terça-feira, abril 16, 2013

A Dama de Ferro como libertadora



A ex-primeira ministra da Ucrânia, Yulia Timoshenko, escreve da prisão sobre o legado político-social da baronesa Margaret Thatcher.

por: Yulia Timoshenko *

A prisão sempre é um lugar de luto. Mas talvez saber da morte de Margaret Thatcher neste lugar seja odiosamente apropriado, pois me fez lembrar a sociedade aprisionada da minha juventude que Thatcher tanto se empenhou em libertar.

Para muitos de nós que cresceram na União Soviética ou em seus satélites do Leste Europeu, Margaret Thatcher nunca deixará de ser uma heroína. Ela não apenas abraçou a causa da liberdade – em especial, da liberdade econômica – do Reino Unido e do Ocidente. Ao proclamar Mikhail Gorbachov como alguém “com quem podemos negociar”, numa época em que quase todo dirigente democrático mantinha profunda desconfiança de suas políticas da Perestroika e da Glasnost, ela se tornou uma catalisadora decisiva da abertura dos Gulags que eram as nossas sociedades.

Na verdade, para todos os que buscavam construir uma sociedade livre a partir dos escombros do totalitarismo no antigo mundo comunista, a “Dama de Ferro” se tornou um ícone secular. Sua coragem e persistência – ou sua característica de “não voltar atrás” – foi um exemplo vivo para nós de um tipo de liderança que não se rende nos momentos de perigo político. Sua fidelidade a seus princípios e sua absoluta determinação de lutar, e de voltar a lutar, quando a causa era justa foram, certamente, fonte de inspiração para mim.

Margaret Thatcher entendia de liberdade, porque ela habitava suas próprias entranhas. Além disso, soube conciliar senso comum, valores familiares e a integridade fiscal que se tornou exemplo para todos os líderes que a sucederam.

Uma das verdadeiras alegrias da minha vida na política foi a oportunidade de ter um almoço tranquilo com Thatcher em Londres, alguns anos atrás, e de lhe expressar minha gratidão por reconhecer nossa oportunidade de ter liberdade e por tomar a iniciativa diplomática necessária para ajudar a concretizá-la.

Durante todo o meu mandato como primeira-ministra, mantive em mente uma de suas afirmações: “Não sou uma política de consenso; sou uma política de persuasão.” Seu rigoroso senso do verdadeiro dever de um político sempre me consolou durante períodos de dificuldade política, uma vez que nossa obrigação como dirigentes não é governar, e sim empregar nosso poder para melhorar a vida das pessoas e aumentar a amplitude da sua liberdade.

Quando Thatcher manifestou pela primeira vez sua crença no potencial das reformas pró-democracia de Gorbachov, eu era uma recém-formada de 24 anos em começo de carreira. Havia pouca esperança de que minha vida seria melhor do que a da minha mãe e, o que era pior, menos esperança ainda de que eu conseguiria construir uma vida melhor para minha filha pequena.

O fato de Thatcher abraçar a causa da nossa liberdade foi eletrificante para mim. A grande escritora dissidente Nadezhda Mandelstam prognosticara para nós um futuro no qual podíamos apenas “esperar contra a esperança”; mas aqui estava uma dirigente que vislumbrara um futuro para nós não de sordidez e de concessões de ordem moral, mas de liberdade e de oportunidades. Ainda balanço a cabeça ao me admirar de ela ter conseguido abraçar a abandonada esperança de libertação num momento em que mais ninguém – nem mesmo Gorbachov – podia sequer imaginá-la.

Mas, é claro, Thatcher entendia de liberdade, porque ela habitava suas próprias entranhas. Certamente, ela não era de voltar atrás, mas também não era de cumprir ordens ou de se conformar com a vida restrita que a sua sociedade parecia lhe reservar. Numa Grã-Bretanha em que a classe social ainda determinava, normalmente, o destino da pessoa, a filha de um dono de mercearia vinda do norte conseguiu chegar a Oxford e se destacar como estudante de química.

Depois disso, ousou ingressar na seara exclusivamente masculina da política. Quando se tornou a primeira mulher a ser primeira-ministra britânica, aqueceu as ambições de incontável número de jovens mulheres do mundo inteiro (inclusive as minhas). Pudemos sonhar grande devido ao exemplo dela.

E, na condição de mulher, Thatcher sabia que introduzia algo de singular nos corredores do poder. Como disse ao assumir, em 1979, “qualquer mulher que compreende os problemas de administrar um lar está mais próxima de compreender os problemas de administrar um país”. Essa fusão do senso comum entre os valores familiares e a integridade fiscal se constituiu num exemplo para todos os líderes eleitos que a sucederam.

Entendo, é claro, que muitos britânicos tenham se sentido desamparados pela revolução econômica e social desencadeada por Thatcher. Mas todo o propósito do thatcherismo, como eu o entendia de longe, era criar condições nas quais todos pudessem trabalhar arduamente e concretizar seus sonhos. É isso o que eu – e todos os democratas ucranianos – queremos para o nosso país: uma sociedade de oportunidades, sob o Estado de Direito, e não sob o jugo de compadres e oligarcas, numa Europa aberta.

Os registros históricos falam por si. Antes de Margaret Thatcher ser primeira-ministra, a Grã-Bretanha era considerada, em amplos círculos, como “o doente da Europa” - afligida pela regulamentação sufocante, alto desemprego, greves constantes e défices públicos crônicos.

Quando ela deixou o poder, 11 anos depois (foi a primeira-ministra de mandato mais longo desde que Lord Liverpool encerrou sua gestão, em 1827), a Grã-Bretanha estava entre as economias mais dinâmicas da Europa – e do mundo. Em decorrência disso, somos todos thatcheristas agora. (Tradução de Rachel Warszawski).

* Yulia Timoshenko, por duas vezes primeira-ministra da Ucrânia, é prisioneira política desde 2011.

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