quinta-feira, outubro 30, 2008

Rússia pode se transformar no lugar vazio

Zbigniew Brzeziński é um dos mais influentes representantes da elite política americana. Dono de uma inteligência exemplar, ele é conhecido por saber determinar extremamente bem os pontos fracos dos seus oponentes. Entre 1977 e 1981 Brzeziński era o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente americano Jimmy Carter, apoiando activamente a guerrilha afegã, que lutava contra a invasão soviética.

Brzezinski é conhecido pela sua posição intervencionista (hawkish) em política externa, em uma época na qual o Partido Democrata tendia de modo crescente ao isolacionismo (“dovish”). Zbigniew Brzezinski compreende todas as línguas eslavas (!), embora só se expressa em inglês e polaco.

Entrevista que se segue, foi dada pelo Zbigniew Brzezinski ao jornal russo Komsomolskaya Pravda.

- Interessante de se reunir com o mais famoso dos nossos inimigos. Especialmente se o inimigo é esperto.
- É isso mesmo. Mas uma má ideia é aumentar o número de inimigos, por exemplo, como gosta de fazer o vosso Primeiro – Ministro Putin.

- Sr. Brzezinski, a sua antipatia para com os russos é devido às suas genes polacas?
- Não sinto animosidade para com os russos. Entre os russos há muita gente boa. Eu admirava a notável jornalista Anna Politkovskaya. Ela tinha uma maravilhosa dádiva da empatia para com os «alheios», os estranhos. Eu respeito profundamente Solzhenitsyn, embora nos últimos anos, ele estava inclinado para o nacionalismo. [...]

- Em 1997, no seu livro «Grande tabuleiro de xadrez» (The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives, New York: Basic Books, ISBN 0-465-02726-1, livro foi traduzido e publicado em 16 línguas), a Rússia é chamada do «buraco negro», além disso você afirma que a Rússia não está enfrentar qualquer escolha geopolítica, mas apenas a sua própria sobrevivência. Você mudou do seu ponto de vista?
- Eu descrevi a realidade que existia na altura. A dissolução da União Soviética criou um vácuo geopolítico (se você não gostar da palavra «buraco»), o espaço, que foi incapaz de sustentar a sua existência entre a China e a Europa. A situação melhorou desde então, a Rússia recuperou a sua economia e a estabilidade política. Mas a principal conclusão à que eu cheguei então, continua correcta: a Rússia não pode alcançar o sucesso no seu futuro e a prosperidade para os seus cidadãos, sem o estreitamento das relações com a Europa. Caso isso não aconteça, (o país) irá se transformar num espaço vazio. A crise demográfica é séria, vossa gente envelhece. Ao lado segue-se o dramático crescimento da China. Mas vocês não podem aproximar-se a Europa, pois ainda se consideram como um império. Refiro-ma às palavras de Medvedev sobre a zona privilegiada de interesses russos.

- Você acredita que não temos esse direito? Mas os EUA também têm a sua zona privilegiada.
- Esse não é o caso. Aceitamos a existência de Cuba comunista, não estamos se opor à chegada dos vossos navios e aviões a Venezuela. No entanto, vocês não gostam dos nossos navios no Mar Negro. Vocês tem de se livrar de sua mentalidade. No século XXI não existem nenhumas zonas privilegiadas.

- No seu livro, você propôs dividir a Rússia em três partes: a parte europeia, a da Sibéria e a do Extremo Oriente ...
- Você está deturpar as minhas palavras. Eu estava falando sobre outra coisa. Rússia não será capaz de crescer, devido à extrema centralização – todas as decisões são tomadas em Moscovo. Como resultado, o resto do país se desenvolve lentamente. Eu disse que se na Rússia for criada a comunidade de repúblicas russas com centros no Extremo Oriente, na Sibéria e em Moscovo, todas essas regiões teriam uma posição muito melhor e seriam capazes de cooperar activamente com os seus vizinhos. Por exemplo, o Extremo Oriente na nova descentralizada Rússia seria capaz estabelecer a cooperação mais séria com os (seus vizinhos) ricos – China e Japão. Rússia Ocidental podia cooperar com os países nórdicos. Se os EUA forem centralizadas como a Rússia, nós nunca teríamos tido a Califórnia e Nova Iorque. A elite burocrática da capital gosta de parasitar (à custa) das regiões provinciais. Olhem para o que está acontecendo no vosso Extremo Oriente!

- Sou do Extremo Oriente, da cidade de Khabarovsk.
- Eu conheço o Khabarovsk. Olhe para as cidades russas e para as cidades chinesas de ambos os lados do rio. Que nível de vida diferente! Vocês tem multi – milionários em Moscovo, que colocam o seu dinheiro em Londres, no Chipre, nas Ilhas Caimão. Eles não investem no desenvolvimento (das cidades como) Vladivostok e Khabarovsk. E o que está acontecendo lá? As pessoas abandonam (a região) ou morrem. Infelizmente, vocês têm uma tendência para considerar qualquer crítica como hostil. Vocês deveriam se livrar deste complexo.

- Você acha que mais cedo ou mais tarde, o Extremo Oriente será chinês?
- Se o espaço é vazio, pergunte-se há quanto tempo ele permanecerá vazio? Olhem para o mapa e comparem o tamanho da Ásia russa e não russa. O lado russo é tão grande como o resto da Ásia. E quantas pessoas lá vivem? Um total de 35 milhões de pessoas comparados com 3,5 – 4 bilhões do outro lado. Existe uma China forte, com estradas e cidades, como na América. Aumenta o desenvolvimento na Índia, promete o Irão. Se a Rússia será capaz de canalizar para o seu Extremo Oriente e a sua Sibéria o investimento e os fluxos de imigração, bem, então vocês terão o futuro. Vocês tem gente talentosa, um forte sentimento de identidade nacional, mas os vossos antigos esquemas imperiais isolam vós e criam uma situação em que todos os vossos vizinhos não gostam da Rússia e têm medo dela.

- O que você acha das políticas provocadoras dos EUA e da NATO para com a Rússia? Refiro-me à tentativa de expansão da NATO para a Ucrânia, cuja metade da população é orientada para com a Rússia, bem como a implantação de sistemas de escudo anti – míssil na República Checa e na Polónia.
- Metade da população da Ucrânia fala russo, mas isso não significa que eles se vêem como russos. 85% dos cidadãos (ucranianos) apoiaram a sua independência. Ao falar da NATO: mesmo o pró - russo de Yanukovich há sete anos atrás avançou com a ideia de se filiar na Aliança. Mas é verdade que a maioria das pessoas (na Ucrânia) não concordou com a ideia de aderir à NATO. E esta é uma das razões pela qual o país não será convidado. Existe uma diferença entre a Ucrânia e os países bálticos. Porque eles estão na NATO? Porque eles queriam isso tão desesperadamente. Estes países têm as memórias históricas amargas de ocupação soviética. NATO lhes dá uma sensação de segurança. Quando Ucrânia mudar de ideia, será admitida (na NATO). A NATO não é dirigida contra a Rússia. Com relação ao sistema anti - míssil, eu sou muito crítico, considero a ideia como prematura. Mas eu também preciso de dizer que o sistema é tão limitado que absolutamente não pode impedir um ataque nuclear russo. Mas o que vocês disseram aos polacos e checos? Se você colocarem os mísseis (no vosso território), nós apontaremos contra vós o nosso arsenal nuclear. Como resultado, eles concordaram imediatamente de receber o sistema anti - míssel. As vossas tácticas ruins activaram a opinião pública nestes países contra os russos.

- Vamos conversar sobre as eleições. Como será o mundo pós – Bush e que mudará na política externa dos EUA, especialmente no que diz respeito à Rússia?
- A grande diferença das eleições americanas e as russas é que nos ainda não sabemos quem será o vencedor. Em termos de futuro da política externa dos EUA, não creio que entre Obama e McCain haverá uma diferença substancial. Ambos querem uma relação estável com a Rússia. Enquanto falamos do conflito russo – georgiano, McCain tem ido longe demais nas suas afirmações, Obama foi mais cauteloso.

- Você é o conselheiro do Obama?
- Eu apoio-o, mas não faço parte de sua equipa. Eu queria ser livre da disciplina de sua campanha eleitoral para dizer às coisas que são contrárias aos seus pontos de vista, por exemplo, sobre a questão do Afeganistão.

- Você chamou a América de única superpotência. Não acha que o mundo está caminhando para a multi – polaridade?
- Sim, algo mudou. Mas não acho que ser a única superpotência significa ditar a sua vontade ao mundo. Essa é a forma como opera Bush – como um ditador. E temos pago um preço por isso no Iraque e possivelmente iremos pagar no Afeganistão. E financeiramente, não estamos mais dominar. Mas não é preciso de se regozijar, porque os factos são os seguintes: somos o centro absoluto da estabilidade mundial. Se o fizermos bem, o mundo será estável. E vice-versa. Veja, por exemplo, o que estava acontecendo no vosso mercado (financeiro).

- Agora você fala maldosamente!
- Acabei de lembrar a realidade! Temos de reconstruir o nosso sistema financeiro e América voltará a ser o centro.

No futuro, poderia surgir um equilíbrio mais justo do poder e então teremos um mundo multi – polar. Mas dizer que agora algum país poderá substituir os EUA como um estabilizador financeiro e político, é totalmente irrealista. Simplesmente este país não existe. A Europa não tem vontade política, a Rússia tem, mas não possui as capacidades económicas e financeiras. Os chineses não querem se revelar muito cedo. Eles são cautelosos e pacientes. E a situação é tal, que nos próximas 10 – 25 anos, os EUA continuarão a desempenhar um papel fundamental na estabilidade global, ou se transformarão no principal problema no caos geral.

Fonte: (fotos da década de 1980, Brzeziński no Paquistão)
http://kp.ru/daily/24190.4/397290

1 comentário:

Daniel Agl disse...

Ainda discordando do autor ao se referir à Bush como autoritário na política ostensiva americana, escondendo que os democratas quando iniciam as guerras também são de forma bem autoritária, o autor tem brilhantes palavras ao russos, apresentando mais que uma inteligência e uma mentalidade saudável, mostra a parte de cérebro que falta na cabeças da maioria dos russos!

Parabéns ao administrador do blog por ter trazido essa entrevista. Amei o artigo.
Saudações!