domingo, outubro 06, 2019

Retorno russo à África: estratégias, políticas e perigos

À semelhança das décadas 1960-1980, Kremlin decidiu apostar em África, oferecendo aos países e regimes amigos as soluções tradicionais já testadas durante a guerra fria: venda de armamentos e uso de “assessores” militares.

Porque Rússia escolheu África?

Ano 2018 se caraterizou pela «pausa» da estratégia internacional da federação russa, quando o modelo anterior já não funciona e o modelo novo ainda não foi criado. A tentativa russa de fazer aos países europeus esquecer a «questão ucraniana» não foi bem sucedida.

A política das sanções, criada para conter o comportamento agressivo do Kremlin foi alargada, principalmente após o “caso Salisbury”, quando os oficiais do GRU russo envenenaram a família Skripal no solo britânico. As tentativas russas de «descongelar» as relações com os EUA, via amizade Putin-Trump, receberam uma reação negativa do congresso americano.
A chegada dos equipamentos russos em Moçambique, setembro de 2019
Os negócios russos com a China também diminuíram. Na 1ª metade de 2018 os investidores chineses retiraram da Rússia os investimentos no valor de cerca de 1 bilião de dólares, ou seja, 25% do total dos seus investimentos no país. Nas outras regiões do globo o investimento chinês, em média, cresceu em 2018 em cerca de 14%.

Por sua vez, diversos países da África mostram o crescimento sustentável do seu PIB, se transformando num campo de batalha económica das potências mundiais, quer pelo controlo dos mercados, quer pelos seus recursos minerais. Actualmente, as importações africanas chegam aos 500 biliões de dólares, cerca de 13% são canalizados para a compra de alimentos.

Interesse russo «triplo»: votos na ONU, armamentos e recursos minerais

Em dezembro de 2018 a questão de cooperação russa com África foi debatida no âmbito da discussão «Retorno da Rússia à África: interesses, desafios, perspetivas».

O retorno russo à África é descrito na Rússia como algo que os próprios africanos necessitam mais do que os russos: «Na situação da presença ativa da China e da Índia, os colegas africanos precisam diversificar a interação. É necessário ter aqui um equilíbrio, porque os países africanos entendem que a posição predominante de um único país, especialmente com uma poderosa instituição de financiamento, será semelhante ao passado colonial. A Rússia [...] pode mudar essa situação».

No entanto, os propagandistas russos, por exemplo, do canal televisivo “Tsargrad TV” absolutamente não escondem a essência do interesse russo em África: “A Rússia precisa da África não menos do que a África precisa da Rússia. Antes de tudo, precisamos de criar as condições sob as quais nossos oponentes geopolíticos não possam fortalecer suas posições e jogar contra a Rússia no campo africano às custas dos países africanos...”
A chegada dos equipamentos russos em Moçambique, setembro de 2019
Neste momento a Rússia está criando a estratégia de relacionamento com África, intitulada “Rússia-África: uma visão geral em 2030”. Antes de tudo, será um guia pensado para evitar os erros comuns cometidos pelas empresas russas em África (até 90% de negócios russos na África se revelaram um fracasso). Cerca de 30 especialistas russos preparam um documento que inclui análises macroeconómicas, dos sistemas políticos e económicos dos países africanos e avaliação de riscos. Com base nos dados apresentados, uma equipa de especialistas desenvolve previsões e recomendações sobre o desenvolvimento das relações russo-africanas até 2030. Com base nessa análise, serão tiradas conclusões sobre as possibilidades da Rússia ocupar nichos específicos em África.

Até o momento, as relações Rússia-Africa se baseiam no “interesse triplo».

Países africanos possuem 54 votos na AG de ONU, que Moscovo pretende usar como apoio das suas posições internacionais (a guerra contra Ucrânia, anexação da Crimeia, reconhecimento internacional dos territórios ocupados da Geórgia, etc.).

Rússia tenta aprofundar a cooperação técnico-militar com África, dado que vários países africanos possuem, nas suas FA, os armamentos soviéticos e mostram interesse de receber os novos tipos de armamentos russo (casos de Sudão, Angola, DR Congo, RCA). Na imprensa internacional circulam os rumores de que Rússia planeia abrir as suas bases militares em África (Egito, Líbia Ocidental, Sudão, RCA). Na RCA são ativos os “assessores” e muito possivelmente os mercenários russos ligados à EMP russa Grupo Vagner.

Rússia também pretende explorar os recursos minerais africanos. Em geral, a Rússia e a África possuem aproximadamente 50-52% do potencial total de recursos da Terra. Mas a nomenclatura de minerais na África e na Rússia é diferente.

Segundo especialistas, os países africanos representam cerca de 30% das reservas minerais do mundo, incluindo 83% da mineração mundial de platina, 45% de diamantes, 40% de ouro, 47% de cobalto, 43% de paládio, 42% de cromo, etc.

Num futuro previsível, a Rússia pode experimentar um déficit em vários minerais extraídos em África. Isso a está pressionando a estabelecer controlo sobre as minas, jazigos ou campos de petróleo e gás que interessam aos seus oligarcas. Estes realmente gostam da África, porque devido às peculiaridades dos depósitos minerais e à mão-de-obra barata, a rentabilidade dos investimentos na indústria de mineração é significativamente maior do que em outras regiões do mundo, e o custo dos produtos extraídos é notavelmente, geralmente de 20 à 30% menor do que em outros lugares.

Para a federação russa, que está sob sanções internacionais, o comércio com os países africanos é muito importante como compensador. Além dos recursos minerais, a Rússia está interessada no fornecimento de produtos agrícolas tropicais (café, cacau, frutas cítricas), além de um aumento no fornecimento de frutas e legumes, que deve substituir os produtos da Europa sujeitos às “auto-sanções” russas.

Em termos de exportação, Rússia vende aos países africanos fertilizantes, máquinas, grãos, bem como a exportação de serviços e tecnologias de engenharia, incluindo construção de estações/usinas nucleares, hidrelétricas, fábricas de processamento, oleodutos e caminhos-de-ferro/ferrovias.

Segundo dados de 2017, o volume de comércio entre a federação russa e os países africanos, em comparação com 2016, aumentou 26,1% e alcançou 17,4 biliões de dólares, principalmente exportações russas (14,8 biliões de dólares), que aumentaram um terço (29,8%). As importações de bens africanos para a Rússia cresceram 8,3% e somaram 2,6 biliões de dólares, e os investimentos russos acumulados na África de 2003 a 2017 totalizaram 17 biliões de dólares.

A Rússia, privada do potencial financeiro de seus principais rivais – os EUA e a China – ocupa seu nicho na África, ajudando governantes autoritários em estados instáveis, mas potencialmente ricos, propensos aos uso dos equipamentos militares russos.

A EMP russa “Grupo Vagner” trabalha de acordo com o esquema: “o fornecimento de assistência militar e outras, em troca de licenças para a extração mineira”. Este esquema é usado na República Democrática do Congo, Sudão, Líbia, Angola, Guiné, Guiné-Bissau, Moçambique, Zimbábue, República Centro-Africana e Madagascar. Putin, comparou as actividades do alegado dono do “Grupo Vagner” Prigozhin, as com George Soros, um filantropo americano e financiador bilionário que o Kremlin há muito tempo acusa de derrubar governos autoritários ao mando de Washington.
A chegada dos equipamentos russos em Moçambique, setembro de 2019
Mas ao contrário dos EUA, que buscam popularizar e introduzir os padrões de democracia aos países parceiros, Moscovo segue os passos da China, que está pronta para cooperar sem condições políticas preliminares. No âmbito da ideologia expansionista do espaço vital do “mundo russo” e construindo as bases de influência do “império eurasiano”, para Kremlin é perfeitamente aceitável cooperar com qualquer ditadura em África.

Até o final do século XXI, pode haver mais de uma dúzia de países em África que iriam superar a população da Rússia, tendo em vista que o número dos seus habitantes cairá para o nível de 50 milhões de pessoas. Não se pode excluir que a liderança russa já esteja considerando a opção de atrair migrantes africanos para minimizar as perdas demográficas, talvez essa seja talvez a única maneira de evitar a completa dissolução da Rússia pelos chineses.

Fonte: secção «Delta» do grupo Resistência Informativa

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