O aventureiro tem barba branca e usa um lenço na cabeça que lhe dá um ar de velho lobo-do-mar, mas tirando a imagem pouco mais sabe de questões marítimas. E de construção naval foi aprendendo à medida que foi fazendo o barco. Começou mesmo às escuras e só mais tarde conseguiu ajuda de um amigo, que lhe mandou um projecto pelo correio.
“Trabalhava como guarda-florestal perto do Lago Baikal. Lá navegava com um pequeno barco, à vela ou com o auxílio do motor, mas nunca andei em alto mar, pelos oceanos, por isso resolvi vir à descoberta”, explica, enquanto verifica se os cabos que prendem o mastro estão colocados correctamente.
Veio para Portugal de autocarro. Mais de 10 mil quilómetros de viagem. Instalou-se em Almeirim e como tinha bastante jeito para trabalhos em madeira começou a trabalhar como carpinteiro. Mais tarde com a ajuda do antigo patrão, José António, a quem não se cansa de agradecer a ajuda, instalou-se na Portela das Padeiras e iniciou a construção do barco que, se tudo correr de feição, o há-de levar para longe. Já lá vão dois anos de trabalho.
O interior cheira a verniz e a tinta. Em cima de uma mesa, o “capitão” Anatoly tem um esquadro e compasso para calcular a sua localização nos mapas quando estiver no alto mar. Do lado esquerdo fica o quarto do viajante. A cozinha e a sala estão situadas ao meio do barco divididas por uma mesa de refeições. O barco é uma autêntica casa onde não falta fogão a gás, lava-loiça, casa de banho e arrecadação. O barco já possui o mastro e dois lemes, faltam três velas e o motor. Não quer companhia a bordo. Nem de pessoas nem de animais. A solidão não o assusta.
Anatoly Benedistchuk não parece muito preocupado com as questões burocráticas mas qualquer português avisado o poderia avisar que se arrisca a naufragar num mar de papelada antes de se fazer ao largo. Registo da embarcação, licença para permanecer no porto de mar, carta de marinheiro ou coisa que o valha, etc, etc, etc. Outro que não ele, pensaria nisso e teria dores de cabeça. Poderia até colocar a hipótese de o barco não navegar. Ele não. Um sonhador é um sonhador e para os sonhadores não há obstáculos. Mesmo assim deixa escapar um pedido. Necessita de um patrocinador. Uma empresa que acredite no projecto e que queira inscrever o seu logótipo nas velas do barco a troco de uma ajuda para a “bucha”.
As suas ideias são firmes e já as divulgou antes. Ir de porto em porto pelo mundo fora, desembarcar onde o deixarem desembarcar, trabalhar onde puder para ganhar para os reabastecimentos e deixar-se ir na crista do sonho, já que, como dizia o poeta: é pelo sonho que nós vamos!
Fonte:
http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=404&id=56447&idSeccao=6138&Action=noticia