quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Quando a bandura toca o sol de cada um


O tema central da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes abarca a questão do ator em expansão – movimento característico da nova geração do cinema brasileiro.  Ícones do cinema nacional contemporâneo – como o homenageado da mostra Selton Mello, ou Matheus Nachtergaele, Lázaro Ramos, Wagner Moura, dentre outros – inauguram a interpretação cinematográfica para além da simples atuação. /.../
por: Bel Vieira, Atriz e Psicanalista
Diante desta proposta, nada mais cabível que o documentário Iván - de volta para o passado, de Guto Pasko, exibido na programação Cine Praça. Este retrata a história de Iván Boiko, ucraniano arrancado de sua aldeia natal pelos nazistas e refugiado no Brasil há sessenta e três anos, sem ter contato com seus familiares. Este personagem real é presenteado pelo diretor e a equipe com passagens áreas que o transportam para suas origens. E, é esta a história que assistimos: a do homem que se arrisca em voltar.
Se a mostra propõe que o ator expanda sobre a atuação, ao se envolver com a pesquisa e criação do personagem e da obra como um todo, arriscando uma interpretação cada vez mais próxima de uma experiência real, Iván nos presenteia com esta ideia em uma bandeja de ouro – assim como a verdade deve ser dada. As cenas deste filme nada mais são que a história do reencontro de Iván com seu passado, que passa pela rememoração das esquinas da cidade, da igreja da aldeia, da música cantada pela bandura, da vodka, da família, da sua casa e dos girassóis. Cada frame fotografa a emoção de noventa anos de existência capturada dos poros de Ivan à lente de Pasko.
O resgate cultural proporcionado pela viagem aborda o social que colabora para que o exílio de Iván seja tão peculiar. Sem dúvida, o retorno ao seu país provoca intensas emoções. Mas a tela não esconde o quanto de visceral e de verdade existe nas imagens em que Iván entra na casa em que viveu a infância e a adolescência. Ele beija o chão desta casa e clama pelo nome de seu pai. Sem dúvida este documentário fala de uma cultura, mas algo avança sobre isto, pois qualquer indivíduo, de qualquer outra cultura, pode ser intimamente tocado pelo filme. Talvez porque a única diferença entre país e pais seja apenas o acento, uma vez que ambos falam de origens.
Iván aceita o convite audacioso de Guto. Como um girassol, arrisca olhar para o sol, gira ao redor de sua estrela central, ou, de suas origens. Esta intrigante rotação caminha no mesmo trilho de raízes tão profundas, como as dos girassóis. A inflorescência do girassol é do tipo capítulo, significante da biologia que, quando transportado ao universo literário, significa parte constituinte de uma obra escrita. O que permite que o imaginário de Iván se mescle com o imaginário do público, é a ideia deste capítulo que resgata as origens. Não é fácil ser girassol! Mesmo que a necessidade desta energia que se busca seja vital, olhar em constância pro sol pode provocar dor. Assim como se confrontar com o primitivo das origens individuais. Mas Iván, com a sabedoria e ansiedade madura que os de corpo longamente vivido nos ensinam, empresta sua própria experiência com a memória para que o público possa pelo menos fazer refletir seus próprios girassois.
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