"Carta de talões" para comprar vodka... |
Nos últimos anos da existência da URSS a sua economia vivia uma crise aguda, mas a burocracia soviética tentava ultrapassá-la com a distribuição estatal dos produtos mais procurados através do sistema de cartões (talões) de racionamento.
Para não usar a palavra “cartão” que era conotado com as dificuldades naturais pós II Guerra Mundial, o poder soviético optou por chamar os mesmos documentos de “talões” ou por vezes “convites”.
Os produtos rareavam nas lojas e mesmo possuindo o cartão, o cidadão soviético poderia comprar, a título de exemplo, 1 (uma) garrafa de vinho por mês. Por alguma razão misteriosa o país que produzia os sistemas extremamente complexos do posicionamento de mísseis inter-continentais não conseguia produzir a quantidade suficiente de trigo mouro, cigarros ou açúcar.
Para combater o défice, URSS comprava no estrangeiro os “produtos do consumo popular”, assim as pessoas tiveram a oportunidade de experimentar o chá iraniano ou sabonetes turcos. Mais tarde, surgiram os primeiros bazares semi-clandestinos, onde as pessoas com a formação superior aprendiam na prática os ases do capitalismo. Aqueles que tinham a oportunidade recebiam das mãos do estado as pequenas parcelas de terra, geralmente 600 m² que transformavam em hortas privadas. Outros compravam e vendiam produtos diversos, desta maneira conseguiam dispensar o estado e os seus “talões”. Talvez por isso imensos cartões emitidos em 1990-1992 não foram usados, ficando para sempre na posse dos seus proprietários.
Em apenas dois – três anos após o desaparecimento da URSS tudo mudou. O comunismo com os seus défices permanentes desapareceu, no seu lugar surgiu o mercado com os preços livres. Os cidadãos se esqueceram as filas medonhas e humilhantes e a ausência dos produtos mais elementares, mas se lembram das ideias luminosas de tornar feliz toda a humanidade e neste momento a metade dos ucranianos sente nostalgia pela URSS.
Mas 20 anos atrás essas mesmas pessoas, esperando para abastecer os seus “talões”, eram, possivelmente os anti-soviéticos ferrenhos...
A face do défice soviético
Tudo poderia se tornar a raridade, desde os cigarros até SMS (na altura essa abreviatura significava “produtos sintéticos de limpeza” e personificava a pobre gama dos produtos de limpeza soviéticos). Mesmo o sal e os fósforos por vezes se vendiam através de “talões”, o vendedor recortava com a tesoura as combinações de datas e dos produtos.
Em 1990 na cidade de Leninegrado o cidadão tinha o direito de comprar 1 (um) sabonete cada 2 (dois) meses! Na mesma cidade, o poder municipal garantia a compra de “bebidas alcoólicas fortes”, eufemismo usado para evitar a palavra forte – vodka.
Por vezes os “talões” ficavam por abastecer por falta dos produtos nas lojas estatais (e as privadas ainda não existiam) ou então o seu proprietário fazia o rancho nos bazares. Um dos líderes de prateleiras vazias era Belarus, por exemplo, na cidade de Braslaw na província de Vitebsk, até o pão se vendia por “talões”, tal como durante a II Guerra Mundial.
Em alguns regiões da Rússia a crise alimentar durou até o Verão de 1992. No mesmo ano Leninegrado se tornou São Petersburgo, mas vodka continua ser racionada, já não pela municipalidade, mas pelos Escritórios de Exploração Habitacional (ZhEK). No Verão de 1993 a vodka ainda era racionada na cidade de Voronezh.
O usuário ucraniano dobryj5 também recorda os seguintes dados económicos que estiveram na base da crise soviética: no início dos anos 1980, URSS vendia o petróleo por 44 dólares por barril que dava para comprar cerca de 50 milhões de toneladas de trigo. Mas já nos meados da mesma década o preço do barril caiu para 18 dólares e a sua revenda já não dava para a compra da mesma quantidade do trigo. Assim URSS começou a exportação de vodka e até de meias. Por isso as pessoas podiam comprar apenas duas garrafas de vodka por mês, meias e cigarros através de “talões”. Ai surgiu a questão nacional: “Quem comeu o meu toucinho?” (mas essa é uma outra história...)
Fonte & 20 imagens de diferentes “talões” e “convites”:
http://www.istpravda.com.ua/artefacts/2011/03/21/32582/ Bónus
O economista russo Yegor Gaidar recorda que na década de 1970, URSS superava os EUA em número de tanques em mais de 20 (!) vezes. Porque? Pois o volume da produção militar era definido não pelas necessidades reais, mas pela existência das linhas de produção em funcionamento. Os soviéticos argumentavam que as linhas de montagem não deveriam estar inoperativas. Essa era a lógica de todo o sistema produtivo soviético, escreve na sua página do Facebook o jornalista ucraniano Yuriy Lukanov.
Yegor Gaidar, “A Morte do Império: Lições para Rússia Contemporânea”, Moscovo, 2006, edição Enciclopédia Política Russa (ROSPEN), 448 páginas, descarregar gratuitamente (em russo).
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