Por: Luís M. Ribeiro *
É com estas palavras que diversos historiadores descreveram uma das maiores tragédias do século passado - o Holodomor ou Grande Fome da Ucrânia de 1932-1933 - e que, paradoxalmente, continua a não fazer parte da nossa memória colectiva.
Graças à abertura dos arquivos da antiga União Soviética, é hoje possível reconstituir o processo de decisão política, a sequência de acontecimentos e o nível de responsabilidade do regime estalinista, bem como confirmar o carácter anti-ucraniano e genocidário do Holodomor.
A causa primordial deste genocídio assenta nas opções políticas do regime totalitário estalinista: fundir todas as nações da URSS num único “povo soviético” munido de uma só mundividência e realizar o programa de colectivização agrícola e de industrialização acelerada (a “Grande Viragem”), mobilizando compulsivamente todos os recursos humanos e materiais do país.
A causa primordial deste genocídio assenta nas opções políticas do regime totalitário estalinista: fundir todas as nações da URSS num único “povo soviético” munido de uma só mundividência e realizar o programa de colectivização agrícola e de industrialização acelerada (a “Grande Viragem”), mobilizando compulsivamente todos os recursos humanos e materiais do país.
Neste contexto, a Ucrânia - a segunda nação mais populosa da URSS - representava para o regime soviético uma séria ameaça à integridade do império, devido à sua rica herança histórica e cultural e à persistência do sentimento independentista entre os diversos grupos sociais.
Vendo no campesinato a base social do nacionalismo ucraniano, o poder estalinista utiliza a “arma da fome” para dizimar uma parte significativa da população rural, aproximadamente 3 a 4 milhões de pessoas. As brigadas de colecta, apoiadas pelas forças de segurança, efectuam autênticas expedições punitivas às aldeias, confiscando a produção agrícola e as próprias reservas alimentares. Estas requisições predatórias são acompanhadas de inúmeros abusos, violências físicas e detenções indiscriminadas; por sua vez, os camponeses sobreviventes são forçados a integrar as herdades colectivas e sujeitos a um regime laboral que, de forma eloquente, Nikolai Bukharin caracterizou de “exploração militar-feudal”.
Vendo no campesinato a base social do nacionalismo ucraniano, o poder estalinista utiliza a “arma da fome” para dizimar uma parte significativa da população rural, aproximadamente 3 a 4 milhões de pessoas. As brigadas de colecta, apoiadas pelas forças de segurança, efectuam autênticas expedições punitivas às aldeias, confiscando a produção agrícola e as próprias reservas alimentares. Estas requisições predatórias são acompanhadas de inúmeros abusos, violências físicas e detenções indiscriminadas; por sua vez, os camponeses sobreviventes são forçados a integrar as herdades colectivas e sujeitos a um regime laboral que, de forma eloquente, Nikolai Bukharin caracterizou de “exploração militar-feudal”.
O Holodomor constituiu, assim, um meio para garantir a total colectivização do campesinato, e também um instrumento de subjugação política do povo ucraniano. Não é por acaso que o Holodomor ocorre em simultâneo com a revogação da política de autonomia cultural das populações ucranianas residentes em outros territórios da URSS (por exemplo, o Kuban, no Norte do Cáucaso) e com a aniquilação da intelligentsia nacional (só em 1932-1933, cerca de 200.000 pessoas são detidas pela polícia política). É precisamente o carácter “anti-nacional” que confere ao Holodomor a sua especificidade em relação à fome que devastou outras regiões (como o Cazaquistão) na sequência da campanha de terror contra os kulaks e da colectivização forçada.
Assim, nos domínios histórico e jurídico, podemos formular as seguintes conclusões:
Assim, nos domínios histórico e jurídico, podemos formular as seguintes conclusões:
· O Holodomor foi o resultado de uma actuação política deliberada e sistemática por parte do regime totalitário soviético, consubstanciada na brutal supressão do ideal independentista; no extermínio em massa dos camponeses, pela fome, de modo a destruir a base sócio-económica do nacionalismo e a intimidar a restante população; na destruição do sistema económico pré-colectivista e na imposição de novas e difíceis condições de vida; no isolamento de vastos territórios da Ucrânia e das regiões da URSS com significativa população ucraniana; na ocultação das causas e da dimensão desta tragédia;
· O carácter genocidário do Holodomor de 1932-1933 está em conformidade com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, aprovada pelas Nações Unidas em 9 de Dezembro de 1948, e em particular com o disposto no Artigo 2.º, alínea c (“Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial”);
· De acordo com a Resolução n.º 1481 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 25 de Janeiro de 2006, o Holodomor é consequência de uma política deliberada do poder soviético, sendo passível de condenação internacional como um crime do regime totalitário comunista.
Mas a reflexão sobre o Holodomor impõe-nos, igualmente, uma conclusão de natureza moral: o dever de preservar a memória deste crime de Estado, sob pena de ser “simplesmente impossível compreender o século XX europeu” (Andrea Graziosi).
* Professor de História, Portugal
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