltam imediatamente
dali para fora’. Começou tudo a gritar comigo. ‘Racista! Fascista!’ E eu
respondi-lhes, também aos berros: ‘Vocês são um nojo, são degradantes. Não têm
qualquer argumento racional para opor ao que eu digo. São uns vigaristas. Todos
vocês saltavam da mesa de operações’. Foi uma guerra. Mas haverá alguma ideia
socialmente mais repugnante do que pretender que é mais benéfico para uma jovem
cabo-verdiana que vem viver para Portugal ler obras dos seus compatriotas, por
más que sejam, do que Eça ou Almeida Garrett? Outro dia fui falar de cinco dos
meus poetas preferidos: Whitman, Pessoa, Lorca, Hart Crane e o maravilhoso Luís
Cernuda. São todos homossexuais, mas que me interessa saber se eles preferem
dormir com homens ou mulheres?”
Agora
já percebem porque era polémico, porque não era muito popular no mundo
académico mas os seus livros vendiam-se e vendem-se como pãezinhos quentes. É
mais um que nos deixa saudades e cuja palavra nos vai fazer falta. Entretanto,
se não leram Harold Bloom, é sempre boa altura para começar.
Trecho da entrevista,
que deu em maio de 2001 ao jornal português “Público”, e que pode ser
lida, descarregando a sua edição em PDF.
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