Há quase 100 anos atrás, em 1933, em Moscovo, Leninegrado e outras grandes cidades da União Soviética, a polícia secreta soviética – OGPU – realizou rusgas a apartamentos, restaurantes e estabelecimentos onde, segundo as suas informações, os homens homossexuais se reuniam ou onde os homens vestiam-se de mulheres (ou porque gostavam ou porque este era o seu trabalho).
Como resultado de tais rusgas, a OGPU relatou alegremente aos seus superiores sobre “covis de pederastas”. Em 17 de dezembro de 1933, o Presídio do Comité Executivo Central da URSS aprovou a resolução “Sobre a responsabilidade criminal pela sodomia”. Em 1 de abril de 1934, o respetivo artigo, sob o número№ 154-a (repressão da sodomia) foi introduzido no Código Penal da Rússia Soviética e foi retirado do CP russo apenas em 27 de maio de 1993. Segundo este artigo, os homens que tiverem as relações sexuais com outros homens eram considerados criminosos (artigo não punia as relações sexuais femininas). Depois da lei ter sido adoptada em 1934, se tornou uma ferramenta útil de perseguição quer dos homossexuais, quer de outros cidadãos que poderiam ser facilmente condenados ao abrigo de um artigo tão “conveniente”.
Os gays soviéticos da OGPU e do Exército Vermelho (+18) |
Na rússia moderna, por enquanto, não existe a punição criminal de homossexualidade. Mas já existe um artigo do CP muito mais conveniente e simplificado – sobre o tal movimento LGBT – no qual se pode incluir uma vida pessoal, uma orientação e até opiniões políticas “fora do padrão”. Assim, os drag queens de Yaroslavl, que tecnicamente não foram perseguidos devido a “sodomia”, acabaram por sofrer devido ao artigo sobre movimento LGBT.
Perseguindo os drag queens (artistas masculinos que criam no palco a imagem feminina com trajes e maquilha exuberantes), as forças de segurança russas estão, essencialmente, a modificar a cultura russa de entretenimento. O próprio termo “drag queen” entrou na rússia há relativamente pouco tempo: antes disso, eram mais frequentemente chamadas de “travestis” e as suas atuações eram chamadas de “shows de travestis”. Mas é importante notar que tais artistas existiram ao longo de toda a história russa pós-soviética.
Depois de 2013, com o início da histeria sobre a «propaganda gay», e ainda após a anexação da Crimeia e o início da crise económica, as drag queens deixaram de ser um mainstream pop. Apareciam com menos frequência nos grandes ecrãs, embora nunca desapareceram das discotecas.
Depois das alterações à Constituição russa em 2020 – que passou a incluir uma disposição segundo a qual o casamento só é possível entre um homem e uma mulher – as drag queens já começaram a sentir para que lado soprava o vento político. O público heterossexual, que gostava de homens extravagantes com vestidos femininos, também começou a perceber o que se estava a passar. Os drag queen russos começaram à atuar em locais frequentados apenas pelo pessoal do “meio”, desaparecendo dos eventos públicos com a participação das elites russas e das autoridades. Embora há menos de dez anos atrás eles estivessem bastante na moda.
Os ataques a espectáculos de drag na rússia é mais um contributo para o empobrecimento cultural geral russo. Ao nível mais básico e apolítico, as drag queens são pessoas que, combinando humor, música e dança, cativam o público, incluindo, o público completamente heterossexual. Isto priva os espectadores da oportunidade de desfrutar da arte, uma importante fonte de alegria e até de sensação de liberdade. Embora a liberdade seja precisamente o que claramente não se espera num futuro russo mais próximo.
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