A ausência duma política cultural clara na Ucrânia contemporânea
Intervenção da escritora Oksana Zabuzhko na Conferência “Nova Ucrânia na Nova Europa”, cidade de Kyiv, 2 de Março de 2007, tradução de JNW, 7 de Maio de 2007
As numerosíssimas problemas internas da Ucrânia, ligadas ao estatuto até agora indeterminado do nosso lugar na arena internacional, são causadas, na minha profunda convicção, por um facto muito triste: a Ucrânia contemporânea não é um país da cultura. O Estado ucraniano, em 15 anos (de independência) não chegou a entender, para que o país precisa da cultura, por que raio até os países não muito ricos “vasculham nos bolsos” para investir na política cultural. Pergunta-se, para que eles precisam disso?
Enquanto a resposta está a vista. O “brand” principal de todo o país não está na sua ordem política, não está na cara dos seus governantes, e até, pode parecer paradoxal, não é o seu bem estar económico. Até não vou ter medo a dizer, não são os seus feitios desportivos – embora eles são um instrumento muito bom para ganhar as simpatias dos adeptos. Brand de todo o país, aquele que influencia o auditório estrangeiro de maneira imediata e íntima, ao nível pessoal, inconsciente, - é a cultura nacional.
Brand da Polónia no mundo é e continua ser o Chopin, brand da Finlândia – Sibelius, brand da Suécia – Pippi, Meia Longa e Carlson, Que Vive no Telhado. Exemplos são aleatórios, estes “passaportes culturais”, não importa, maiores ou menores, têm todo o país “adulto”. São aqueles sinais finos, muito subtis – mas bem funcionais! – “primeiros sinais de identificação”, que país emite para o mundo exterior, provocando, muitas das vezes sem perceber disso, apoio e confiança. São eles que constróem na consciência de qualquer estrangeiro o fundamento para a imagem positiva do país – “apriori”, antes de qualquer outra informação sobre aquele país. E já que até agora a Ucrânia não emite os tais “sinais” culturais, ela ficará para sempre na arena cultural no papel de “cavalo obscuro”, de quem sabe se lá, o que se poderá esperar. E pode-se aparecer em várias cimeiras, vestir-se de Armani e Brioni, memorizar os nomes dos seus interlocutores para não fazer a gafe na mesa das negociações, e assegurar à todos que somos gentis e bons, e devemos fazer parte de todas as alianças, - mas quando não existem os tais “brands” reconhecíveis, é muito difícil conferir ao tal país a imagem positiva.
Não podemos esquecer: durante sem anos o brand da Rússia no mundo, eram em primeiro lugar Tolstoi e Dostoevskiy, e toda a revolução bolchevique, no consciente da elite intelectual e política ocidental, em grandíssima parte relacionava-se exactamente com Tolstoi e Dostoevskiy, como “guias” pela “misteriosa alma russa”. Lenin, bolcheviques, até a Cheka, encabeçada pelo Sr. Dzerzhinski, eram vistas através da “cortina de ferro”, não como os criminosos políticos, que dizimavam qualquer alma viva, incluindo a “russa”, - mas como personagens da literatura clássica russa, preocupados com a questão de “como salvar o mundo”, - e isso teve influência directa no sucesso da política internacional de Stalin.
Era o nível de influência, que permitiu aliciar os “Quinteto de Cambridge”, encabeçado pelo Kim Fhilby para a NKVD, pela motivação estritamente romântica, e não apenas pelo dinheiro. E já não falo sobre o exército dos franceses enganados, até o Sartre e Co., que dezenas de anos faziam fabulosa propaganda gratuita à URSS. A síndroma de “Dostoevskiy”, nas simpatias do Ocidente à União Soviética existia sempre.
Existe literatura muito rica sobre o assunto, que muita pena, é muito pouco conhecida na Ucrânia. Muita pena – porque não conhecendo estas coisas, é muito difícil avaliar o peso cultural real da imagem do país no mundo e a maneira, como essa imagem funciona, mesmo nos contextos mais pragmáticos, até cínicos.
Quem cruzava o Atlântico nas Linhas Aéreas Polacas, deve lembrar os filmes de apresentação polacos, com 10 minutos de duração, sobre o seu país. Polónia: ela começa no Chopin, tendo como o pano do fundo a sua música, aparecem na tela as caras dos génios polacos, conhecidos mundialmente, laureados Nobél – Maria Sklodowska – Curie, Czeslaw Milosz, Wislawa Szymborska, a natureza supremamente filmada, - nos intervalos, com quem não quer a coisa, fala-se sobre os feitios actuais em medicina, ciência, tecnologia, economia... E todo o tempo a mística de Chopin é o fundo emocional, ela faz o papel das “boas vindas” emocionais, que o país emite para o mundo, e pelo qual o mundo a reconhece entusiasticamente.
Quando a Ucrânia apareceu na mapa do mundo em 1991, nenhumas, nem por perto parecidos “sinais do reconhecimento”, havia nela, e a reacção internacional ao aparecimento do novo país foi bastante lógica – como nos versos de Mayakovskiy: “mas que novidade geográfica é essa?” [1]. Arriscarei afirmar, se naquele momento Lesya Ukrainka e Mykhailo Kotsiubynskiy seriam tão conhecidos no mundo como Tolstoi e Dostoevskiy, nosso país não precisaria de recusar a (sua) arma nuclear. E isso não é a simples metáfora.
Nunca vou esquecer uma minha conversa com o editor do World Street Journal Europe. Homem teve o privilégio de ver em Metropolitan a exposição da pintura da escola ucraniana de "boychukysty" - aquilo que restou deles. Depois disso, toda a sua família ficou em depressão profunda durante dois meses – foram chocados pela descoberta duma escola de pintura tão estupenda, que além disso, estava muito a frente daquilo que faziam David Álfaro Siqueiros, Diego Rivera, Frida Cahlo, todo este senhorio, que depois se transformou no "brand" do México, foi completamente destruída – não apenas os artistas foram fuzilados, mas os seus trabalhos destruídos. Então, este editor estava disposto a desculpar à Ucrânia em avanço, todos os seus erros da política externa e interna, e futuramente tratar todos os ucranianos com compreensão e simpatia – como a vítima estratégica do totalitarismo do século XX. Apenas uma única passagem da nossa história cultural o obrigou a olhar para a Ucrânia com olhos bem diferentes. Os exemplos deste tipo podem ser citados em grande número.
Com grande pena tenho que constatar que Estado ucraniano até agora simplesmente não reparava nas possibilidades de mostrar a cultura dessa maneira, como cartão de visitas, que têm muita perspectiva – na arena internacional ao nível institucional do Estado. Essas oportunidades existiam, muitas até, principalmente depois da Revolução Laranja, quando o mundo pela primeira vez realmente interessou-se pela Ucrânia, - todas as portas para o mainstream cultural internacional foram abertas, e dali se gritava "Sejam bem vindos!". Havia possibilidade de eleger a Ucrânia como o hospede da Feira do Livro de Frankfurt de 2008, havia a mesma proposta da Feira do Livro de Leipzig de 2006, que as nossos instituições governamentais deixaram escapar, duma maneira completamente inglória – como todas as outras ocasiões, simplesmente porque, os responsáveis (perante quem? pelo que?) governamentais não entendiam coisas elementares, o que significa a exportação da cultura e como é servida. E que exactamente a política inteligente da exportação da cultura integra o país no amplo espaço informativo europeu, muito mais depressa do que todas as conversas nas mesas redondas.
Porque todas os rompimentos da cultura ucraniana para o espaço europeu aconteciam e acontecem de maneira clandestino – insurgente - contornando qualquer representação estatal. Eu própria pertenço à este "grupo insurgente" – daqueles que já "integraram-se na Europa" com sucesso, balizados por uma particular biografia artística, fiz o seu nome no Ocidente, e do estado ucraniano pessoalmente para si quero uma coisa – para que me perturbe menos possível. Mas este permanentemente aparece atrás das costas, como diabinho de tabaqueira, - e cada vez te envergonha. Te és traduzida, editada, encenada, distingida, tu vens com apresentações, encontras-se com os leitores, comeces contar – que cultura está atrás de si, que tradição representas, quem eram os seus antecessores e o que eles trouxeram para o tesouro da alma da humanidade, - e olhos dos seus interlocutores ficam cada vez mais e mais redondos, e só posso citar a jornalista sueca, que me disse durante uma entrevista: "Desculpe, por favor, pode ser que estou enganada, mas tenho o sentimento que o seu país fala pouco sobre si próprio, informa pouco sobre as coisas interessantes que têm". Eu baixei a cabeça modestamente, venho balbuciando: sim, sabe, infelizmente, não temos experiência, país jovem, apenas aprendemos... Até quando ele vai aprender, interessante?
Ou então, outro exemplo demonstrativo. Minha tradutora checa, trabalhando no livro “Irmã, irmã”, encontrou na novela “Extraterrestre” as citações ocultas de drama de Lesya Ukrainka, “Cassandra”. Tradutora chega à Ucrânia, visita a livraria e pergunta pela “Cassandra” de Lesya Ukrainka. Recebeu uma resposta, que o mais provável, ela confundiu alguma coisa, porque eles ainda sabem quem é a Lesya Ukrainka, mas quem é a Kalandra – não se percebe de todo. Podem imaginar o choque cultural de um europeu, que venha à Ucrânia, à capital, que parece quase europeia, há mais automóveis caros nas ruas, do que em qualquer capital europeia, os cafés transbordam da gente, tudo parece “como da gente”, até “glomoroso”, - mas quando visitas a livraria, descobre-se, que neste país, pela primeira vista “quase europeu”, simplesmente não existe a literatura clássica nacional. O efeito é quase mesmo, se for a pessoa abrir a porta do hotel “Redisson” – e logo cair numa fossa. Um pais de brincadeira.
Eu apoio plenamente a ênfase da afirmação que a Ucrânia é a parte da Europa. Se conhecer a sua história, a sua herança, então pelos origens, pela herança, pela mentalidade e “matriz” psicológico, o país sem duvida é a parte integrante do continente cultural europeu. Mas na realidade a Ucrânia, ela própria não sabe disso. Um cidadão ucraniano médio normal – “não especialista” – conhece muito mal a sua história e quase não conhece a sua herança cultural. É muito difícil “integrar-se” em qualquer lugar, se nós próprios, no nosso interior não somos “integrados” culturalmente. É muito difícil “integrar-se” à todo aquele que foi privado da memória histórica, mal entende à si próprio, e imagina com dificuldade, de que lado e com quem pode se comparar.
História com a minha tradutora acabou de maneira que eu lhe ofereci o meu próprio volume da Lesya Ukrainka com a “Cassandra”, - e recentemente recebi a notícia, que ela já está acabando a tradução dessa drama e está acertando as agulhas com o Teatro de Praga, que ficou entusiasmado com ideia de encenar a “Cassandra” no palco. Tenho muita esperança, que depois disso – pelo menos no bairro, onde haverá a estreia! – desaparecerão inscrições nas portas dos prédios do tipo “entrada de cães e ucranianos é proibida”. A imagem da Ucrânia na Europa de qualquer maneira terá que ser definida não pelos trabalhadores nas obras e escravas brancas, que venham para lá, - mas pela descoberta do que naquele país, antigamente havia uma rica cultura, e que este país sempre consegue a exportar.
As vezes parece que nós voltamos aos anos 1920 – para os tempos, sobre quais Pavlo Tychyna escrevia sarcasticamente: “Por amor de Deus, ponha os punhos de camisa, diga-os alguma coisa: eles perguntam, se nós temos a cultura” [2]. “Eles” perguntam – mas a questão não está neles, está em “nós”. Na nossa capacidade de “lhes” responder, até onde estamos dispostos levar este desafio. Isso, sem exagero é uma questão de sobrevivência do nosso país no futuro próximo, - se que nós realmente queremos integrar-se na Europa e tornar-se a parte do mundo civilizado.
[1] Mayakovsky Vladimir, "Soviet Passport," tradução inglesa de Herbert Marshall;http://win.mail.ru/cgi-bin/%20http:/www.marxists.org/subject/art/literature/mayakovsky/1929/my-soviet-passport.htm
[2] Tychyna Pavlo, "A Test", tradução inglesa de Michael M. Naydan,“The Complete Early Poetry Collections of Pavlo Tychyna”, Editora Litopys, 2000, p.251
Biografia da Oksana Zabuzhko
Nasceu em 1960 e vive actualmente na capital da Ucrânia, cidade de Kyiv. Foi graduada pela Faculdade de Filosofia na Universidade Taras Shevchenko de Kyiv (1982). Obteve PhD em Filosofia da Arte em 1987. Desde ai trabalha como Professora Associada no Instituto da Filosofia da Academia de Ciências da Ucrânia em Kyiv. Zabuzhko foi a Fulbright Fellow nos EUA em 1994 (Universidade de Harvard e Universidade de Pittsburgh), foi Writer-in-Residence da cultura e literatura ucraniana na Universidade Estatal de Penn em 1992. Ela também escreve para as revistas e jornais sobre a literatura, é colunista dos principais semanários da Ucrânia. Ela é Vice - Presidente do PEN – Centro ucraniano e professora da escrita criativa na Universidade Taras Shevchenko em Kyiv.
Intervenção da escritora Oksana Zabuzhko na Conferência “Nova Ucrânia na Nova Europa”, cidade de Kyiv, 2 de Março de 2007, tradução de JNW, 7 de Maio de 2007
As numerosíssimas problemas internas da Ucrânia, ligadas ao estatuto até agora indeterminado do nosso lugar na arena internacional, são causadas, na minha profunda convicção, por um facto muito triste: a Ucrânia contemporânea não é um país da cultura. O Estado ucraniano, em 15 anos (de independência) não chegou a entender, para que o país precisa da cultura, por que raio até os países não muito ricos “vasculham nos bolsos” para investir na política cultural. Pergunta-se, para que eles precisam disso?
Enquanto a resposta está a vista. O “brand” principal de todo o país não está na sua ordem política, não está na cara dos seus governantes, e até, pode parecer paradoxal, não é o seu bem estar económico. Até não vou ter medo a dizer, não são os seus feitios desportivos – embora eles são um instrumento muito bom para ganhar as simpatias dos adeptos. Brand de todo o país, aquele que influencia o auditório estrangeiro de maneira imediata e íntima, ao nível pessoal, inconsciente, - é a cultura nacional.
Brand da Polónia no mundo é e continua ser o Chopin, brand da Finlândia – Sibelius, brand da Suécia – Pippi, Meia Longa e Carlson, Que Vive no Telhado. Exemplos são aleatórios, estes “passaportes culturais”, não importa, maiores ou menores, têm todo o país “adulto”. São aqueles sinais finos, muito subtis – mas bem funcionais! – “primeiros sinais de identificação”, que país emite para o mundo exterior, provocando, muitas das vezes sem perceber disso, apoio e confiança. São eles que constróem na consciência de qualquer estrangeiro o fundamento para a imagem positiva do país – “apriori”, antes de qualquer outra informação sobre aquele país. E já que até agora a Ucrânia não emite os tais “sinais” culturais, ela ficará para sempre na arena cultural no papel de “cavalo obscuro”, de quem sabe se lá, o que se poderá esperar. E pode-se aparecer em várias cimeiras, vestir-se de Armani e Brioni, memorizar os nomes dos seus interlocutores para não fazer a gafe na mesa das negociações, e assegurar à todos que somos gentis e bons, e devemos fazer parte de todas as alianças, - mas quando não existem os tais “brands” reconhecíveis, é muito difícil conferir ao tal país a imagem positiva.
Não podemos esquecer: durante sem anos o brand da Rússia no mundo, eram em primeiro lugar Tolstoi e Dostoevskiy, e toda a revolução bolchevique, no consciente da elite intelectual e política ocidental, em grandíssima parte relacionava-se exactamente com Tolstoi e Dostoevskiy, como “guias” pela “misteriosa alma russa”. Lenin, bolcheviques, até a Cheka, encabeçada pelo Sr. Dzerzhinski, eram vistas através da “cortina de ferro”, não como os criminosos políticos, que dizimavam qualquer alma viva, incluindo a “russa”, - mas como personagens da literatura clássica russa, preocupados com a questão de “como salvar o mundo”, - e isso teve influência directa no sucesso da política internacional de Stalin.
Era o nível de influência, que permitiu aliciar os “Quinteto de Cambridge”, encabeçado pelo Kim Fhilby para a NKVD, pela motivação estritamente romântica, e não apenas pelo dinheiro. E já não falo sobre o exército dos franceses enganados, até o Sartre e Co., que dezenas de anos faziam fabulosa propaganda gratuita à URSS. A síndroma de “Dostoevskiy”, nas simpatias do Ocidente à União Soviética existia sempre.
Existe literatura muito rica sobre o assunto, que muita pena, é muito pouco conhecida na Ucrânia. Muita pena – porque não conhecendo estas coisas, é muito difícil avaliar o peso cultural real da imagem do país no mundo e a maneira, como essa imagem funciona, mesmo nos contextos mais pragmáticos, até cínicos.
Quem cruzava o Atlântico nas Linhas Aéreas Polacas, deve lembrar os filmes de apresentação polacos, com 10 minutos de duração, sobre o seu país. Polónia: ela começa no Chopin, tendo como o pano do fundo a sua música, aparecem na tela as caras dos génios polacos, conhecidos mundialmente, laureados Nobél – Maria Sklodowska – Curie, Czeslaw Milosz, Wislawa Szymborska, a natureza supremamente filmada, - nos intervalos, com quem não quer a coisa, fala-se sobre os feitios actuais em medicina, ciência, tecnologia, economia... E todo o tempo a mística de Chopin é o fundo emocional, ela faz o papel das “boas vindas” emocionais, que o país emite para o mundo, e pelo qual o mundo a reconhece entusiasticamente.
Quando a Ucrânia apareceu na mapa do mundo em 1991, nenhumas, nem por perto parecidos “sinais do reconhecimento”, havia nela, e a reacção internacional ao aparecimento do novo país foi bastante lógica – como nos versos de Mayakovskiy: “mas que novidade geográfica é essa?” [1]. Arriscarei afirmar, se naquele momento Lesya Ukrainka e Mykhailo Kotsiubynskiy seriam tão conhecidos no mundo como Tolstoi e Dostoevskiy, nosso país não precisaria de recusar a (sua) arma nuclear. E isso não é a simples metáfora.
Nunca vou esquecer uma minha conversa com o editor do World Street Journal Europe. Homem teve o privilégio de ver em Metropolitan a exposição da pintura da escola ucraniana de "boychukysty" - aquilo que restou deles. Depois disso, toda a sua família ficou em depressão profunda durante dois meses – foram chocados pela descoberta duma escola de pintura tão estupenda, que além disso, estava muito a frente daquilo que faziam David Álfaro Siqueiros, Diego Rivera, Frida Cahlo, todo este senhorio, que depois se transformou no "brand" do México, foi completamente destruída – não apenas os artistas foram fuzilados, mas os seus trabalhos destruídos. Então, este editor estava disposto a desculpar à Ucrânia em avanço, todos os seus erros da política externa e interna, e futuramente tratar todos os ucranianos com compreensão e simpatia – como a vítima estratégica do totalitarismo do século XX. Apenas uma única passagem da nossa história cultural o obrigou a olhar para a Ucrânia com olhos bem diferentes. Os exemplos deste tipo podem ser citados em grande número.
Com grande pena tenho que constatar que Estado ucraniano até agora simplesmente não reparava nas possibilidades de mostrar a cultura dessa maneira, como cartão de visitas, que têm muita perspectiva – na arena internacional ao nível institucional do Estado. Essas oportunidades existiam, muitas até, principalmente depois da Revolução Laranja, quando o mundo pela primeira vez realmente interessou-se pela Ucrânia, - todas as portas para o mainstream cultural internacional foram abertas, e dali se gritava "Sejam bem vindos!". Havia possibilidade de eleger a Ucrânia como o hospede da Feira do Livro de Frankfurt de 2008, havia a mesma proposta da Feira do Livro de Leipzig de 2006, que as nossos instituições governamentais deixaram escapar, duma maneira completamente inglória – como todas as outras ocasiões, simplesmente porque, os responsáveis (perante quem? pelo que?) governamentais não entendiam coisas elementares, o que significa a exportação da cultura e como é servida. E que exactamente a política inteligente da exportação da cultura integra o país no amplo espaço informativo europeu, muito mais depressa do que todas as conversas nas mesas redondas.
Porque todas os rompimentos da cultura ucraniana para o espaço europeu aconteciam e acontecem de maneira clandestino – insurgente - contornando qualquer representação estatal. Eu própria pertenço à este "grupo insurgente" – daqueles que já "integraram-se na Europa" com sucesso, balizados por uma particular biografia artística, fiz o seu nome no Ocidente, e do estado ucraniano pessoalmente para si quero uma coisa – para que me perturbe menos possível. Mas este permanentemente aparece atrás das costas, como diabinho de tabaqueira, - e cada vez te envergonha. Te és traduzida, editada, encenada, distingida, tu vens com apresentações, encontras-se com os leitores, comeces contar – que cultura está atrás de si, que tradição representas, quem eram os seus antecessores e o que eles trouxeram para o tesouro da alma da humanidade, - e olhos dos seus interlocutores ficam cada vez mais e mais redondos, e só posso citar a jornalista sueca, que me disse durante uma entrevista: "Desculpe, por favor, pode ser que estou enganada, mas tenho o sentimento que o seu país fala pouco sobre si próprio, informa pouco sobre as coisas interessantes que têm". Eu baixei a cabeça modestamente, venho balbuciando: sim, sabe, infelizmente, não temos experiência, país jovem, apenas aprendemos... Até quando ele vai aprender, interessante?
Ou então, outro exemplo demonstrativo. Minha tradutora checa, trabalhando no livro “Irmã, irmã”, encontrou na novela “Extraterrestre” as citações ocultas de drama de Lesya Ukrainka, “Cassandra”. Tradutora chega à Ucrânia, visita a livraria e pergunta pela “Cassandra” de Lesya Ukrainka. Recebeu uma resposta, que o mais provável, ela confundiu alguma coisa, porque eles ainda sabem quem é a Lesya Ukrainka, mas quem é a Kalandra – não se percebe de todo. Podem imaginar o choque cultural de um europeu, que venha à Ucrânia, à capital, que parece quase europeia, há mais automóveis caros nas ruas, do que em qualquer capital europeia, os cafés transbordam da gente, tudo parece “como da gente”, até “glomoroso”, - mas quando visitas a livraria, descobre-se, que neste país, pela primeira vista “quase europeu”, simplesmente não existe a literatura clássica nacional. O efeito é quase mesmo, se for a pessoa abrir a porta do hotel “Redisson” – e logo cair numa fossa. Um pais de brincadeira.
Eu apoio plenamente a ênfase da afirmação que a Ucrânia é a parte da Europa. Se conhecer a sua história, a sua herança, então pelos origens, pela herança, pela mentalidade e “matriz” psicológico, o país sem duvida é a parte integrante do continente cultural europeu. Mas na realidade a Ucrânia, ela própria não sabe disso. Um cidadão ucraniano médio normal – “não especialista” – conhece muito mal a sua história e quase não conhece a sua herança cultural. É muito difícil “integrar-se” em qualquer lugar, se nós próprios, no nosso interior não somos “integrados” culturalmente. É muito difícil “integrar-se” à todo aquele que foi privado da memória histórica, mal entende à si próprio, e imagina com dificuldade, de que lado e com quem pode se comparar.
História com a minha tradutora acabou de maneira que eu lhe ofereci o meu próprio volume da Lesya Ukrainka com a “Cassandra”, - e recentemente recebi a notícia, que ela já está acabando a tradução dessa drama e está acertando as agulhas com o Teatro de Praga, que ficou entusiasmado com ideia de encenar a “Cassandra” no palco. Tenho muita esperança, que depois disso – pelo menos no bairro, onde haverá a estreia! – desaparecerão inscrições nas portas dos prédios do tipo “entrada de cães e ucranianos é proibida”. A imagem da Ucrânia na Europa de qualquer maneira terá que ser definida não pelos trabalhadores nas obras e escravas brancas, que venham para lá, - mas pela descoberta do que naquele país, antigamente havia uma rica cultura, e que este país sempre consegue a exportar.
As vezes parece que nós voltamos aos anos 1920 – para os tempos, sobre quais Pavlo Tychyna escrevia sarcasticamente: “Por amor de Deus, ponha os punhos de camisa, diga-os alguma coisa: eles perguntam, se nós temos a cultura” [2]. “Eles” perguntam – mas a questão não está neles, está em “nós”. Na nossa capacidade de “lhes” responder, até onde estamos dispostos levar este desafio. Isso, sem exagero é uma questão de sobrevivência do nosso país no futuro próximo, - se que nós realmente queremos integrar-se na Europa e tornar-se a parte do mundo civilizado.
[1] Mayakovsky Vladimir, "Soviet Passport," tradução inglesa de Herbert Marshall;http://win.mail.ru/cgi-bin/%20http:/www.marxists.org/subject/art/literature/mayakovsky/1929/my-soviet-passport.htm
[2] Tychyna Pavlo, "A Test", tradução inglesa de Michael M. Naydan,“The Complete Early Poetry Collections of Pavlo Tychyna”, Editora Litopys, 2000, p.251
Biografia da Oksana Zabuzhko
Nasceu em 1960 e vive actualmente na capital da Ucrânia, cidade de Kyiv. Foi graduada pela Faculdade de Filosofia na Universidade Taras Shevchenko de Kyiv (1982). Obteve PhD em Filosofia da Arte em 1987. Desde ai trabalha como Professora Associada no Instituto da Filosofia da Academia de Ciências da Ucrânia em Kyiv. Zabuzhko foi a Fulbright Fellow nos EUA em 1994 (Universidade de Harvard e Universidade de Pittsburgh), foi Writer-in-Residence da cultura e literatura ucraniana na Universidade Estatal de Penn em 1992. Ela também escreve para as revistas e jornais sobre a literatura, é colunista dos principais semanários da Ucrânia. Ela é Vice - Presidente do PEN – Centro ucraniano e professora da escrita criativa na Universidade Taras Shevchenko em Kyiv.
Mais informação sobre a escritora em inglês pode-se encontrar aqui e aqui .
O texto do artigo original em inglês e ucraniano
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