sexta-feira, março 28, 2008

O genocídio na Ucrânia

A base da identidade cultural dos ucranianos remonta ao século nove, com o surgimento do Principado de Kyiv. Durante os séculos seguintes, o povo foi subjugado por diversos invasores, até ser absorvido pela URSS em 1922. O Império soviético desmoronou em 1991.
Há 75 anos, milhões de ucranianos foram vitimados pela fome, uma tragédia planeada por Stalin. Chegou a hora de reconhecer o genocídio...



por: Pedro Miskalo

Entre os anos 1932 e 1933, os ucranianos protagonizaram, a contragosto, algumas das páginas mais tristes e menos conhecidas da história soviética. Foram “páginas em branco”, porque omitidas durante décadas pelo regime capitaneado, à época, por Stalin.
A Ucrânia era considerada, até então, o “celeiro da Europa”, graças à fertilidade de seu solo negro (chernozem), explorado pela maioria de seus cidadãos, historicamente agricultores.
Em 1929, com plenos poderes ditatoriais, Stalin forçou a implantação de uma indústria estatal e a colectivização das actividades agrícolas, através de kolkhozes (cooperativas agrícolas) em seu vasto império. Naturalmente, essa política económica encontraria sérios obstáculos entre os agricultores ucranianos mais prósperos e favoráveis à economia de mercado (chamados pejorativamente de kurkuls).
A reacção do Stalin foi dar uma “lição aos nacionalistas renitentes”. Primeiramente, acabou com os kurkuls. Muitos proprietários abonados foram assassinados e os demais (2.800.000) foram deportados para o Kasaquistão e a Sibéria. O segundo passo foi a nacionalização das pequenas propriedades privadas, obrigando a filiação de seus donos às kolkhozes. Finalmente, decretou o confisco dos alimentos. Pela primeira vez no Estado moderno alguém utilizaria a fome como uma arma de destruição colectiva.

Mecanismos perversos
Em língua ucraniana, o neologismo Holodomor (Grande Fome provocada artificialmente) identifica a tragédia que varreu o país, transformando-o em uma estepe vazia onde rastejava, em completa inanição, a população inocente. Os sobreviventes não tinham forças para sepultar seus mortos.
Através de uma intolerável política fiscal, todos os recursos monetários foram exauridos pelo Estado soviético. A totalidade da produção agrícola era obrigatoriamente requisitada pelas cooperativas. A chamada “lei das cinco espigas”, proposta pessoalmente pelo ditador em agosto de 1932, exigia a morte por fuzilamento ou a prisão por dez anos para o infeliz surpreendido roubando comida.
As mercadorias da população foram confiscadas e proibido o seu comércio, sob pena de fuzilamento ou prisão por dez anos. Outras regiões da URSS estavam proibidas de ajudar aquelas populações. Foram retidos os passaportes internos, de modo que as famílias não podiam procurar alimentos em outras áreas da URSS. A repressão foi acompanhada por um ataque impiedoso à cultura ucraniana, à fé ortodoxa e à consciência nacional. Apenas na Ucrânia, pelo menos três milhões de meio de pessoas morreram por inanição ou em consequência dela, como canibalismo, suicídios e epidemias.

Silêncio!
A direcção da polícia política secreta decretou: “É categoricamente proibido a qualquer organização ter o registro dos casos de doença ou morte por fome, excepto os órgãos da polícia política”. Em 1934, ela decidiu que todos os registros do censo de 1932-1933 fossem enviados a repartições especiais, onde, com toda a probabilidade, foram destruídos. Como se aquela gente jamais tivesse existido. Na verdade, elas foram mortas duas vezes. Primeiramente pela fome. Em seguida, pela omissão a que foram submetidas por mais de setenta anos pelo regime soviético.

Não se pode esquecer
O actual presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko, quer evitar a perda da memória histórica de seu povo: "O mundo deve saber a verdade sobre todos os crimes contra a humanidade. Somente dessa forma teremos a certeza que a indiferença nunca mais irá atrair os criminosos". Ele declarou 2008 o ano da memória pelas vítimas da Holodomor.

Nota sobre o autor:

Natural de Paraná, 59 anos de idade. Filho de Gregor Mieskalo, já falecido, ele próprio nascido na antiga Jugoslávia e de Ana Biletski, a brasileira de nascimento e ucraniana de origem.
É casado com a Inês Kisil, pai de quatro filhos: André, Ivan, Vítor e Luciana. Vive em São Paulo.

Formado em Ciências Sociais e em Pedagogia, durante 34 anos fui professor no ensino médio, ora de Sociologia e Filosofia, ora de História e Geografia. Exerceu simultaneamente o cargo de Orientador Educacional durante duas décadas em uma escola em São Paulo. Nesta mesma escola fui Director Pedagógico durante sete anos.

Neste momento é aposentado, colabora na redacção da revista mensal “Mundo e Missão”, dirigida por padres católicos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Incrível, sou neto do Pedro Miskalo, chamo Pedro Kisil e venho aqui dizer que tenho orgulho do tão trabalho duro que ele fez durante anos, e como ele é um PAI para mim. Obrigado Vô (PAI)