As concepções de ‘democracia’, de ‘soberania’ e a visão de ordem europeia da Rússia são muito diferentes, mesmo opostas, das europeias.
por: João Marques de Almeida *
No dia em que o Presidente da Rússia visitou Lisboa, o Instituto de Estudos Políticos e a Embaixada da Polónia em Portugal organizaram um seminário sobre as implicações do alargamento da ordem euro – atlântica para leste. Julgo que as podemos resumir em três palavras: Polónia, Rússia e Ucrânia.
A ‘Polónia’ deve ser entendida em sentido lato, referindo-se a todos os novos Estados – Membros, quer da União Europeia, como da Aliança Atlântica. A unificação da Europa foi um dos feitos mais notáveis ocorridos nos últimos anos, e assim será vista no futuro pelos historiadores da política europeia. Há, no entanto, a necessidade de corrigir alguns aspectos. Por um lado, os novos membros devem envolver-se de um modo activo e construtivo. A integração não serve unicamente para se retirar vantagens. Também cria responsabilidades e obrigações. Por outro lado, os membros mais antigos devem fazer um esforço para entender as preocupações e os receios dos novos parceiros. A diferença das experiências históricas mais recentes tem um peso enorme e é necessário saber lidar com isso. Há um défice negativo na política europeia, que é absolutamente necessário combater: os países conhecem-se muito mal uns aos outros e têm pouca sensibilidade para os problemas específicos de cada um. Tendo em conta as ambições da UE e da NATO, o desconhecimento constitui uma lacuna séria. Por exemplo, ninguém pode esperar que a Polónia olhe para a Rússia do mesmo modo que Portugal.
Como qualquer polaco sabe, não é fácil ser vizinho da Rússia. E quando, depois da invasão da Geórgia, se nota a maneira como Moscovo começa a tratar os seus vizinhos, não admira que os polacos comecem a ficar apreensivos. Há dois pontos que já todos compreenderam. Em primeiro lugar, as ilusões sobre uma Rússia ‘ocidental’, democrática e pacífica, acabaram e deram lugar ao reconhecimento da realidade: um país autoritário, com o poder fortemente centralizado e disposto a usar a força militar para prosseguir os seus interesses. Em segundo lugar, as concepções de ‘democracia’, de ‘soberania’ e a visão de ordem europeia da Rússia são muito diferentes, mesmo opostas, das europeias. A uma ordem de regras e instituições comuns, Moscovo responde com esferas de influência e decisões unilaterais, como foram o reconhecimento das independências da Ossétia e da Abecásia. A transformação política e estratégica da Rússia constitui a razão mais poderosa para a UE e a NATO reforçarem as suas relações bilaterais com Moscovo. Como boa aluna da “realpolitik”, a Rússia pretende desvalorizar a importância das instituições internacionais e valorizar o papel das grandes potências. Como disse um mestre alemão da “política real”, a diplomacia não é uma competência de organizações internacionais; “é um luxo das grandes potências”. Nem Putin nem Medvedev o desmentiriam.
Numa ‘Europa’ de grandes potências, qual seria o lugar da Ucrânia? Um dia, num encontro com George W. Bush, Putin afirmou que a Ucrânia “nem sequer é um país”. O antigo Presidente e actual PM limitou-se a exprimir o que a maioria dos russos pensa sobre o assunto. Ou seja, na Rússia considera-se que a independência da Ucrânia é passageira, resultou de um período de fraqueza russa e acabará quando a Rússia voltar a ser forte. Ora, o apoio à independência da Ucrânia foi uma opção estratégica dos europeus e dos norte-americanos, no início da década de 1990, e reafirmada várias vezes desde então. Aqui está um bom teste à relação transatlântica para os próximos anos.
* João Marques de Almeida, Professor universitário
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