domingo, novembro 16, 2025

Angola: o país num cruzamento entre o medo e a esperança

Hoje entrevistamos um dos grandes amigos da Ucrânia em África, angolano António Ambrósio, Presidente do Comité Executivo Internacional do Congresso Mundial dos Angolanos (CMA), organismo criado para unir as vozes da Diáspora, projetando Angola no mundo. 

Como mudou a vida da Angola e dos angolanos desde 2017?

Desde a saída de José Eduardo dos Santos da presidência, a vida em Angola mudou de diversas maneiras, nem tudo para melhor, nem tudo para pior, nomeadamente:

O novo presidente, chegou com uma promessa forte de moralizar o Estado. No princípio houve afastamento de figuras ligadas ao antigo regime, incluindo familiares poderosos do ex-presidente, mas na verdade a luta contra a corrupção tem sido seletiva. Há casos de aliados menos visados e um sistema político que ainda favorece elites.

Institucionalmente, algumas mudanças ocorreram: por exemplo, a criação de uma agência reguladora para o setor petrolífero (ANPG), que reduz o poder quase absoluto da Sonangol, que antes acumulava funções de empresa estatal e regulador.

Há progresso visível em infraestrutura: estradas, aeroportos, e alguns projetos de grande escala têm avançado mas na sua maioria obras mal terminadas por conta dos constantes desvios de fundos públicos.

No entanto, a diversificação da economia tão anunciada penas midias nacionais e algumas internacionais andam lentamente. Ainda há uma dependência enorme do petróleo, e a transição para fontes de receita mais sustentáveis é lenta.

A queda das receitas do petróleo é um problema real: com menos dinheiro vindo do petróleo, o governo teve que aumentar a tributação sobre a população e como consequência a subida do custo de vida, o que levou muitos angolanos passam por situações de fome e pobreza extrema. Em alguns setores, o governo cortou subsídios ou reformou políticas que afetam o dia a dia da população, o que provocou protestos recentes (por exemplo, no aumento dos preços de combustíveis) e causou uma das maiores revoluções internas de Angola.

Esse descontentamento é especialmente forte entre os jovens, onde a maior parte enfrentam o desemprego elevado e poucas oportunidades, na verdade essas reformas não são traduzidas em melhoria real para a maioria do angolanos, apenas uma pequena minoria que constitui a elite partidária do MPLA.

Como ficou a vida de Angola no plano interno? Como avalias o estado da liberdade de imprensa e dos direitos humanos?

No plano interno, Angola vive um momento delicado: as instituições estão sob pressão para responder às aspirações democráticas e sociais de uma população cada vez mais consciente. Persistem tensões políticas e desafios em torno da liberdade de expressão e da participação cívica, o que torna o debate sobre os direitos humanos e o Estado de Direito ainda mais urgente.

A oposição e diversos sectores da sociedade civil enfrentam dificuldades no exercício pleno das suas liberdades, mas continuam a desempenhar um papel essencial na preservação do pluralismo político.

A imprensa, em muitos casos, opera em condições limitadas, o que fragiliza o acesso da população a informação imparcial — um pilar fundamental da democracia.

Diáspora angolana parece estar um bocado «adormecida», não achas»?

A Diáspora angolana, por sua vez, permanece quase ausente das políticas públicas nacionais, apesar de representar uma das forças mais valiosas para o desenvolvimento e a projeção de Angola no mundo. Essa ausência de proteção e de diálogo estruturado é um dos grandes desafios que o Congresso Mundial dos Angolanos busca enfrentar.

Em síntese, o nosso país encontra-se num cruzamento entre o medo e a esperança — e é precisamente por isso que precisamos de mais pontes diplomáticas, mais diálogo e mais humanidade.

Como dizia Agostinho Neto: «A luta continua” — mas que seja, hoje, uma luta pela verdade, pela justiça e pela dignidade de todos».

Como avalias as relações entre Angola e Ucrânia?

Angola e Ucrânia estabelecem relações diplomáticas desde meados dos anos 1990. Ucrânia já participou em missões de paz na Angola, por exemplo no contexto das Nações Unidas.

O governo de Angola nunca condenou publicamente a invasão russa à Ucrânia, uma posição que vai contra os princípios da Constituição nacional de Angola, e de vários instrumentos ligados ao direito internacional na qual Angola ratificou. Tem apresentado uma postura na arena internacional que demonstra a vontade (sem iniciativa) de uma solução pacífica para a invasão da rússia na Ucrânia.

O governo angolano nunca enviou nenhum representante oficial, para estar presente em qualquer actividade da Embaixada da Ucrânia em Angola, mostrando, por sua vez, o favoritismo e a grande influência russa, ainda sentida nas elites governantes angolanas.

Ficha técnica:

António Ambrósio é Presidente do Comité Executivo Internacional do Congresso Mundial dos Angolanos. É co-fundador e primeiro presidente da Associação Africana para os Estudantes de Ciências Sociais (AAECS), uma das maiores e mais promissoras organizações estudantis a nível de África. Também é um monitor comunitário da COPAC-ANGOLA, um dos instrumentos regionais da Rede de Alerta e Resposta da Coligação de Organizações da Sociedade Civil para a Paz e a Prevenção de Conflitos na África Central (COPAC).

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